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E LEMENTOS PARA UME STUDO DOC ONCEITO DE

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Academic year: 2019

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Mestrado em Filosofia

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HARLES

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EIRCE

Mestrado em Filosofia

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial

para obtenção do Título de Mestre em

Filosofia, sob a orientação do Prof. Dr. Ivo Assad Ibri.

(3)

III

(4)

IV

A

GRADECIMENTOS

Muitas vezes basta ser: colo que acolhe, braço que envolve, palavra que conforta, silêncio que respeita, alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que sacia, amor que promove.

Cora Coralina

AGRADECER é reconhecer que várias pessoas influenciaram meu modo de ser: de pensar, sentir e agir. Este trabalho não seria possível sem a existência das mesmas.

Sou grato ao meu orientador, professor Dr. Ivo Assad Ibri, não só pelo imenso arcabouço intelectual de que dispõe e compartilha gentilmente com seus alunos nas suas aulas e obras, mas por sua firme e entusiasmada forma de orientação, que possibilitou transformar potência em ato.

Agradeço também aos professores Dr. Edélcio Gonçalves de Souza e

Dr. José Renato Salatiel pelas reflexões que em muito contribuíram para corrigir e melhorar este presente trabalho.

Aos meus colegas da Filosofia da PUC, pelas palavras de estímulo e conforto que possibilitaram meu aprendizado e crescimento em um ambiente acolhedor e rico de idéias e sentimentos.

Aos meus amigos e parceiros que a vida me deu de presente, pelos colos, braços, palavras, olhares, silêncios, lágrimas e alegrias.

(5)

V

R

ESUMO

Esta dissertação se propõe a efetuar uma versão para o português do

ensaio ―Causation and Force‖, incluído nas conferências de Peirce proferidas em Cambridge em 1898, bem como oferecer elementos teóricos para sua leitura e compreensão. Para tanto, apresentamos diferentes formas sobre como a questão da causalidade tem sido considerada historicamente, em particular a visão crítica do próprio autor acerca de um mundo determinado. Discutimos as principais questões levantadas por Peirce sobre a desconstrução do determinismo e sua defesa do acaso como princípio ontológico atuante na constituição da realidade.

(6)

VI

A

BSTRACT

This Master‘s thesis aims at translating into Portuguese Peirce‘s essay

Causation and Force, which is part of the Conferences given by him in Cambridge in 1898, as well as to offer some theoretical elements for its reading and understanding. With this in mind, we present different manners on how the issue of causality has been considered historically, particularly Peirce‘s critical view concerning a one

determined world. Herein we also discuss the main questions raised by Peirce regarding the deconstruction of determinism and his defense of chance as an ontological principle operating in the constitution of the reality.

(7)

VII

S

UMÁRIO

I

NTRODUÇÃO ... 02

CAPÍTULO

1

Causação: Visão Histórica ... 06

1.1 Sobre os Conceitos Históricos da Causação ... 06

1.1.1 Causação na Grécia Antiga... 09

1.1.2 Pensamento Medieval ... 16

1.1.3 Revolução Científica ... 18

1.1.4 Causação na Filosofia Moderna ... 20

1.1.4.1 Descartes ... 20

1.1.4.2 Espinosa ... 21

1.1.4.3 Leibniz ... 23

1.1.4.4 David Hume ... 26

1.1.4.5 Kant ... 29

1.1.4.6 Stuart Mill ... 33

1.2 Abordagens Contemporâneas ... 37

1.2.1 Condições Necessárias e Suficientes ... 38

1.2.2 Abordagem Contrafactual ... 41

1.2.3 Abordagem Probabilística ... 43

1.2.4 Abordagem Singularista ... 45

1.2.5 Abordagem Instrumental: causa como meio para atingir um fim ... 47

C

APÍTULO

2

A Visão Crítica de PEIRCE acerca do Mundo Determinado ... 50

2.1 Desconstrução do Princípio da Determinação ... 50

2.1.1 O Conceito de Causação ... 50

2.1.2 As Razões Comumente Levantadas em Defesa do Determinismo ... 54

2.1.3 O Determinismo e as Três Leis de Newton ... 59

2.2 A Defesa do Acaso ... 62

(8)

VIII

CAPÍTULO

3

A Causa Final em PEIRCE ... 73

3.1 A Concepção de Causa Final em Peirce ... 73

3.2 Causa Final e Evolução ... 80

CAPÍTULO

4

Comentando o Texto “Causação e Força” ... 85

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...

95

B

IBLIOGRAFIA ... 98

A

NEXOS... 104

A

nexo 1:Causaçãoe Força ... 105

(9)
(10)

2

I

ntrodução

No Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano, encontramos a seguinte

definição para o termo ―Causalidade‖:

CAUSALIDADE (gr. in. Causality; fr. Causalité; al. Causalität; it. Causalità). Em seu significado mais geral, a conexão entre duas coisas, em virtude da qual a segunda é univocamente previsível a partir da primeira. Historicamente, essa noção assumiu duas formas fundamentais: 1º. A forma de conexão racional, pela qual a causa

é a razão do seu efeito e este, por isso é dedutível dela. Nessa concepção, a ação da

causa é frequentemente descrita como a de uma força que gera ou produz indefectivelmente o efeito. 2º. A forma de uma conexão empírica ou temporal, pela qual o

efeito não é dedutível da causa, mas é previsível com base nela pela constância e uniformidade da relação de sucessão. Essa concepção elimina a idéia de força da relação causal. A ambas essas formas são comuns as noções de previsibilidade unívoca, infalível, do efeito a partir da causa e, portanto, também a de necessidade da relação causal.

Pode-se entender que a primeira concepção de causa traz a noção de um princípio através do qual uma coisa é, ou torna-se, no que é. Neste sentido, Aristóteles1 chega a afirmar que conhecimento e ciência consistem basicamente em dar-se conta das causas e nada mais. Segundo ele, perguntar por uma Causa é perguntar o porquê das coisas. Trata-se, pois, de um princípio de inteligibilidade, de identificar a razão pela qual uma coisa é o que é e não poderia ser diferente do que é. Para Descartes, causa é o que dá razão ao efeito, demonstra ou justifica sua existência e suas determinações. Leibniz2 afirma que ―Nada acontece sem que haja uma causa ou pelo menos uma razão determinante, isto é, algo que possa servir para dar a razão a priori de porque algo existe ao invés de não existir e de porque

1 Física, I, 1 184 a 10.

2 Essais de Théodicée sur La bonté de Dieu, La liberte de l´homme et l‘origine du mal, $ 44, apud

(11)

3 existe deste modo e não de outro‖. Causa é, nesta noção, identificada como uma manifestação da racionalidade do mundo.

