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3.1 As ONGs no Brasil

3.1.5 As políticas públicas e as ONGs nos anos 2000

Se, por um lado, a Constituição de 1988 reconheceu as demandas das organizações com a criação de espaços de participação política, como os conselhos de políticas públicas, por outro, a Abong (2014, p. 14) argumenta que:

As primeiras discussões sobre o Marco Regulatório para as OSCs, ocorridas na segunda metade da década de 1990, criaram um modelo de relacionamento que ainda hoje tem consequências: os gestores do Estado passaram a ver as ONGs principalmente como executoras de projetos

26Ressalto aqui que a assistência social diz respeito a uma política pública protetiva de atendimento e defesa dos

direitos que a criança e o adolescente têm ao desenvolvimento integral e é regulamentada pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), sendo diferente do assistencialismo, o qual se trata do acesso a um bem através de doação ou de algum serviço prestado individualmente.

gestados e definidos dentro do governo. Com isso atraíram ONGs que passaram a pensar projetos em busca de oportunidades de financiamento, deixando de lado as atividades em que tinham experiência, como o desenvolvimento de novas tecnologias sociais, organização comunitária, pesquisa, formação e análise de políticas públicas.

A partir dos anos 2000, com a queda nos índices de pobreza e desigualdade, por meio de programas governamentais, houve uma mudança do status do Brasil aos olhos da comunidade internacional, que passou a nos enxergar como um país de renda média. Com isso, explica a Abong (2014), as agências internacionais de financiamento passaram a redirecionar seus recursos para outros países, ao mesmo tempo em que não existiam fontes nacionais de financiamento adequadas às necessidades dessas organizações da sociedade civil, agravou-se então a situação das ONGs brasileiras.

Foi no início do século XXI que as ONGs começaram a acessar os recursos públicos por meio de parcerias com empresas públicas e editais para projetos, ou, até mesmo, de convênios com algum órgão do governo.

Assim, se, por um lado, Pinto (2006) coloca que a própria natureza das ONGs não permite que elas tomem para si as responsabilidades referentes à educação, à saúde e a outras questões de responsabilidade do Estado, pois têm uma natureza instável e não podem ser consideradas substitutas dele, já que a atuação delas atinge o conjunto da sociedade de forma limitada, sendo depende de financiamentos pontuais e sendo fragmentada, por outro lado, é possível notar que, à medida que as ONGs se fazem presentes no espaço público e no campo da política, elas possibilitam o fortalecimento da sociedade civil ao buscar ampliar os espaços de discussão pública e de lutas por direitos e pela cidadania, podendo, até mesmo, tornarem-se parceiras do Estado na implementação de políticas públicas.

Nessa conjuntura, nos últimos dez anos, as ONGs vêm ampliando seus espaços de participação na discussão, formulação, execução e até implementação de políticas públicas, propiciando, assim, diversas conquistas no campo dos direitos.

Pinto (2006) expõe que as ONGs têm tido voz ativa como representantes de parcelas da sociedade civil, ou como assessoras de movimentos sociais nos novos cenários de participação na política dos distintos parlamentos, tais como os conselhos, as conferências e os orçamentos participativos.

Nas últimas décadas do século XX e nos primeiros anos do novo século, essas organizações têm tido posição de liderança no alargamento das questões políticas concernentes a direitos, em todos os sentidos, desde os direitos individuais até questões relacionadas com biodiversidade e direitos

ecológicos. As ONGs foram centrais em campanhas públicas, em enfrentamentos diretos com o Estado e até em ações de desobediência civil na defesa de velhos e novos direitos. Decorre dessa postura a incorporação, na agenda governamental, de temas que haviam ficado até então completamente ausentes da discussão pública e que, na maioria das vezes, não eram sequer reconhecidos como legítimos. (PINTO, 2006, p. 657).

É notável que, nas últimas décadas, o papel desempenhado pelas ONGs no cenário público foi importante e fomentou discussões diversas. Lopez e Abreu (2015) sugerem que essa participação das ONGs pode decorrer de muitos motivos, que variam nos contextos intra e internacionais, tais como: a extensão das capacidades públicas do Estado, ofertando novas políticas e serviços nos quais a burocracia pública tem pouca experiência; a busca por maior eficiência na gestão; a alteração nas concepções que norteiam a administração pública; a incorporação de novos segmentos sociais como beneficiários de políticas públicas; e a expansão do aparato administrativo do Estado.

