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As Razões Comumente Levantadas em Defesa do

No documento E LEMENTOS PARA UME STUDO DOC ONCEITO DE (páginas 62-66)

2.1 Desconstrução do Princípio da Determinação

2.1.2 As Razões Comumente Levantadas em Defesa do

razões comumente levantadas para se defender o determinismo, ou seja, que todo fato é precisamente determinado pela lei:

1. A primeira das razões é a de que o determinismo é uma verdade auto-

evidente;

2. A segunda de que ele é um pressuposto do conhecimento científico; 3. A terceira razão é a de que o determinismo é provado, ou pelo menos

fortemente demonstrado pela própria observação da natureza.

Para PEIRCE (CP 6.36; 1892), estas razões são falaciosas e insustentáveis.

Cabe ressaltar que, embora conteste o determinismo, Peirce não renega a existência das leis, nem certa regularidade no Cosmos. Pelo contrário, em sua cosmologia, o indeterminado e o determinado co-existem.

Segundo o autor, a questão da auto-evidência não tem nem sustentação histórica, verificando-se que vários filósofos a contestam. Peirce ressalta que inclusive Aristóteles, em sua Física, afirma que um evento pode ocorrer de três modos distintos: (1) pela ação de forças externas, ou pela ação das causas eficientes, (2) em virtude de uma natureza interna, ou influência de uma causa final, e (3) de modo irregular sem causa definida, apenas pelo acaso absoluto6.

Para Peirce, esta ―verdade auto-evidente‖ do determinismo é fruto de uma concepção materialista e necessitarista inaugurada por Demócrito e reforçada pelo

6 Na verdade, Aristóteles não fala em acaso absoluto, mas em acaso acidental. Os gregos não concebiam

algo como o acaso absoluto de Peirce, ou seja, eventos não causados e espontâneos. Para maior detalhamento ver ―As fontes gregas do Tiquismo‖, Cognito-Estudos, vol 6N2.

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estoicismo. O autor aponta, porém, que a conseqüência em aceitarmos esta concepção determinista consiste na supressão da liberdade da nossa vontade.

Quanto ao fato do determinismo constituir um pressuposto da razão científica, Peirce contra argumenta com base em três motivos: 1) que o fato de uma proposição ser postulada não implica necessariamente que ela seja verdadeira, nem mesmo provável; 2) que a idéia de que a ciência seja impossível sem o determinismo é falsa; 3) que o pensamento científico engloba três tipos de raciocínio: abdução, indução e dedução e que os dois primeiros prescindem do determinismo.

Para Peirce, um fenômeno só pode ser compreendido através da abdução. É através deste raciocínio que se inicia o processo cientifico. A indução, por sua vez, tem caráter corretivo.

É necessário indagar como a abdução pode ser justificada, abdução aqui entendida como qualquer modo ou grau de aceitação de uma proposição tida como verdadeira, uma vez que um fato ou alguns fatos tenham sido constatados e cuja ocorrência poderia necessariamente ou provavelmente acontecer no caso da proposição ser verdadeira. A abdução, você irá notar, observa um fato e então professa dizer sobre a idéia7. (CP 5.603)

Enquanto que a abdução está associada à fase da descoberta, a indução tem caráter corretivo.

A verdadeira validade da indução é que se trata de um método de alcançar conclusões que, se persistido por um tempo suficiente, irá asseguradamente corrigir qualquer erro a respeito da experiência futura no qual ela pode temporariamente nos conduzir. Isto não será devido em virtude de qualquer necessidade dedutiva (uma vez que ela nunca usa todos os fatos da experiência, mesmo do passado), mas porque é manifestamente adequada, com a ajuda da abdução e da dedução de sugestões retrodutivas, descobrindo qualquer regularidade que possa haver entre as experiências, enquanto a

absoluta irregularidade não é superada na regularidade por qualquer outra relação da parte para o todo, e é assim facilmente descoberta pela indução em existir onde ela

7 It will be requisite to inquire how an abduction can be justified, here understanding by abduction any

mode or degree of acceptance of a proposition as a truth, because a fact or facts have been The abduction so defined amounts, you will remark, to observing a fact and then professing to say what idea ascertained whose occurrence would necessarily or probably result in case that proposition were true. The abduction so defined amounts, you will remark, to observing a fact and then professing to say what idea.

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exista, e a quantidade de desvios pode ser matematicamente determinável pela observação onde é imperfeita8. (CP 2.769)

CREASE (2006) e JOHNSON (2008), de modo independente, elegeram dez

belos experimentos da ciência. Dentre eles, houve duas coincidências: o estudo de Galileu sobre o movimento dos corpos e a decomposição da luz do sol por Newton decifrando o que é cor. Ambas as experiências exemplificam, de modo claro, a importância da abdução e da indução na descoberta científica. Vamos nos ater ao primeiro experimento.

A partir da observação do movimento da descida de bolas sobre um plano inclinado, Galileu mediu o tempo necessário para atravessar um quarto do percurso, metade do percurso, três quartos e assim por diante. Ele repetiu o experimento diversas vezes com várias inclinações diferentes. As medidas de tempos foram feitas com uma espécie de ampulheta com líquido, ao invés de areia, chamada clepsidra. Apesar de alguns estudiosos questionarem a autenticidade do experimento, foram encontrados cadernos de anotações onde mostram que, por volta de 1604, Galileu descobriu a lei da aceleração.