Já a segunda noção de Causa, reduz substancialmente o conceito apenas à previsibilidade, sem a questão da dedutibilidade entre causa e seu efeito. Trata-se simplesmente de uma sucessão ou conexão cronológica constante. Não há dedução a priori, mas regularidade (e consequentemente previsibilidade) constatada pela observação da experiência. A conexão entre causa e efeito ocorre pela repetição e uniformidade de acontecimentos similares.

Ambas as noções históricas acerca da causalidade pressupõem uma concepção determinista da Natureza, qual seja, a de um mundo regido por relações estritas de causalidade e que funciona como uma espécie de máquina.

Contrário a esta noção, o ensaio ―Causation and Force‖ de Charles Sanders Peirce reflete uma posição dissonante do seu autor. Insatisfeito com a posição determinista e dualista de mundo, neste trabalho, Peirce questiona os princípios comumente aceitos sobre os princípios da causalidade, notadamente as conseqüências dos princípios da mecânica clássica de Newton. Analisando estes princípios, Peirce contesta e derruba um a um os alicerces sobre as quais estaria, na visão do autor, sustentada a questão da causalidade.

Esta dissertação, além da tradução do ensaio ―Causation and Force‖, tem por objetivo apresentar alguns elementos que auxiliem o leitor a compreender a visão de Peirce sobre o conceito de causalidade. Para tanto, o trabalho está estruturado em quatro capítulos centrais, além da introdução, considerações finais e anexos.

(12)

4

─ O segundo capítulo “A visão crítica de Peirce acerca do mundo

determinado” discorre sobre as limitações desta visão de mundo, insuficiente para explicar o processo evolutivo do universo, bem como sua diversidade e complexidade. Peirce irá defender a hipótese da realidade de um acaso ontológico que o mundo estritamente determinado não comportaria.

─ O capítulo três, “Causa Final em Peirce”, esboça a concepção evolucionista de Peirce acerca do mundo, onde necessidade e acaso atuam simultaneamente na constituição da realidade.

─ O quarto capítulo busca elucidar a leitura do ensaio ―Causation e Force‖, apresentando questões que procuram contribuir para a sua interpretação.

(13)
(14)

6

C

apítulo

1

C

AUSAÇÃO1

: VISÃO HISTÓRICA

1.1

Sobre os Conceitos Históricos da Causação

A filosofia de Peirce fundamenta-se nas categorias formuladas pelo autor, ou seja, em conceitos elementares e universais que reúnem em formas lógicas toda a experiência e diversidade do mundo. Neste sentido, Peirce, ao contrário de outros filósofos2, aponta que a noção de causalidade não pode ser vista de modo restrito, como algo necessário e invariável. Para o autor, esta concepção estreita não se conforma a uma moldura evolucionista de mundo, nem explica a questão do acaso, das coisas acausais.

Peirce foi, em sua época, um dos únicos e, sem dúvida, um dos maiores críticos da noção de causalidade biunívoca, ou seja, da noção de uma causalidade determinista, na qual a relação causa efeito ocorre de forma necessária e imutável.

1 Em CP, Peirce utiliza o termo causation em 120 citações e o termo causality apenas 25 vezes. E, a meu

ver, o termo causality é utilizado pelo autor, quando o mesmo quer reforçar o aspecto de lei, ou seja, o principio da causalidade comumente aceito pela comunidade em geral como, por exemplo, em: ―But, it

will be said, you forget the laws which are known to us a priori, the axioms of geometry, the principles of logic, the maxims of causality, and the like. Those are absolutely certain, without exception and exact. To this I reply that it seems to me there is the most positive historic proof that innate truths are particularly uncertain and mixed up with error, and therefore a fortiori not without exception. This historical proof is, of course, not infallible; but it is very strong. Therefore, I ask how do you know that a priori truth is certain, exceptionless, and exact? You cannot know it by reasoning. For that would be subject to uncertainty and inexactitude. Then, it must amount to this that you know it a priori; that is, you take a priori judgments at their own valuation, without criticism or credentials. That is barring the

gate of inquiry‖ (CP 1.144).

De forma análoga, no ―Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia‖ de André Lalande, encontramos o

termo Causação (causation) como ―ação de causar‖; e Causalidade (causality) como ―qualidade de causa;

relação atual entre causa e efeito‖. Assim sendo, preferimos adotar o termo ―causação‖ ao invés de causalidade não só em respeito ao termo original ―Causation e Force‖, mas também para desassociá-lo do princípio da causa e efeito como algo necessário e invariável.

(15)

7 Dentre vários argumentos que o autor utiliza para defender sua visão – das quais detalharemos neste trabalho – Peirce aponta que a própria concepção de causa varia em função dos diferentes momentos históricos da cultura científica.

Aqueles que fazem da causalidade um dos elementos originais no universo ou uma das

categorias fundamentais do pensamento - grupo ao qual você logo descobrirá ao qual não pertenço - têm que explicar um fato muito estranho, qual seja, que as concepções humanas sobre uma Causa são, em diferentes estágios da cultura científica, inteiramente diferentes e inconsistentes. O grande princípio da causação, que dizem, é absolutamente impossível de descrer, foi uma proposição em um período da história e algo inteiramente disparatado em outro, e segue sendo uma terceira para o físico moderno. A única coisa que permaneceu sobre a questão, para usar a expressão do meu amigo Carus, uma ktéma ex aei,3semper eadem,4 foi seu nome. (CP 6.66)

Desta forma, a contribuição de Peirce para a teoria da causalidade pode ser considerada original na medida em que ele rejeita o determinismo e concebe que existem, na natureza, fatos não causados e espontâneos, ou seja, que o acaso é ontológico e opera na realidade.

Ao analisar a obra de Peirce, podemos encontrar uma correspondência entre a teoria da causalidade e a sua fenomenologia, ou seja, com as suas categorias da experiência. Segundo IBRI (1992), Peirce, ao inventariar as classes de experiência do cotidiano, distingue tipos de três categorias: primeiridade, segundidade e terceiridade.