Gouveia, Nilson e Ferreira (2012) destacam que, em uma discussão ambígua e permeada de resistências, a trajetória das ONGs tem atributos bastante valorizados na gestão social da década passada e do início desta, que são:

 A capacidade de articular múltiplas iniciativas, revitalizando a mobilização social e o engajamento de diversos setores da sociedade civil;

 A capacidade de estabelecer parcerias com o Estado, na gestão de políticas e programas públicos;

 A capacidade de construir redes, constituir fóruns de escuta e vocalização de demandas e introduzi-los na agenda pública.

A partir dessa situação, surgem questionamentos que se intensificam quando problematizamos a diversidade de atuação das ONGs. Eduardo Ballón – presidente da Asociación Latinoamericana de Organizaciones de Promoción (ALOP), membro da ONG peruana DESCO e da rede de articulação Grupo proposta cidadã –, em seminário promovido pela Associação Brasileira de ONGs, apontou a coexistência de vários discursos problemáticos, destacando os três principais:

A diferença entre quem se define como parte de um terceiro setor, não lucrativo e filantrópico, de claro conteúdo neoliberal, e quem se define como parte da sociedade civil, na qual afirma uma identidade específica, baseada na defesa de interesses públicos e no compromisso com a constituição de uma esfera pública ampliada; a diferença entre quem defende o fortalecimento das organizações da sociedade civil e da esfera pública não- estatal e quem adota uma postura privatista, favorável ao processo de redução do Estado; a diferença entre quem acredita que a luta contra a

pobreza deve se feita por meio do fortalecimento da política social como expressão de direitos e quem entende essa luta como assistencialismo e filantropia. (ABONG, 2004, p. 31).

Nesse sentido, Ghanem (2012) explica que, na defesa de um grupo social vulnerável, as ONGs podem ajudá-lo no âmbito da filantropia, do assistencialismo, procedendo de modo a mantê-lo em sua vulnerabilidade, mas também podem criar condições para o fortalecimento do grupo, através da construção da autonomia e da afirmação de seus interesses e suas tomadas de decisões.

Lopez e Abreu (2015) consideram essa nova fase das ONGs – de atuação nas políticas públicas – como uma necessidade de legitimar e qualificar o ciclo das políticas públicas. Para eles, é clara a relevância que os gestores atribuem à atuação das ONGs nos estágios de concepção e formulação dessas políticas.

O Marco de Referência da Educação Popular para as Políticas Públicas27 (2014) aponta que a perspectiva político-metodológica da Educação Popular pode subsidiar a construção de políticas públicas democráticas, participativas e voltadas aos interesses das classes subalternas, nas quais se encontram a maioria da nossa população. Ele indica ainda que:

Está sendo enfrentada dentro do debate do Novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil28, a necessidade de avançar para a superação de entraves colocados à relação e cooperação entre sociedade e movimentos sociais organizados com o Estado brasileiro, superando a criminalização dos movimentos sociais e ONGs e avançando para além do viés proposto pelo pacto federativo, considerando e valorizando as contribuições da sociedade no processo das políticas públicas. (MARCO DE REFERÊNCIA..., 2014).

27 Destaco que o Marco de Referência da Educação Popular para as Políticas Públicas representa um grande

avanço para as ONGs e para as políticas públicas, à medida que reflete a valorização das práticas de Educação Popular que acontecem dentro e fora do Governo Federal, através do reconhecimento da importância dessas experiências no processo histórico brasileiro.

28 O Novo Marco Regulatório para as OSCs consiste na elaboração de um novo conjunto de leis que garanta a

autonomia e dê transparência e segurança jurídica às relações entre as Organizações da Sociedade Civil e o Poder Público. É uma luta de quase trinta anos, levada por mais de 50 mil organizações, movimentos sociais e redes, a fim de ampliar as possibilidades de organização e ação da sociedade civil (Cartilha PL7168-2014). As medidas propostas com relação aos repasses de recursos públicos podem ser encontradas no Anexo A.