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PASSO 10 ENCORAJAR A FORMAÇÃO DE GRUPOS DE APOIO

1.6. As práticas de alimentação para o recém-nascido pré-termo

Se para os recém-nascidos a termo o consenso acerca da importância do aleitamento materno está bem estabelecido há pelo menos duas décadas, este fato é bastante recente quando se trata dos bebês prematuros.

Akré (1989) aponta que tem sido difícil definir tanto os métodos de alimentação do recém-nascido prematuro quanto qual o melhor alimento a ser administrado e que, na realidade, os dois aspectos necessitam ser analisados sempre em conjunto para que se possa estabelecer a melhor alternativa a cada caso individualmente.

Os seguintes aspectos devem ser considerados para se estabelecer o manejo adequado da alimentação para o prematuro: 1. grau de prematuridade; 2. início da alimentação enteral; 3. alimento de escolha; 4. método de alimentação e 5. manutenção da lactação.

Bishop (1994) faz considerações bastante ponderadas sobre o manejo da alimentação do prematuro, que podem servir como um guia para as unidades neonatais. Na realidade, as controvérsias e dificuldades estão relacionadas aos recém-nascidos de muito baixo peso (RNMBP).

O manejo inicial em muitos centros é ditado pela condição clínica do bebê. Com a disponibilidade e aperfeiçoamento da nutrição parenteral prolongada tornou-se mais fácil estabelecer um regime alimentar para o recém-nascido prematuro que leve em consideração suas capacidades e limitações. Entretanto, uma desvantagem do seu uso são as necessidades variáveis de água e a diferente tolerância à glicose dos bebês menores, precisando de mudanças frequentes na solução endovenosa (ROBERTSON & BHATIA, 1993).

Para a maioria dos RNBP, a nutrição parenteral deve ser vista como um apoio de curto prazo, uma vez que seus potenciais efeitos adversos (complicações relacionadas ao cateter, infecções e distúrbios bioquímicos) são mais significantes que com a alimentação enteral (HEIRD e col., 1991). Depois das primeiras 48 horas, o metabolismo frequentemente é estável o suficiente para permitir a introdução de alimentação enteral. Mesmo para os bebês que estão recebendo alimentação endovenosa prolongada, pequenos volumes alimentares (ou "nutrição enteral mínima") podem ajudar a preservar a integridade da estrutura gastro-intestinal e

prevenir a hipotrofia (LUCAS e col., 1986; MORRIS JR, 1991; BISHOP, 1994).

No começo deste século se encorajava a alimentação precoce, dentro das primeiras doze horas após o nascimento, devido à crença generalizada de que estes pequenos bebês não podiam tolerar a fome. Nos anos 40, torna-se rotina retardar a primeira refeição em bebês pequenos ou doentes até o segundo, terceiro dia de vida ou mais. Um dos fatores que levaram a esta mudança de atitude foi a preocupação em prevenir o risco de pneumonia aspirativa, baseado no argumento de que a deglutição nos bebês prematuros era imperfeita. Nos anos 60, a tendência ao uso da alimentação precoce é retomada, a partir de estudos clínicos que alertavam sobre alguns tipos de paralisia cerebral provocados por fome precoce e de que a desnutrição poderia afetar permanentemente o crescimento de vários órgãos, particularmente o cérebro. No início dos anos 70, a prática de se iniciar precocemente a alimentação já está bem estabelecida e, dadas suas vantagens para a manutenção do metabolismo e crescimento normais, a recomendação que persiste até hoje é de que ela deve ser iniciada tão logo o bebê possa tolerar a nutrição enteral com segurança (CONE, 1985; DAVIES, 1991). É consenso entre os cientistas que o leite materno deve ser o alimento de escolha para o recém-nascido prematuro, particularmente com base nas evidências de que o leite fresco não pasteurizado da própria mãe tem efeitos benéficos tanto a curto

quanto a longo prazos (ROBERTSON & BHATIA, 1993; BISHOP, 1994; GUERRINI, 1994).