A primeiridade está associada com nossa capacidade de simplesmente ―ver‖

a experiência do cotidiano, sem a noção de alteridade ou determinação. Primeiro é aquilo que é livre e não determinado. É o que é sem referência ou relação com outra coisa. Trata-se de mera potencialidade, de indeterminação e vagueza. Dentre os elementos constitutivos de uma idéia, refere-se à sua qualidade intrínseca de sentimento, que não pode ser explicado nem nominado. É um estado de consciência, presente em todo momento de tempo, enquanto dure.

(16)

8 Já a segundidade traz a noção de alteridade, da noção de ―um outro‖ que

opõe e resiste. Trata-se de algo que permanece, a despeito da nossa vontade. Ela

está associada a nossa capacidade de ―atentar para‖ a experiência de natureza

específica, ou seja, o fato duro. É uma experiência bruta, que reage contra nós aqui e agora. A segundidade é factual, força bruta e irracional, independente de qualquer regularidade. Dentre os elementos constituintes da idéia, é aquilo que afeta outra idéia. Gera no outro uma oposição, tem caráter de negação, de não-ego.

A terceiridade está associada à faculdade de ―generalizar‖ nossa

experiência. Trata-se da categoria do pensamento, em conformidade com um geral. Neste sentido, a realidade é um processo de representações sucessivas do objeto e, portanto, sujeito a erros. Cabe notar que, para que a realidade possa ser representada, ela necessita ser ordenada, ou seja, ter um padrão capaz de ser reconhecido e interpretado. É a instância da generalização a partir da factualidade da segundidade. É a tendência de uma idéia trazer outras idéias consigo, de estabelecer idéias mais gerais através da associação com outras idéias.

Estas três categorias estão respectivamente associadas às experiências de qualidade, reação e pensamento. A Primeiridade é a pura presentidade dos

fenômenos, ―tal como é‖; Segundidade é luta e resistência que opõe; Terceiridade é

mediação, relações reais entre as outras categorias. Para Peirce estas três categorias são onidifusas e estão presentes em tudo o que sejamos capazes de pensar.

Entretanto, estas categorias não são apenas fenomenológicas, mas também ontológicas. Assim, quando falamos de causalidade, não estamos apenas buscando associações entre esta noção e os aspectos da Fenomenologia de Peirce, mas procuramos encontrar o lugar que a questão da causalidade ocupa em sua Metafísica. É na Cosmologia5 de Peirce que encontraremos o fundamento ontológico das categorias.

(17)

9 Como veremos mais adiante nesta tese, as três categorias de Peirce podem ser correlacionadas, na Metafísica, com a questão da causalidade, a saber:

▪ Primeiridade: corresponde a relações acausais, espontâneas, fruto do acaso, do não determinado;

▪ Segundidade: corresponde à causa eficiente de Aristóteles, força bruta e irracional, dual, associada à relação causa e efeito;

▪ Terceiridade: corresponde à causa final, mediada.

Antes, porém, de adentrarmos na teoria da causalidade de Peirce, apresentaremos, sem evidentemente a pretensão de esgotar o assunto, diferentes formas sobre como a questão da causalidade tem sido considerada historicamente e, como afirma Peirce, evidenciaremos que não existe um consenso sobre tal conceito.

1.1.1 Causação na Grécia Antiga

Os filósofos jônicos adotavam o conceito de causa como sendo a concepção

sobre ―do que as coisas são feitas‖. Trata-se, neste caso, de uma causa material. O interesse da escola jônica era reconhecer, dentre as aparências múltiplas e mutáveis, a unidade que faz da Natureza um mundo: a substância única que constitui o ser e que regula seu devir. A substância é o principio do ser e do devir. Ela é matéria,

mas também força. Ela é principio, não apenas para explicar ―do que as coisas são feitas‖, mas, sobretudo, para tornar o mundo inteligível e reconduzir a aparência à

(18)

10 Segundo HULSWIT (2002), foi Empédocles o primeiro que explicitou a noção de causa eficiente ao propor uma teoria onde os elementos terra, água, fogo e ar eram unidos ou separados pelo Amor e Ódio.

Para Empédocles, os quatro elementos são originários e qualitativamente imutáveis e são capazes de unirem-se e separarem-se espacial e mecanicamente. As forças cósmicas do Amor ou da Amizade (philía) e do Ódio ou Discórdia (neîkos) são, respectivamente, responsáveis pela união e separação dos elementos. O Cosmos nasce, conseqüentemente, deste jogo de forças entre Amor e Ódio. Cabe ressaltar que, para que o Cosmos exista, não pode haver predomínio de nenhuma das duas forças, uma vez que se o Amor prevalece absolutamente, os elementos se reúnem e formam o Esfero (Uno) e, se o Ódio prevalece, os elementos ficam completamente separados e não há Mundo.

No Timeu de Platão, a noção de causa como algo que provoca uma transformação é reforçada:

...tudo o que é sensível e pode ser apreendido pela opinião com a ajuda da sensação, está sujeito ao devir e ao nascimento. Afirmamos, ainda, que tudo o que devém só nasce por efeito de alguma causa (Timeu, 28a).

Cabe contextualizar que, ao falar de causa, Platão refere-se ao mundo sensível (visível, tocável e dotado de corpo), sujeita ao devir e imagem ou cópia do mundo das idéias. Ou seja, é justamente a característica do devir que implica a necessidade de uma causa. Através da mediação entre os dois mundos, o Demiurgo é a causa eficiente deste universo. É seu pai e autor que produz o universo, contemplando o modelo e transferindo para a cópia as virtudes desse modelo. Desta forma, o Demiurgo de Platão contempla e produz. Possui, portanto, uma inteligência (nous) que vê e uma atividade prática e artesanal que cria.

(19)

11 vejamos os objetos de modo claro, Platão ressalta a importância do bem para o saber e a verdade.

