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A necessidade de triangulação apoiou a necessidade ética de conferir validade e fiabilidade aos processos e credibilizar as nossas interpretações: triangulámos fontes, triangulámos teorias, triangulámos métodos, triangulámos pessoas: “Triangulation has been generally considered as a process of using multiple perceptions to clarify meaning, verifying the repeatability of an observation or interpretation (…) but triangulation serves also to clarify meaning by identifying different ways the case is being seen.” (Stake: 2005: 454).

De acordo com Afonso (2005), a triangulação tem dois objetivos: clarificar o sentido da informação recolhida e identificar sentidos complementares ou alternativos, dada a complexidade do contexto de estudo. Segundo Stake (2009: 122), o investigador tem “ (…) a obrigação ética de minimizar as deturpações e os equívocos.”. Como a triangulação exige operações demoradas e seguindo o seu conselho, “ (…) só os dados e as afirmações importantes foram deliberadamente trianguladas.” (idem: 125).

A importância da triangulação é conferida pela ajuda que dá na clarificação ou confirmação da leitura, na diferenciação de significados, no esclarecimento de dúvidas, isto é, se serve para aumentar a credibilidade da interpretação. Nos seus “protocolos de triangulação”, este mesmo autor, na esteira de Denzin (1984), propõe: a triangulação

das fontes de dados para verificar se determinado fenómeno se mantém ou não em

diferentes momentos, em diferentes espaços, em diferentes situações; a triangulação

do investigador, a participação de outros analistas, por exemplo, para, perante os

mesmos critérios, procederem à categorização dos mesmos dados, esta triangulação

convincente: “Diz-se «nós» porque se presume que o que se afirma possa ser partilhado pelos leitores”: (ibidem: 164.)

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pode incluir uma triangulação de teoria, visto que as interpretações nunca são exatamente iguais e outras interpretações podem ser muito úteis para o investigador se confrontar com as suas próprias conclusões76, e a triangulação metodológica, por exemplo, a realização de entrevistas e de observações.

Também Santos Guerra (2003: 127) invoca a definição clássica de Denzin (1978), sustentada pela combinação de metodologias, para acrescentar, na análise dos diferentes vértices da realidade, a triangulação de indivíduos, a triangulação de momentos e a triangulação de especialistas. No nosso caso, combinámos os diferentes tipos de triangulação, pois partimos do pressuposto da “ (…) necessidade de aprofundar/explicar/ampliar as interpretações já formuladas sobre alguma faceta ou parte da realidade.” (ibidem: 134). Fizemos triangulação ao utilizar comparativamente informação obtida em diversas fontes, com diferentes métodos, com diferentes indivíduos, em diferentes momentos, pelo confronto com diferentes teorias, por exemplo, diferentes imagens organizacionais da escola, diferentes tipologias de participação, e de especialistas, contando com a participação atenta e crítica dos orientadores e de colegas de doutoramento e outros a que fomos dando a ler as nossas leituras, procurando “limpar” e ajustar as nossas lentes.

As questões éticas surgem ao longo de toda a investigação, desde a escolha do tema, à definição das questões de pesquisa, à seleção do local de realização do trabalho empírico, ao modo de acesso ao terreno, à forma de recolha de informações e informadores, aos procedimentos metodológicos adotados, à redação do próprio texto e sua divulgação. Preocupámo-nos essencialmente em respeitar as pessoas, tentando assegurar a sua privacidade, a confidencialidade, reduzindo, o mais possível, os riscos da sua participação, obtendo previamente o consentimento informado e voluntário, procurando maximizar os seus contributos ao nível da criação de novo conhecimento e eventual reflexão e melhoria conjunta das ações.

A informação confidencial foi tentada através da codificação dos intervenientes e do local de estudo. No entanto, pode não ser sido totalmente conseguida, pois há a

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possibilidade de identificação através de indicadores que não podiam ser totalmente excluídos, pois constituíam referentes de contextualização relevantes.

