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As políticas de envolvimento dos pais na direção/governo das escolas

1. Os novos modos e mecanismos de regulação do poder

1.2. Mecanismos de regulação de poder no quadro da reconfiguração do papel do

1.2.2. A promoção de políticas de participação social no governo das escolas

1.2.2.2 As políticas de envolvimento dos pais na direção/governo das escolas

A problemática do envolvimento dos pais no governo da escola pública está intimamente relacionada com a da regulação dos poderes e a forma como o papel dos pais sofreu uma reconceptualização, quer no modo como são chamados a participar na génese das políticas públicas, quer no que respeita ao incentivo à sua participação no seio das organizações educativas, em particular.

As reformas educativas, que nos últimos anos têm marcado a generalidade dos sistemas educativos dos países, nomeadamente, da Europa Ocidental, apresentam em comum, embora com características diferenciadas, a consagração da autonomia a par da participação dos pais em estruturas formais do governo das escolas. Estas preocupações desenvolveram-se, essencialmente, a partir da década de 70, na maior parte dos países da Europa, e culminaram em significativas mudanças educativas, com maior expressão na década de 80. Na década seguinte, este processo de reforço da participação formal dos pais e seus representantes tem continuado, constituindo uma das questões centrais dos debates no domínio da educação (EURYDICE, 1997).

Na sequência da presidência espanhola, cujo tema central de debate foi a participação social na educação, a Comissão Europeia, através do programa

EURYDICE, realizou um estudo sobre os modos de participação dos pais nos sistemas

educativos dos diferentes países da União Europeia. Do relatório produzido, destacam- -se as iniciativas e medidas tomadas em matéria da implicação dos pais no ensino obrigatório, quer a nível nacional, quer ao nível dos estabelecimentos de ensino, bem como as modalidades de representação e as competências que lhes são confiadas nos

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diferentes órgãos em que têm assento. O estudo comparativo permitiu concluir da convergência nesta matéria, apesar da diversidade de situações: todos os países assumiram políticas de promoção da intervenção parental, pelo menos ao nível dos estabelecimentos de ensino, a existência de dispositivos de participação está generalizada (EURYDICE, 1997: 11), embora as modalidades de representação variem, de país para país, em função dos contextos políticos. Na maior parte, a representação dos pais, quer ao nível nacional, regional/local, quer mesmo nos órgãos das escolas é minoritária; os mecanismos de paridade são pouco frequentes e apenas ao nível regional/intermediário, por exemplo, na Irlanda, na Áustria, na Comunidade Flamenga da Bélgica, na Espanha, no ensino privado subvencionado pelo Estado; a participação maioritária constitui exceção ao nível dos estabelecimentos de ensino em apenas dois países: a Dinamarca e a Escócia. Contudo, o papel desempenhado pelos pais nestes dois países é muito diferente: no primeiro, detêm um poder de decisão, no segundo, de

consulta.

A consulta consiste no direito a estar informado e emitir uma opinião. A decisão compreende todo o processo, aprovação, decisão e execução. Este poder encontra-se sobretudo a nível dos estabelecimentos, em órgãos para o efeito, mas esta participação nas tomadas de decisão pode assumir duas facetas (ibidem:15): decisão sobre o conjunto dos aspetos relativos à gestão interna e diária da escola: organização dos horários, das atividades de complemento curricular, de controlo das despesas, etc. ou decisão sobre os aspetos importantes do funcionamento global do sistema educativo, por exemplo, o recrutamento de pessoal docente e de pessoal não docente, a seleção do “diretor”, a fixação do programa e dos métodos de ensino. Na maior parte dos países, encontra-se o segundo tipo, de consulta. Como ilustrativos do primeiro, decisão, destacamos alguns como a Dinamarca, a Espanha, a Irlanda e Portugal (Cf. tabela 3, EURYIDICE, 1997: 16). No caso português, a leitura dessa participação em termos de decisão não nos parece assim tão óbvia, conforme a leitura da figura pode suscitar, embora a retórica dos documentos aponte, de forma clara, para essa participação.

Na maior parte dos países contemplados no relatório enunciado, decorrem cursos de formação para ajudar os pais a prepararem a sua participação nas escolas, uns, de

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forma mais organizada, outros, de caráter mais incipiente, financiados por instâncias públicas ou privadas. A Federação Europeia das Associações de Pais (EPA: European

Parents Association) tem tido um papel importante na conceção e desenvolvimento de

programas de formação parental.

As políticas de envolvimento da comunidade educativa e, em particular dos pais, no seio de novos quadros de regulação e reconfiguração de poderes, não são um exclusivo dos países europeus. As políticas educativas, e as outras, só são devidamente compreendidas se as considerarmos globalmente. Noutros países, como os Estados Unidos ou a Austrália, por exemplo, têm sido ensaiadas políticas semelhantes. Um dos aspetos mais salientes destas vagas reformistas consistiu no reforço do papel dos pais como consumidores, numa reconceptualização da sociedade como mercado, assistindo- -se, assim, a uma tensão entre as finalidades da intervenção dos pais no governo das escolas: esforço de democratização da escola ou reforço da lógica de mercado no território educativo?

A propósito do protagonismo que vem sendo adquirido pelos pais e encarregados de educação no sistema educativo português, invoquemos a Lei das Associações de Pais, o Decreto-Lei n.º 372/90, de 27 de novembro, com alterações pelos Decreto-Lei n.º 80/99, de 16 de março e Lei n.º 29/2006, de 4 de junho. No artigo 9.º estão consagrados os direitos, entre outros, de participarem na definição da política educativa da escola ou agrupamento; participarem na administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino; pronunciarem-se a nível nacional, regional e local acerca das políticas educativas e sua articulação com outras políticas sociais; acompanharem a execução das políticas educativas nacionais, regionais e locais. Retomamos este assunto, noutro momento destinado à inscrição normativa da participação dos pais na vida organizacional da escola pública portuguesa.

Este discurso crescente do reforço da abertura social e, em particular, das famílias “ (…) pode tornar-se mais uma armadilha ao sugerir um estatuto igualitário entre as diferentes partes, o que revela um falso pressuposto, dada a posição estruturalmente dominante da instituição escolar” (Silva & Stoer, 2005: 21), sobretudo

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quando equacionada no âmbito da passagem de pai colaborador para pai parceiro18, pois pressupõe uma reconfiguração de papéis quer da escola, quer da família, uma reconfiguração social, de cidadanias, afinal uma repolitização da vida da organização escolar. O primeiro cumpre os seus deveres perante a instituição escolar, no âmbito de uma cidadania que lhe é atribuída, o segundo é interventivo, que reclama ter voz nas decisões, enquadra-se na cidadania reclamada, construída.

Em Portugal, esta participação dos pais na vida das escolas tem-se feito essencialmente de cima para baixo e, apesar das metáforas discursivas, é a personagem tipo de pai responsável, colaborador, que continua a interessar mais ao Estado e às escolas, como a seu tempo o veremos.