Fica sabendo que o que transmite a verdade aos objetos cognoscíveis e dá ao sujeito que conhece esse poder (de exercer a faculdade do saber), é a idéia do bem. Entende que ela é a causa do saber e da verdade, na medida em que esta é conhecida, mas sendo ambos assim belos, o saber e a verdade, terás razão em pensar que há algo de mais belo ainda do que eles. E, tal como se pode pensar corretamente que neste mundo a luz e a vista são semelhantes ao Sol, mas já não é certo tomá-las pelo Sol, da mesma maneira, no outro, é correto considerar a ciência e a verdade, ambas elas, semelhantes ao bem, não está certo tomá-las, a uma ou a outra, pelo bem, mas sim formar um conceito ainda mais elevado do que seja o bem. (República, 509a)

O Sol, no mundo visível, está associado à idéia do Bem no mundo inteligível, assim como, a Luz está associada à Verdade e a faculdade da visão está associada à faculdade da razão. O Sol é o ―filho do bem‖, gerado à sua semelhança.

Portanto, o Sol proporciona às coisas visíveis não só a capacidade de serem vistas, mas também a sua origem, crescimento e sustentação. Da mesma forma, podemos dizer sobre a idéia do Bem:

...para os objetos do conhecimento, dirás que não só a possibilidade de serem conhecidos lhes é propiciada pelo bem, como também é por ele que o Ser e a essência lhes são adicionados, apesar de o bem não ser uma essência, mas estar acima e para além da essência, pela sua dignidade e poder. (Ibidem)

O Bem é, na visão de Platão, principio do conhecimento e verdade, causa de movimento, telos final e fundamento da essência.

Para Aristóteles, causa é um princípio ou pré-requisito (aitiai), seja do movimento, da natureza ou mesmo da existência do Ser. Como principio, ele pode ser entendido em quatro sentidos distintos e complementares entre si: material, formal, causa eficiente e causa final.

A causa material tem o sentido ―aquilo a partir do qual‖6 se origina algo que permanece. Assim, o bronze é a causa material da estátua e a semente a causa material de uma árvore. Matéria (hylé) é tudo aquilo que se deixa determinar. Sua

(20)

12 origem, em grego, está relacionada com as florestas de onde é retirada a madeira para a construção de embarcações. A matéria, neste sentido, é pura disponibilidade e, por si mesma, indeterminada e caótica. É a matéria que possibilita a desordem, os acidentes e o acaso. A causa formal está associada à forma e ao modelo. Ou seja, a definição da essência. A forma (morfé ou eidos) é o que determina a matéria. É o que permite definir o que o ser é, sua natureza. A forma é um conceito, uma idéia. A forma confere unidade e inteligibilidade à matéria. Ela é a mesma para todos os indivíduos de uma mesma espécie, mas em outro sentido, é também diferente para cada ser, uma vez que cada ser tem uma forma específica. Sócrates é, antes de tudo, homem. Mas, em outro sentido, só Sócrates é Sócrates.

As duas outras causas estão relacionadas com o movimento do ser. A causa eficiente, ou motor (kínoun), é o principio de onde parte o movimento de um ser. É

aquilo de onde surge‖ o começo original da mudança ou do repouso. Neste sentido, o pai é a causa do filho. A causa final define a orientação, a ordem que rege o movimento em direção a um fim. É ―aquilo para o qual‖ fazemos algo. A saúde é causa do porque caminhamos. Neste sentido, o ser, desde sua origem, já traz em si seu termo (telos, em grego, ―fim‖), a existência é um processo de realização deste

fim. Em síntese, a matéria está ligada à existência do ser, a forma à sua natureza, a causa eficiente ao que age no passado e a causa final ao que age em relação ao tempo futuro.

(21)

13 Uma questão levantada sobre a noção de causa eficiente em Aristóteles diz respeito ao conceito de necessidade. Se por um lado, Aristóteles defendeu a idéia de que dado certo efeito, necessariamente algo o causou, ele não inferiu que dadas certas condições específicas, o efeito seria necessariamente o mesmo. Um filho necessariamente é fruto de um pai, mas reproduzidas as mesmas condições nas quais um filho foi gerado, não implica o nascimento de outro filho igual. Entretanto, como a causa eficiente envolve a noção de transmissão de uma forma, de uma maneira, ela define e limita o efeito. De um homem, nasce outro homem, não um cachorro.

Cabe ressaltar que o termo usual usado para a causação, como algo que produz outro algo distinto de si e precede ao efeito, refere-se apenas ao que Aristóteles chamou de causa eficiente. É a causa eficiente, a fonte primaria (e limitadora) da mudança.

(22)

14 mudança de temperatura, mas a mudança de temperatura não implica necessariamente que vai chover.

Outro erro apontado por Peirce é a tentativa de reduzir as quatro causas de Aristóteles a apenas uma, dizendo tratar-se apenas de meras distinções verbais. Na visão de Peirce, os quatro tipos distintos de causas de Aristóteles parecem marcar diferentes tipos de fatos inferidos retrodutivamente, isto é, da experiência para a hipótese. A idéia peirceana, radicalmente realista, é que a Natureza silogiza a partir de uma premissa principal maior, onde as causas são diferentes premissas menores do desenvolvimento silogístico. Como na lógica aristotélica, premissas distintas, levam a efeitos distintos.

O próprio Aristóteles, como eu não preciso lembrá-lo, reconhece quatro tipos distintos de causas, que determinam um fato: a matéria à qual ele deve sua existência, a forma à qual ele deve sua natureza, a causa eficiente que age sobre ele desde o tempo passado,

e a causa final que age sobre ele em direção ao tempo futuro. Ah, mas como dizem

comumente, essas são meramente distinções verbais. Isto, para minha preocupação, é uma daquelas explicações superficiais que aceitamos sem refletir até que outros as examinem melhor, e servem, como o memorando do banqueiro elegante, pour donner le change7 o incauto. Elas parecem a mim marcar diferentes tipos de fatos inferidos

retrodutivamente -- fatos que, supunha-se, forneciam ao processo universal da Natureza as ocasiões pelas quais diferentes características do fato eram atribuídas. A concepção é que a Natureza silogiza a partir de uma premissa principal maior, e as causas são as diferentes premissas menores do desenvolvimento silogístico da Natureza. Geralmente se sustenta que a palavra "causa" foi simplesmente estreitada àquela das quatro causas aristotélicas que foi designada a partir da circunstância de que ela, por si só, produz um

efeito8. (CP 6.66)

Na linha do tempo, após Aristóteles, a contribuição de maior impacto à questão da causalidade foi dada pelos estóicos. Estes definitivamente associaram o conceito de causalidade com regularidade e necessidade. De acordo com HULSWIT (2002), as principais teses desta escola são:

1. O mundo é regido pelo destino. Dotado de Razão, o mundo estóico é um sistema de partes que interagem entre si para o benefício do todo;

7 ―só para enganar‖.