Para concluir este capítulo, destinado aos procedimentos metodológicos adotados no nosso trabalho empírico, gostaríamos de esclarecer que para manter a confidencialidade relativamente ao Agrupamento de Escolas e aos protagonistas envolvidos no estudo, optámos por não apresentar, neste volume, em anexo, os documentos oficiais analisados e as transcrições integrais das entrevistas realizadas77, apresentando, apenas, no corpo do trabalho, a categorização das diferentes entrevistas e segmentos textuais ilustrativos das opiniões dos vários documentos e interlocutores.

Estamos conscientes que análise não ficou acabada, a natureza dos dados era vasta, procurámos limitá-la às necessidades e ao âmbito desta investigação, que poderá, e deverá, ser alargada em estudos posteriores, num “movimento perpétuo”78 de sonho, conhecimento e compreensão da vida: “Many a researcher would like to tell the whole story but of course cannot; the whole story exceeds anyone’s knowing and anyone’s telling.” (Stake, 2005: 456).

77 Esses documentos serão facultados ao Júri de Avaliação, dado que constarão de volume/CD para o

efeito, Anexos.

78 Movimento perpétuo (1956) é o título do primeiro livro de António Gedeão/ Rómulo de Carvalho, onde

o sonho e a vida se fundem, por exemplo, em “Pedra Filosofal”: “ Eles não sabem que o sonho/ é vinho, é espuma, é fermento/bichinho alacre e sedento/ que fossa através de tudo/ num perpétuo movimento.”

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Todos estamos no palco e todos estamos nos bastidores. Santos Guerra, 2000.

Capítulo V

Apresentação dos dados e discussão dos resultados

1.Operacionalização dramatúrgica

Depois do moroso, mas fecundo, processo de informação teórica, recolha, análise e tratamento dos dados da pesquisa, resultante de um movimento de feedback constante entre a prática e a teoria e vice-versa, cumpre, agora, tornar públicos os resultados do nosso estudo de caso: “A case study is both a process of inquiry about the case and the product of that inquiry” (Stake, 2005: 444). Este capítulo sintetiza o produto de um estudo, que se pretende que retome, também ele, um processo de partilha de conhecimento, de triangulação de saberes, de crescimento contínuo da nossa humanidade, da nossa imperfeição.

A sua principal função é apresentar as nossas possibilidades de explicação ou compreensão do objeto de estudo definido previamente: “El análisis de los datos consiste en interpretar los datos, extraer sus significados, está relacionado con las teorías sobre la realidad (…) permite elaborar, modificar o refutar teorías.” (Rubio & Varas, 2004: 26). Procuramos, de forma articulada, ver de que modo os nossos objetivos foram alcançados e demos resposta às nossas questões de partida e a outras que a elas se foram associando: “ (…) la realidad social se construye a partir de la actividad cognitiva del investigador, sobre los hechos, definiendo, seleccionando, agrupando, distinguiendo, numerando, ordenando los hechos, construyendo así una realidad estructurada.” (ibidem: 63).

Perante a multiplicidade de fontes, de fenómenos observados, de dados recolhidos, ficámos perante o dilema: como estabelecer relações entre eles e como apresentá-los de modo coeso, reconstruindo os seus significados, partindo de uma realidade empírica frequentemente fragmentada? Como apresentar uma síntese compósita das principais respostas para as nossas questões? Como desvelar as lógicas e os sentidos da atividade organizacional, nomeadamente do espaço micro que

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observámos circunstanciadamente? Relato cronológico dos acontecimentos? Reportagem alargada, respondendo às questões: O quê? Quem? Onde? Quando? Como? Porquê?

Decidimos, depois de algumas vacilações, ensaiar a apresentação e discussão dos resultados, procurando dar respostas às questões do lead e do corpo da notícia alargada, ou reportagem, adotando, contudo, uma apresentação “dramatúrgica” dos dados, por encontrarmos muitas semelhanças entre a vida, entre este caso concreto, como pedaço da vida, e o teatro79.