Em suas anotações, Galileu percebeu que depois de um intervalo de tempo igual, a bola ao descer o plano inclinado e aumentando a sua velocidade, percorre intervalos de distância cada vez maiores, conforme tabela a seguir:

8 The true guarantee of the validity of induction is that it is a method of reaching conclusions which, if it

be persisted in long enough, will assuredly correct any error concerning future experience into which it may temporarily lead us. This it will do not by virtue of any deductive necessity (since it never uses all the facts of experience, even of the past), but because it is manifestly adequate, with the aid of retroduction and of deductions from retroductive suggestions, to discovering any regularity there may be among experiences, while utter irregularity is not surpassed in regularity by any other relation of parts

to whole, and is thus readily discovered by induction to exist where it does exist, and the amount of departure therefrom to be mathematically determinable from observation where it is imperfect.

Tempo (tique) 1 2 3 4 5 6 7 8 Distância Acumulada (ponto) 33 130 298 526 824 1192 1620 2104

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A princípio, nenhum padrão salta aos olhos. A cada tique a bola percorre uma distância maior, mas seguindo qual regra? Galileu começou a brincar com os números. Talvez a velocidade aumentasse de acordo com alguma progressão aritmética. Será que números ímpares alternados: 1, 5, 9, 13, 17, 21...? No segundo tique, a bola teria velocidade 5 vezes maior que no primeiro, percorrendo 5 X 33 ou 165 pontos. Alto demais, mas talvez dentro da margem experimental. A distância percorrida no terceiro tique seria nove vezes maior: 33 X 9 = 287 pontos. Na mosca! E no quarto tique, 13 x 33 = 429. Baixo demais... Drake9 via nas páginas manuscritas os pontos em que Galileu riscava os números para tentar novamente. No primeiro tique, a bola tinha percorrido 33 pontos, depois 130. E se dividíssemos os números? 130 / 33 = 3,9. A distância tinha aumentado quase quatro vezes. Com o terceiro tique, o aumento foi de 298 / 33, pouco mais de nove vezes a distância inicial. Depois 15,9, 25,0, 36,1, 49,1, 63,8. Ele arredondou os números e tomou nota, usando uma tinta diferente, em uma coluna: 4, 9, 16, 25, 36, 49, 64. Ele havia descoberto o segredo: considerando uma pequena margem de erro, a distância percorrida aumentava com o quadrado do tempo. Com uma prancha mais comprida, seria possível prever com segurança que, no próximo tique, o fator seria 81 e depois 100, 121, 144, 169... (JOHNSON: 2008, pg.25).

Fica clara, a partir dessa narrativa, a importância do processo abdutivo para a descoberta da hipótese, ou seja, do padrão que existe. Apenas ela pode explicar a ―brincadeira com os números‖ de Galileu. Da mesma forma, caso o experimento com uma prancha maior não validasse os números seguintes, a hipótese teria que ser refeita. Este é o papel da indução: uma espécie de retorno corretivo para validação ou não da hipótese.

Quanto à terceira questão, da prova via observação da Natureza, Peirce alega que tal fato apenas comprova que existe um elemento de uniformidade na natureza, mas que não necessariamente tal regularidade é exata e universal. Além do mais, Peirce afirma que quanto mais precisa for nossa observação acerca da natureza, mais encontraremos fatos que não estão sujeitos à determinação da lei.

Essas observações que geralmente são invocadas em favor da causalidade mecânica simplesmente provam que há um elemento da regularidade na natureza, mas não se tem qualquer condição de saber se essa regularidade é exata e universal ou não. Em relação a esta exatidão, toda observação opõe-se diretamente a ela; e o máximo que se pode dizer é que uma boa dose desta observação pode ser explicada de outra forma. Tente verificar qualquer lei da natureza, e verá que quanto mais precisas suas observações,

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com mais certeza, elas apresentarão desvios irregulares da lei. Estamos acostumados a atribuí-los, e não digo erradamente, a erros de observação; ainda que geralmente nós não damos conta de tais erros de qualquer forma previamente provável. Rastreie suas causas suficientemente ao longo do tempo e você será forçado a admitir estarem elas sempre relacionadas à determinação arbitrária ou ao acaso10 (CP 6.46; 1892).

IBRI (1992) inclusive comenta que, para Peirce, a irregularidade e a

assimetria estão mais presentes nos fenômenos da Natureza que a própria regularidade. É, prossegue Ibri, uma música nunca ouvida porque sempre ouvida, utilizando para o caso a metáfora pitagórica da música das esferas. Não nos damos conta da irregularidade do mundo porque ela está sempre presente, saturando nossa experiência. Não existem dois abacateiros exatamente iguais, cada um é único, em sua forma, textura e cor. A regularidade não está na categoria da existência, mas, segundo o realismo de Peirce, é expressão da lei que gera uniformidades. Assim sendo, as três razões apontadas por Peirce como comumente defensoras do determinismo: da verdade auto-evidente, do pressuposto do conhecimento científico e da observação da natureza, não se sustentam quando confrontadas com a própria realidade dos fenômenos.

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