8

(23)

15

2. Nada acontece sem uma causa. Para que o mundo estóico seja ordenado pelo destino, nada pode ser obra do acaso, sempre deve haver uma causa antecedente;

3. Causação envolve regularidade, sem exceção;

4. Causação envolve necessidade, ou seja, o mesmo efeito sempre ocorrerá nas mesmas circunstâncias e não de outra forma. O acaso e a possibilidade são aspectos apenas da nossa ignorância sobre a relação causal;

5. Há uma fundamental distinção entre causas internas e externas. De acordo com Crisipo, somos resultado de duas causas que agem sobre nós: uma causa externa, auxiliar e aproximada e uma causa interna, principal e perfeita. De acordo com o mesmo, quando um corpo rola sobre um plano inclinado, ele desce em decorrência de uma força externa que o impele para baixo, bem como um percurso específico em decorrência da sua forma;

6. Da mesma forma, cada ser humano age em resposta a uma causa externa (destino) e uma interna (natureza da pessoa em si).

Os Estóicos substituem as quatro causas de Aristóteles por dois princípios: o principio ativo (poioún) e o principio passivo (páschon). Ambos são materiais e inseparáveis um do outro. O princípio passivo é a matéria, substância privada de qualidade, e o princípio ativo é a Razão (Deus) que, agindo sobre a matéria inerte, produz os seres singulares. É o principio ativo que produz as determinações sobre o principio passivo. Segundo o estoicismo, a razão e causa de tudo é Deus.

(24)

16 perfeita e necessária que governa as coisas. Esta ordem é a Natureza e o próprio Deus. Para o estoicismo, herdeiro das reflexões sobre a Natureza na Grécia Arcaica e clássica, Deus, Natureza e Logos se confundem. Ser virtuoso é cumprir a determinação da natureza e cumpri-la é seguir a ordem divina.

A Grécia arcaica das fratrias conotou nômos (lei) como repartição. É a divina Moira que

distribui não só o quinhão a cada um, desde o nascimento, mas as esferas da vivência de deuses e homens, das quais nada foge. Essa é a lei. O que se deve cumprir com determinação indelével – o quinhão, a parte que lhe cabe – está aderido ao modo de constituição de cada ser. Assim, Ser e Agir cumprem-se na destinação... Em ultima instância, tudo se forma e se conforma por meio de rígida norma que garante a ordenação do Todo, ordem mantida pelas Moírai e por todas as divindades guardiãs dos

limites, elas mesmas cumprindo suas atribuições „destinais‟ em função de seu próprio ser. (GAZOLLA: 1999, pg. 26 e 27)

Desta forma, para os estóicos, é a Natureza quem determina o que somos e a virtude é agir como somos, seguindo-a.

1.1.2 Pensamento Medieval

A questão da causalidade em Tomás de Aquino, um dos mais significativos representantes deste período, pode ser compreendida a partir da análise, contida na Suma Teológica, da sua conhecida cinco vias para provar a existência de Deus.

A primeira via, ou do movimento, parte do princípio de que tudo o que se move é movido por outro e, numa regressão ao infinito, é necessário admitir um primium movens que não é movido por nada: Deus. Cabe ressaltar que movimento aqui é entendido como levar uma coisa de potência a ato. E uma coisa não pode conduzir algo de potência a ato, a não ser que já esteja em ato. O fogo não pode aquecer algo, a não ser que já esteja quente.

(25)

17 demais, secundárias. A causa primária, de natureza transcendental, é de ordem ontológica, sem a qual nada existe. Diferentemente do conceito de Aristóteles, na qual a causa eficiente é responsável pela mudança ou transformação através da transmissão da forma, a causa eficiente primária de Aquino produz matéria e forma

através de um ato criativo. A causa primária, Deus, ―é‖ em si e todas as demais coisas são via participação.

A terceira via, ou da contingência, parte do principio de que todas as coisas são contingentes, ou seja, podem vir a não ser. Portanto, em dado momento, nada existiria. Se isto for verdade, nada existiria ainda, por que o que não existe não pode começar a existir de algo que também não existe. Deve haver algo que não seja contingente, algo da natureza do necessário: Deus.

A quarta via, dos graus de perfeição, está relacionada à constatação

empírica de que somos ―mais ou menos algo‖, ou seja, o ser é participado e

expresso diversamente. Quanto mais um ente tiver do ser, mais uno verdadeiro e bom ele é. Ora, só podemos graduar e comparar em relação a um Absoluto, que possui o ser de modo absoluto, que dá sem receber, que permite a participação sem ser partícipe, que é fonte de tudo que existe: Deus.

A quinta via, ou do finalismo, parte da constatação de que os corpos físicos operam para um fim e, assim o fazem, porque dirigidos por um ser inteligente e ordenador supremo: Deus. Aquino constata que mesmo as coisas que carecem de conhecimento agem sempre, ou quase sempre, do mesmo modo, para obter a perfeição. Agem, portanto, em função de um fim. Aquilo que não tem inteligência só tende a um fim se for dirigida, como a flecha lançada pelo arqueiro, por um ente dotado de inteligência.

(26)

18 Para Aquino, a causa final acarreta dois tipos distintos de necessidade: uma associada à questão da relação causa-efeito e outra denominada necessidade condicional. A relação causa-efeito age de uma forma distinta nas coisas ditas naturais e nas voluntárias. Para ele, as coisas naturais tendem a um fim de acordo com a sua forma. Neste caso, a necessidade é absoluta, uma vez que é completamente determinada pela sua forma. Ao contrário, nas coisas voluntárias vemos uma necessidade relativa, uma vez que o fim ou causa final não determina

necessariamente o modo como o fim será atingido. Neste caso, se determina ―o que‖, mas não o ―como‖. Observe-se, também que a necessidade condicional não é absoluta, mas do tipo relacional (se e somente se), na qual o efeito depende da existência da causa. A vida só é possível, se e somente se, houver ar. Neste caso, porém, o efeito não é dedutível através da causa.