A utilização de metáforas teatrais em estudos da organização escolar não constitui uma novidade. Lembremos, por exemplo, o conceito de “ação dramatúrgica” de Habermas (1987), mobilizado por Sarmento (2000)80 para a definição de lógicas de ação dos “atores” no “palco educativo”, ou o conceito de ator estratégico, Crozier & Friedberg, L’acteur et le système (1977), ou Santos Guerra, Entre bastidores: O lado

oculto da organização escolar (2000), onde o autor aponta para a necessidade de

iluminar “tudo aquilo que não se vê a partir da plateia (…)” (ibidem:10), pois é “necessário descobrir, entre todos, o que há de verdade e de mentira, o que há de bondade e de maldade, de realidade e de ficção na atividade pública da educação.” (ibidem: 11).

Nesta nossa escolha de apresentação dos dados, recorrendo não só à linguagem teatral, utilizada por muitos autores, mas a procedimentos dramatúrgicos, como a divisão do texto em atos e o ensaio final de classificação tipológica do drama, em sentido lato, pesaram, ainda, razões pessoais e profissionais81.

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Teatro, do grego theatron, o que se vê, lugar onde se assiste a um espetáculo, anfiteatro, lugar para uma assembleia. (Machado, 1997).

80 Conceitos que invocámos neste estudo. (Cf. p. 124).

81 Terminámos a licenciatura em Estudos Portugueses e Franceses, na Universidade de Coimbra, com um

trabalho intitulado “A comédia e os atores no séc. XVII”, para a disciplina opcional de História do Teatro. Para além de professora de literatura, já dirigimos o clube de teatro da Escola e regemos uma disciplina, oferta de escola, cujo currículo elaborámos para um PCA - Oficina de expressão dramática.

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O texto principal deste capítulo contempla as falas dos atores82, que participam na ação, sempre em itálico, para se distinguirem no corpo do textual. As indicações

cénicas e ou as didascálias servem os propósitos das contextualizações, dos cenários,

dos efeitos cénicos, dos adereços, dos gestos, das razões ocultas ou talvez não., Etimologicamente, drama significa ação: “A partir desse sentido (…) fundador, torna- se decisiva, na categorização modal do drama, a valorização de tensões e conflitos, resolvidos num determinado tempo e vividos por personagens em número normalmente não muito alargado.” (Reis, 1999: 267). Tal como no modo narrativo, as personagens e os seus discursos, os seus atos de fala83, constituem-se como elementos de destaque no desenvolvimento e contornos da ação, que é o seu elemento nuclear.

A ação decorre num determinado espaço, normalmente com disposição particular, e num tempo relativamente breve. A representação teatral na Grécia antiga, efetuava-se com as pessoas distribuídas em semicírculo, posicionadas em diferentes lugares, hierarquizados. Podemos estabelecer semelhanças com a distribuição do espaço privilegiado de ação, salas de aula, da escola sede, utilizadas como lugares de reunião, mesas reunidas em U, atores com lugares distintos, por exemplo, o PCG e o DIR, sempre na cabeceira, em posição de destaque, permitindo o controlo, o olhar hierárquico. Cada indivíduo no seu lugar, observando os outros, numa disposição no mesmo plano, que sublinha, pelo menos, ilusoriamente, a ideia de igualdade, mas permitindo um melhor controlo visual.

Ao longo dos tempos, o teatro introduziu várias técnicas, por exemplo, os efeitos de luzes e som, a projeção de imagens, etc. Também neste espaço de ação se mobilizam tecnologias, projeções de imagens, de gráficos, de mapas, de figuras, de textos, pretendendo criar efeitos nos espectadores. O teatro, desde sempre, recorreu a elementos

82 “Apesar de, aparentemente, poder surgir aos olhos de uma plateia como mera peça de engrenagem do

espetáculo, seria de ter em conta que o ator é um «homem» que, também ele, vive o seu tempo.” Barata, 1979: 72).

83 Atos de fala/ilocutórios (Austin, 1911- 1960; Searle, 1932), os atos de fala na sua dimensão social,

interativa, atendendendo aos objetivos comunicativos e aos contextos de produção: declarativos, exprimem o poder do locutor criar/transformar uma realidade pelo ato de o dizer; assertivos, atestam a implicação do locutor no que afirma ou nega; expressivos, exprimem estados psicológicos do locutor face ao que diz; diretivos revelam a intenção do falante sobre o interlocutor, e compromissivos, o enunciador compromete-se a realizar uma ação, no futuro.