A fortificação do leite humano tem sido largamente usada nos Estados Unidos. Entretanto, persiste uma preocupação sobre a biodisponibilidade dos nutrientes nestes fortificadores, particularmente dos minerais. Além disso, considerando que o leite humano tem uma composição que varia durante uma mamada individual, assim como com o período da lactação, a adição de uma quantidade fixa de suplementos pode acarretar o excesso de alguns nutrientes e falta de outros. Por outro lado, em princípio, a suplementação do leite humano oferece um meio de melhorar a falha de crescimento a curto prazo e o comprimento final a longo prazo relacionado ao uso do leite humano sozinho (ITABASHI, 1992; BISHOP, 1994). Estudo recente confirma que a fortificação do leite promove ganho de peso mais rápido quando a ingestão de leite humano corresponde a mais de 50% da dieta oferecida. Por outro lado, os pesquisadores não conseguiram mostrar melhora na mineralização óssea e alertam para um possível aumento no risco de enterocolite necrotisante (LUCAS e col., 1996). Do ponto de vista prático, dois importantes requisitos são a necessidade de tecnologia sofisticada e cara e a dificuldade de obter fortificadores que sejam realmente efetivos e seguros. A técnica mais avançada de fortificação consiste em empregar leite humano desidratado ou parte dele. Por enquanto, a suplementação com fortificadores à base de leite de vaca, parece ser uma alternativa aceitável (GUERRINI, 1994; SCHANLER, 1996).

Análise dos dados de 30.000 registros diários, relativos a 932 bebês menores de 1850 g, mostra que no pós-parto precoce bebês alimentados com fórmula apresentam mais vômitos e estase gástrica do que os alimentados com leite humano. Prematuros alimentados com fórmula requerem inicialmente mais nutrição parenteral do que os alimentados com leite humano. Além do mais, uma pequena proporção de RNMBP, nos quais a fórmula especial foi introduzida muito rapidamente, adquiriu calcificações no intestino, apresentando graves constipações e, mais raramente, uma franca obstrução (LUCAS, 1987).

Desta forma, as refeições iniciais dos prematuros devem ser feitas com leite da própria mãe, sempre que possível. O leite humano pasteurizado pode ser usado como uma alternativa quando disponível. O risco de obstrução por coágulo de leite é maior com o uso da fórmula para pré-termo do que com a fórmula padrão. Portanto, é recomendável introduzir a fórmula pré-termo, assim como os fortificadores, somente a partir da alimentação enteral já completamente estabelecida (BISHOP, 1994).

Estudos apontam que prematuros com peso superior a 1500g recebendo leite humano pré-termo não precisam de suplementação; entretanto, recomenda-se que sejam monitorados quanto a crescimento inadequado e desenvolvimento de raquitismo (ROBERTSON & BHATIA, 1993).

Alimentação segura e eficiente requer coordenação entre respiração, sucção e deglutição, envolvendo a interação funcional de lábios, mandíbula, língua, palato, faringe, laringe e esôfago.

No final do século passado, os métodos de alimentação variavam de acordo com as necessidades e capacidades do recém-nascido prematuro. Em 1884, os bebês abaixo de 1500 gramas, por serem muito fracos para sugar, eram geralmente alimentados através de uma espécie de contagotas ou por sonda oro-gástrica acoplada a um funil, sendo introduzida a cada refeição. Um outro método utilizado e logo abandonado por ser perigoso, era uma colher curva especialmente desenhada para se administrar alimento por via nasal. Os defensores da amamentação do início do século XX, recomendavam que para os bebês mais fracos o leite fosse espremido gota-a-gota diretamente do peito da mãe para a boca do bebê (CONE, 1985).