1.1.3 Revolução Científica

O ano de 1543, na qual foi publicado o De revolutionibus de Nicolau Copérnico, até o ano de 1687, na qual foi publicado o Philosophiae naturalis principia mathematica de Isaac Newton, demarcam um período conhecido por

―revolução científica‖. Este período é caracterizado pela mudança nas idéias sobre a

imagem do universo, sobre a ciência e, conseqüentemente, sobre a distinção entre o saber científico e a fé religiosa.

Copérnico, ao propor sua tese heliocêntrica, muda a imagem do mundo e do homem, reafirmando o papel da Ciência no saber. O conhecimento não é mais fruto do discurso metafísico predominante no período Medieval, mas investigação sobre o mundo da natureza. O discurso se qualifica como tal com base em demonstrações sensatas e demonstrações necessárias. É através da experiência, e não do dogma da Fé, que se obtêm as ―proposições verdadeiras‖ sobre o mundo.

(27)

19 garante a autonomia da Ciência em relação à Fé. Não se trata mais de vontade divina ou cosmologia contida na Bíblia sagrada, mas descrição do mundo com base no método.

O método também desloca o foco da ciência do ―saber das essências‖,

segundo a tradição aristotélica, para o saber dos acontecimentos de modo objetivo.

Não estamos mais falando do ―o que‖ são as coisas, mas ―como‖ elas são.

Esse novo tipo de douto gerado pela revolução científica, precisamente, não é mais o mago ou o astrólogo possuidor de um saber privado ou de iniciados, nem o professor universitário comentador e intérprete dos textos passados, e sim o cientista autor de nova forma de saber, público, controlável e progressivo, isto é, de uma forma de saber que, para ser validado, necessita de contínuo controle da práxis, da experiência. A revolução científica cria o cientista experimental moderno, cuja experiência é o experimento, tornado sempre mais rigoroso por novos instrumentos de medida, cada vez mais precisos. (REALE & ANTISERI: 2003, v.3, pg. 147)

Um dos maiores expoentes deste período foi Galileu Galilei. Através da observação via telescópio, dentre outras coisas, Galileu descobriu os satélites de Júpiter, descobriu os anéis de saturno e reconheceu as manchas solares. Esta última observação, aliás, constituiu, como o próprio Galileu comentou, o funeral da ciência aristotélica, uma vez que desmentia a perfeição do Sol e do mundo criado por Deus.

Uma das mais importantes contribuições de Galileu foi a sistematização do método científico. Segundo o mesmo, três seriam os principais princípios deste método: a necessidade da observação dos fenômenos tais como ocorrem, sem a influência de preconceitos, seja de natureza religiosa ou filosófica; o uso da experimentação para legitimação da verdade; e o estabelecimento de que o correto conhecimento da natureza exige uma regularidade matemática.

(28)

20

1.1.4 Causação na Filosofia Moderna

De acordo com MORFINO (2009), uma das questões centrais da filosofia Moderna é o embate entre necessidade e contingência. Ou o mundo é visto como algo que segue as leis da natureza, onde não há liberdade, ou a causalidade não pode ser vista com a única lei da qual derivam os fenômenos do mundo. Neste caso, como afirma KANT (2001) nas antinomias da Crítica da Razão Pura, deve-se admitir uma causalidade mediante liberdade. Evidentemente, vários são os autores que discorrem e defendem cada um dos lados da moeda. Esta síntese abordará alguns dos representantes mais significativos das duas correntes, sem pretender esgotar a lista.

1.1.4.1 Descartes

A visão de mundo daquele que é considerado ―fundador da filosofia moderna‖ é a de um mundo mecanicista. Descartes, ao contrário do pensamento

medieval, propõe um mundo corpóreo composto por partículas em movimento. Matéria é apenas extensão e o mundo obedece a princípios mecânicos. Só há uma substância material, que recebe seu poder de movimento através de um agente externo e, devido ao movimento, adquire suas formas e figuras. Assim, todas as formas e propriedades que percebemos no mundo são decorrentes do movimento da matéria. Para Descartes, ao contrário de Aristóteles, não há necessidade de recorrer a noções como qualidades e formas substanciais.

(29)

21 Pelo que foi dito, compreende-se que a última e mais próxima causa das paixões da alma é tão somente a agitação com que os espíritos movem a pequena glândula que existe no meio do cérebro. Mas isso não basta para poder distingui-las uma das outras: é necessário procurar suas origens e examinar suas primeiras causas. Ora, ainda que às vezes elas possam ser causadas pela ação da alma, que se decide a conceber estes ou aqueles objetos, e também pelo simples temperamento do corpo, ou pelas impressões que se encontram fortuitivamente no cérebro, como acontece quando nos sentimos tristes ou alegres sem poder mencionar algum motivo disso, no entanto, pelo que foi dito vê-se que todas as mesmas paixões podem também ser excitadas por objetos que movem os sentidos, e que esses objetos são suas causas mais comuns e principais. Segue-se daí que, para encontrá-las todas, basta considerar todos os efeitos desses objetos. (DESCARTES: 2005, pg. 67)

Esta visão mecanicista, entretanto, não elimina Deus. Ao contrário, Ele é a causa primeira do movimento. Descartes afirma explicitamente que nós não somos causa de nós mesmos, mas somos causados por Deus. É Ele a causa geral do movimento de todas as coisas, a causa eficiente de tudo. Ele criou a matéria, seu movimento e o resto e as mantém constantes em quantidade. Descartes também considera que as causas particulares, que explicam, por exemplo, como um objeto parado começa a se movimentar, são devidas à Deus. Ele faz isso de acordo com as leis da natureza (leis do movimento). Causa secundária para Descartes, portanto, é um tipo de lei regido, em última instância, por Deus.

1.1.4.2 Espinosa

A visão racionalista de mundo de Espinosa foi influenciada por Descartes. Contrariamente, porém, Espinosa não faz uma distinção entre mente e matéria. Sua visão é a de uma substância única, absoluta que existe em si e por si mesma, que pode ser concebida em si e por si mesma e sem a qual nada existe ou pode ser concebido. A substância é potência absoluta de produção de si e de todas as outras coisas. Nesta substância, ser, existir e agir coincidem. O universo inteiro é constituído por esta substância: Deus.

(30)

22 Descartes mente e matéria são duas substâncias distintas, em Espinosa, eles são atributos, formas de expressão, de uma mesma substância.