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importantes de caracterização, por exemplo, o uso da máscara, o guarda-roupa, os adereços, os elementos decorativos do cenário, com o objetivo de reforçar a mensagem veiculada pelo texto, pelas falas. Também estes atores se preocupam com a imagem, o vestuário, por exemplo, evidenciando um cuidado com a aparência, recorrendo, alguns deles, ao uso frequente de gravata. A máscara é um elemento simbólico por excelência que remete para a dupla personalidade, para o fingimento, para o parecer ser o que não é, para os comportamentos estrategas, muitas vezes hipócritas das relações humanas, logo, das relações institucionais.

Estabelecendo analogias com o teatro épico, onde o dramaturgo mostra as variáveis que contornam os acontecimentos, os indivíduos neles envolvidos, os espaços e os tempos, mas não apresenta respostas definitivas, apenas possibilidades, semelhanças ou diferenças, mas onde tudo significa, mesmo que com diferentes interpretações possíveis, o nosso texto é igualmente um texto argumentativo ao veicular uma mensagem com objetivos de persuasão.

Neste tipo de teatro dialético, ao modo brechtiano84, o objetivo não é levar o espectador a identificar-se com as personagens, mas, num “efeito de distanciamento”, de estranhamento, de espanto, ser um observador crítico, reflexivo, capaz de interpretar o gestus social dos atores, alicerces da ação, as atitudes, a expressão mímica e vocal das relações sociais, nunca vazias de sentido, mas “politicamente” carregadas de significações histórico-sociais, “historicizadas”, para que possa associá-las à realidade social e contribuir para a sua transformação. No teatro, como na vida, assistimos a “ (…) um complexo entrançado de relações públicas, imediatamente intersubjetivas (…) uma ação eminentemente social.” (Barata, 1979: 29)

Como espectador privilegiado, optámos por dar uma estrutura tripartida, em três atos, a este capítulo seminal. Não cumprimos rigidamente as convenções do texto dramático, respeitamos a definição de ato como cada uma das partes em que se divide uma peça de teatro, mas sem nos preocuparmos com as mudanças no cenário para a sua

84 Bertolt Brecht foi um dramaturgo, poeta e encenador alemão do século XX (1898-1956) que

influenciou determinantemente o teatro contemporâneo, com o seu cunho narrativo, isto é, o texto dramático só se completa no palco, na relação dialética entre os atores e a plateia, no despertar do espectador como um ser social, capaz de ver e de agir.

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delimitação, visto que focalizámos, de modo incisivo, o palco da ação central, o do conselho geral, embora haja ações, decorrentes noutros espaços, sempre próximos, que se articulam e contribuem para o desenvolvimento da primeira, por exemplo, os espaços de reunião da associação de pais, os espaços dos eventos formais mais abertos à comunidade. O microespaço natural, salas de aula, usadas com funções de assembleia ou reunião, auditórios e anfiteatros com funções similares e com elementos cénicos muito comuns, permitem-nos considerar, contudo, que se verifica uma relativa unidade de espaço, um dos preceitos do teatro clássico.

No ato I, a exposição, na sequência do trabalho de bastidores, encetado no capítulo precedente, configuramos o cenário, os lugares e os tempos da ação, apresentamos os atores, o elenco, e esboçamos os contornos que auxiliam a compreensão aprofundada do enredo ou intriga.

O ato II, o conflito, atente-se na polissemia deste vocábulo e no uso que lhe atribuímos na metaforização da escola como “arena política”, configura momentos chave do desenvolvimento da ação central, com as personagens em cena, em atuação, no jogo das interações, dos diálogos, dos monólogos e dos apartes, na perscrutação das suas lógicas de ação, nos seus jogos de poder.

O ato III, o desenlace trágico, depois da peripécia que altera o rumo dos acontecimentos - recapitula, de forma triangulada, com três vértices85, as grandes questões de partida, os aspetos mais relevantes da ação, do caso, e constitui o corolário do estudo com a recapitulação de conclusões do trabalho realizado, limitações e sugestões de caminhos investigativos, também de ação, a percorrer.