A maioria dos bebês prematuros desenvolve ruídos intestinais nas primeiras 24 horas de vida. Parece prudente esperar o aparecimento de ruídos intestinais, uma vez que são os primeiros sinais clínicos de peristalse. Para os maiores de 1500 g, sem doença pulmonar significante ou necessidade de ventilação assistida, a primeira alimentação pode ser dada dentro das primeiras 24 horas. As vantagens relacionadas à alimentação enteral incluem: estimulação do intestino e desenvolvimento dos hormônios gastro-intestinais, tolerância mais precoce à alimentação enteral total, melhor ganho de peso, menor tempo de nutrição parenteral, menor incidência de

disfunção hepática e prevenção de raquitismo clínico. Para a maioria dos prematuros, pode-se iniciar a alimentação enteral nos primeiros 3 dias, tendo como objetivo atingir a alimentação enteral completa com 2-3 semanas de vida (ROBERTSON & BHATIA, 1993).

Bebês maiores de 33-34 semanas de idade gestacional, com frequência podem sugar logo após o nascimento. E, nesse caso, a alimentação oral é o método de preferência. Entretanto, muitos recém-nascidos prematuros necessitam passar por um período de transição até que suas habilidades motoras permitam sugar. Nesta fase, de duração variável, a alimentação enteral será feita por gavagem.

O tamanho do bebê determina o volume de início da alimentação. O regime alimentar de cada bebê deve ser individualizado e deve-se estar atento aos sinais de intolerância alimentar (distensão abdominal, aumento do resíduo gástrico ou diarréia) e, na sua ocorrência, interromper temporariamente a alimentação ou diminuir seu volume. De maneira geral, bebês com menos de 28 semanas toleram alimentação contínua com pequenos volumes. Como a progressão da alimentação enteral é lenta nos bebês muito pequenos e os episódios de intolerância alimentar são mais frequentes, é comum se utilizar a nutrição parenteral para suplementar a ingestão calórica (ROBERTSON & BHATIA, 1993; BISHOP,1994).

A alimentação gástrica intermitente é o método mais comumente utilizado. Apresenta como vantagens: ser uma técnica muito simples, barata, não necessitando de bomba de infusão. Além disso, induz a liberação cíclica de hormônios enteroinsulares e está associada a maiores concentrações séricas de gastrina, insulina e polipeptídeo inibitório gástrico quando comparada à alimentação contínua. Uma das desvantagens é a distensão gástrica, podendo levar à aspiração. Para bebês maiores de 32 semanas de gestação pode-se instituir a alimentação intermitente, a cada 3 horas, desde o início. As posições prona ou lateral direita facilitam o esvaziamento gástrico (MACAGNO & DEMARINI, 1994).

Os tubos orais são preferidos aos nasais. Há evidências de que tubos nasais afetam adversamente os mecanismos pulmonares. Com o uso de tubos orais parece haver um decréscimo na incidência de apnéia de origem central (ROBERTSON & BHATIA, 1993; MACAGNO & DEMARINI, 1994).

Recentemente, a possibilidade de visualizar eventos intraorais durante a alimentação tem permitido uma melhor compreensão da capacidade de coordenação do bebê prematuro. Estudo com ultrassom conclui que a coordenação dos músculos intrínsecos da língua para produzir movimentos completos rítmicos e de envolvimento parece ser, pelo menos em parte, uma resultante da maturidade gestacional. A coordenação entre sucção e deglutição geralmente está bem estabelecida com 32 semanas. Entretanto, quando se utiliza alimentação com mamadeira, a coordenação entre

sucção e deglutição com a respiração parece ser alcançada de forma consistente somente por bebês com mais de 37 semanas de idade pós-concepcional. Os resultados sugerem que bebês pré- termo são muito menos eficientes quanto a uma alimentação "segura" do que os de termo e realizam mecanismos alternativos para proteger as vias aéreas (BU'LOCK, 1990).