Há, para Espinosa, duas maneiras distintas de existir: a existência em si e por si (da substância e seus atributos) e a existência em outro e por outro (dos efeitos da substância). A esta segunda existência dá-se o nome de modos da substância. Corpo e alma são modos, ou efeitos, da substância. O que explica a passagem da substância absoluta e infinita para seus modos finitos é o fato da essência da substância ser uma potência. Como potência, a substância é um ser único, que se expressa de diversas formas, infinitamente diferenciada e contínua, capaz de produzir em si uma infinidade de coisas naturais finitas (seus modos).

Uma grande diferença entre Descartes e Espinosa diz respeito a esta questão de modo (ou efeito). Enquanto que, para Descartes, Deus é a causa eficiente e transitiva de tudo, para Espinosa, Deus é causa imanente das coisas, ou seja, não é uma causa que se separa do seu efeito após produzi-lo, mas é uma causa que se exprime nos efeitos e eles O exprimem. Há uma unidade, não uma separação.

Além disso, para Espinosa, a manifestação destes atributos ocorre segundo uma ordem necessária que rege todos os seres do universo. Desta forma, tudo o que existe possui uma causa imanente necessária e determinada para ser o que é.

(Para Espinosa) tudo o que existe possui causa determinada e necessária para existir e ser tal como é: é da essência dos atributos causar necessariamente as essências e potências de todos os modos; é da essência dos modos infinitos encadear as séries causais das idéias e de corpos que dão existência aos modos finitos. Não há contingência no universo. Tudo o que existe, existe pela essência e potência necessárias dos atributos e modos de Deus. (CHAUI: 1995, pg. 48)

(31)

23 finitos são expressões certas e determinadas da potência de Deus, condicionadas por um nexo de causas necessárias, sem objetivo específico.

Esta ontologia do necessário, entretanto, não elimina a liberdade. Necessidade e liberdade não são idéias opostas, mas concordantes e complementares. Liberdade é a manifestação espontânea e necessária da própria potência interna da essência da substância (Deus) e da potência interna da essência dos modos finitos (homens). Ser livre é seguir a essência, de modo que ser, existir e agir coincidam. Como afirma Espinosa na Ética: ―Diz-se livre o que existe exclusivamente pela necessidade da sua natureza e por si só é determinado a agir; e dir-se-á necessário, ou mais propriamente, coagido, o que é determinado por outra coisa a existir e a operar de certa e determinada maneira (ratione)9‖. Não há escolha voluntária ou contingente, mas um agir em sintonia consigo mesmo. A servidão ocorre quando, enfraquecidos, nos submetemos a forças externas incompatíveis com nossa essência. Uma analogia atual da concepção de liberdade de Espinosa seria o vício. Fumar ou consumir bebida alcoólica não é livre arbítrio, pelo contrário, trata-se de uma dependência química ou psicológica que afeta negativamente a essência da nossa potência. Ser livre é manter mente e corpo sãos, não por que esta seja uma finalidade do ser humano, mas porque é da sua própria natureza viver bem.

1.1.4.3 Leibniz

Como vimos, na visão racionalista de Descartes e Espinosa, não há espaço

para o conceito de ―fim‖ ou ―causa final‖ nem para a substância entendida como ―forma substancial‖. Leibniz resgata estes conceitos, fazendo uma mediação entre a

visão antiga e a revolução científica de Bacon e Descartes. Para tanto, ele propõe uma distinção entre filosofia e ciência. Enquanto a filosofia indaga sobre os princípios universais por meio das formas substanciais e perspectiva finalista

(32)

24 global, a ciência encarrega-se do fenômeno específico, em seu aspecto material e mecanicista.

Esta distinção entre o âmbito filosófico e científico não ocorre de maneira simples, como uma mera separação, mas envolve uma revisão nos próprios fundamentos que sustentavam o mecanicismo. Para Leibniz, o mundo corpóreo não pode ser apenas extensão e movimento. Isto, não explicaria, por exemplo, a resistência dos corpos (inércia) ao movimento e a necessidade de uma força para colocá-la em movimento. Leibniz aponta que Descartes erra ao afirmar que a quantidade de movimento é constante. Para ele, o que, de fato, é constante é uma energia cinética, ou uma ―força viva‖ (como ele chamava). Trata-se de uma mudança significativa na física mecânica: do movimento (mv= massa x velocidade) para força ou energia (mv²= massa x velocidade ao quadrado). Esta constatação física implica a afirmação de que os elementos constitutivos da realidade estão além do tempo, espaço e movimento, mas apresentam um conceito de força, de domínio metafísico.

Para Leibniz extensão, que é multiplicidade, supõe unidade e movimento supõe ação (força). Há, portanto, nos corpos unidade e atividade. Leibniz concebe substância como uma enteléquia ou mônada. A mônada é a realidade fundamental, a substância individual, simples, sem extensão e principio da atividade. Cada mônada é una e inteligível, capaz de ação. A mônada é uma substância simples enquanto tem em si a sua própria determinação e perfeição essencial, ou seja, autonomia e finalidade. São duas as atividades fundamentais de uma mônada: 1) percepção ou representação e 2) apetição ou tendência a sucessivas percepções (volição em direção a causa final). Cabe ressaltar que percepção não significa consciência e entendimento. Leibniz faz uma distinção entre o simples perceber e perceber consciente, chamado por ele de apercepção. Todas mônadas percebem, mas nem todas apercebem. Isto depende do seu grau de perfeição.

(33)

25 tem com as demais, ou seja, ―cada mônada representa todo o universo10. Cada mônada contém tudo, em graus distintos de percepções e sob diversos ângulos. Apesar de tudo conter tudo, cada mônada é única, diversa de todas as outras. Não existem, no universo, duas coisas iguais.