Outro estudo de bebês abaixo de 35 semanas de idade pós- concepcional, pesando menos de 1500g por ocasião do início da alimentação oral, utilizou gravações em vídeo. Os resultados apontam diferenças funcionais importantes durante a alimentação com mamadeira e a amamentação que devem ser levadas em consideração. Quando colocados no peito, os bebês começaram com uma sucção não-nutritiva e depois nutritiva. Em nenhum momento demonstraram sinais de cansaço como taquipnéia, engasgo, alteração da cor ou letargia. A duração das primeiras mamadas variou de 10 a 45 minutos. Registrou-se que a alimentação com mamadeira é mais rápida, demorando de 15-20 minutos. Observação detalhada mostrou que bebês que mamam no peito alternam sequências de sucções nutritivas e não-nutritivas, pausas longas e períodos de interação com a mãe, o que não acontece quando alimentados com mamadeira (MEIER, 1985). Isto explicaria as dificuldades e mecanismos compensatórios observados no estudo com ultrassom. Sabe-se que a retirada de leite do peito depende principalmente de uma atividade do bebê mais do que de mecanismos fisiológicos da mama.

A amamentação é considerada segura para RNMBP, mesmo para aqueles com morbidade associada à prematuridade; a manutenção de uma saturação de oxigênio mais consistente durante amamentação sugere que fisiologicamente ela pode ser menos estressante que alimentação por mamadeira, especialmente em bebês com displasia broncopulmonar (BIER e col., 1993).

A xícara é um método artificial seguro de alimentar bebês prematuros e de baixo peso até que eles sejam fortes e maduros o suficiente para serem completamente amamentados. Estudo realizado em Exeter, Inglaterra, mostra que bebês com 30 semanas de idade pos-concepcional à época da primeira alimentação com xícara apresentam habilidade em coordenar seus movimentos de língua, em deglutir e respirar sem dificuldade. Como o controle de lamber/engolir é dependente do próprio bebê, a respiração é mais fácil de controlar (LANG e col., 1994).

Alguns estudos apontam benefícios da sucção não-nutritiva em recém-nascidos prematuros, tais como acelerar a organização e eficiência do padrão de sucção e melhorar o ganho de peso. Todos estes estudos utilizaram a chupeta como meio para incentivar a sucção não-nutritiva durante a alimentação por gavagem (FIELD e col., 1982; BERNBAUM, 1983). Entretanto, o uso de chupetas não deve ser recomendado porque é bastante provável que seja difícil sua suspensão, além de predispor à infecção e interferir com a amamentação. Com o intuito de estimular a sucção não-nutritiva e, ao mesmo tempo, evitar o uso de bicos artificiais, estudo de

intervenção realizado na Índia testou o método do “peito vazio”, que consistia em oferecer o peito da mãe depois de esvaziamento por ordenha. Os autores concluiram que utilizar o próprio peito da mãe além de estimular a sucção foi positivo para manter a produção de leite e prolongar a amamentação (NARAYANAN e col., 1991).

Encontrar alternativas apropriadas e viáveis a cada local, no sentido de se garantir o início e manutenção da amamentação dos bebês de baixo peso, particularmente os menores de 2000 gramas, parece ser o grande desafio desta década. Muitos fatores impedem o sucesso da amamentação de mães de prematuros. Frequentemente, o parto ocorre antes que a mãe tenha oportunidade de receber orientação pré-natal, muitas vezes ela própria encontra-se fisicamente doente após o parto e se o bebê está impossibilitado de mamar é frequente não receber orientação adequada e oportuna sobre como manter a lactação. As mães de prematuros deveriam ser vistas com um grupo especial, que necessita de maior apoio dos serviços de saúde (BARROS e col., 1986; XAVIER e col., 1991).

Vários estudos têm sido publicados sobre experiências bem sucedidas na utilização de leite humano em bebês prematuros, que incluem o desenvolvimento de bancos de leite humano, técnicas de alimentação como uso de copinhos no lugar de mamadeiras, contato pele-a-pele e maior facilidade para participação da mãe nos cuidados ao recém-nascido no berçário (VERRONEN, 1985; ANDERSON, 1989; MUSOKE, 1990; LANG e col., 1994).

Programas que possam garantir sustentabilidade à amamentação do prematuro devem envolver ampla participação da mãe no processo. Neste sentido, o Programa Mãe Canguru é uma proposta abrangente e reune, hoje em dia, relatos de experiências bem sucedidas tanto em países desenvolvidos quanto em desenvolvimento (WHITELAW & SLEATH, 1985; UNICEF, 1990).