Toda substância é como um mundo completo ou como um espelho de Deus ou do universo inteiro que cada uma expressa à sua maneira, mais ou menos como uma mesma cidade é representada de maneira variada dependendo das diferentes posições das quais é vista. Assim o universo é, de certa forma, multiplicado por tantas quantas representações inteiramente diferentes do seu trabalho [de Deus]. Pode-se mesmo dizer que cada substância carrega de certa forma o caráter da sabedoria e onipotência infinitas de Deus e o imita tanto quanto pode. Por expressar, ainda que confusamente, tudo o que acontece no universo, seja passado, presente ou futuro, tem alguma semelhança com uma percepção ou conhecimento infinitos. E uma vez que todas as outras substâncias por sua vez expressam essa substância e acomodam-se a ela, pode-se dizer que ela estende pode-seu poder sobre todas as outras, numa imitação da onipotência do criador. (Discursos sobre metafísica 9; AG 42 apud PERKINS, 2009, pg. 107)

Para Leibniz, a melhor forma de compreender a mônada é através da metáfora com a mente humana. Trata-se de uma coisa unitária e indivisível com vida interna e capaz de conectar-se com todas as outras. Em cada mônada, assim como na mente, deve haver potencialmente todo o mundo. Cada mônada é o espelho do universo e inteligível. Cada mônada é um microcosmo, que contém em si todas as leis do universo.

A concepção de substância como uma mônada acarreta uma mudança importante na questão da causalidade. Resgatando o conceito de causa final de Aristóteles, Leibniz, sem abandonar a causa eficiente, defende que tudo que existe possui uma causa final, que define seu propósito e existência. Podemos mecanicamente explicar que vemos porque temos olhos, mas devemos também considerar que os olhos foram feitos para ver. A primeira explicação é científica, a segunda metafísica.

Leibniz distingue as verdades da razão e as verdades de fato. Um cão latir é uma verdade da razão, mas o fato do cão estar sentado ao lado de seu dono pode ser uma verdade de fato. As verdades da razão são aquelas cujo oposto é impossível (se

(34)

26 o cão miasse ao invés de latir, não seria cão) e estão baseadas na afirmação de que todo predicado de uma substância provém da natureza da própria substância e tem nela sua explicação. Ou seja, se eu for capaz de ter uma noção perfeita da natureza de uma substância, sou capaz de deduzir todos os predicados deste sujeito e prever sua ação. Esta afirmação está fundamentada nos principio da identidade e da não contradição que afirmam que, se um predicado fosse alheio à sua substância, ela seria uma coisa e outra coisa ao mesmo tempo, o que fere os dois princípios. As verdades de fato se referem aos acontecimentos contingentes e baseiam-se no

principio da razão suficiente que afirma que toda coisa que acontece de fato ―tem

uma razão que é suficiente para determinar porque aconteceu assim e não de outra

forma‖. Tudo tem uma explicação, mesmo que a desconheçamos (deve haver uma

razão para o cão estar sentado ao lado de seu dono, mesmo que não saibamos o porquê).

(35)

27

1.1.4.4 David Hume

A discussão sobre causalidade sofre uma espécie de ruptura com a visão de Hume. Para o autor, o conceito de causalidade usualmente é derivado de alguma relação entre os objetos, a saber: 1) contigüidade no tempo e espaço entre causa e efeito; 2) prioridade temporal, ou sucessão, da causa em relação ao seu efeito; 3)

conexão necessária entre causa e efeito. Para Hume, entretanto, não há como justificar, do ponto de vista estritamente racional, estas conexões. Trata-se de uma ilusão, de algo que passamos a acreditar por força da experiência repetida.

Segundo o autor, duas são as razões pelas quais acreditamos na causalidade: 1) a de que tudo que começa a existir deve ter uma causa para sua existência; 2) a de que tudo deve ter uma causa, pois, se alguma coisa carecesse de causa, ela seria produzida por si mesma. Para o autor, estas questões constituem

premissas impossíveis de demonstração racional. Diferentemente de um ―quadrado redondo‖ que não tem como ser pensado, Hume argumenta que é possível imaginar, através do princípio da separabilidade, causa e começo como idéias distintas e separáveis, ou seja, a idéia de uma causa de existência como algo distinto de um começo da existência. Conseqüentemente, a máxima de que ―tudo que começa tem uma causa‖ não é intuitiva nem demonstrativa.

Isto não significa que Hume negue a máxima de que ―tudo deve ter uma causa‖ como verdadeira, apenas enfatiza que não se trata de algo intuitivamente ou

demonstrativamente certa. Desta forma, em Hume, a causalidade tem uma conotação filosófica ou psicológica, não lógica.

(36)

28 semelhantes é decorrente do nosso hábito em juntá-las. Hume reconhece três únicos princípios de reunião das idéias: semelhança, contigüidade no tempo e espaço e causalidade. Assim, a foto de uma pessoa nos remete à mesma por semelhança, uma escola à rua onde está localizada (por contigüidade no espaço), uma gravidez nos faz pensar no nascimento da criança (por contigüidade no tempo) e um acidente de automóvel imediatamente nos remete aos estragos do veículo, em decorrência da relação causa efeito.

Para Hume, a relação causa-efeito é apenas um hábito das idéias. Ela não pode ser conhecida a priori, mas apenas por experiência. Neste sentido, ela não carrega em si a questão da necessidade objetiva, ou seja, causa e efeito são dois fatos distintos e independentes. Como a experiência sempre se refere ao passado, ela nada pode afirmar acerca do futuro. Mesmo uma experiência que se repete várias vezes (por exemplo, o nascimento do Sol) não pode ser vista como algo determinado em si.

Para o autor, é o homem que julga ser necessária a causalidade. Trata-se, pois, de uma questão subjetiva associada ao princípio da natureza humana de formar hábitos. Necessitamos do hábito para viver e nos adaptarmos ao cotidiano futuro; sem ele não conseguiríamos agir. O hábito é um guia prático, é um manual de sobrevivência, mas não se trata de um principio racional e necessário.

(37)

29 A causalidade não está nas coisas, mas na nossa mente, por força do hábito, das associações de semelhança, contigüidade e causa e efeito. Conseqüentemente, não existe relação de causalidade a priori, ou seja, dado um A que causa B, não é impossível supor que dado A, B não ocorra.

A relação causa e efeito ocorre por inferência. No raciocínio causal, a mente vai além dos objetos presentes na percepção e infere a existência de uma relação causa e efeito pela presença de uma impressão, ou idéia de memória, que serve como espécie de fundação que remove a dúvida. Acreditamos que se colocarmos nossa mão em uma panela quente, o calor poderá queimar a nossa mão e, conseqüentemente, sentiremos dor. Desta forma, evitamos o gesto e cuidamos para que nossos filhos também sigam nosso conselho. Mesmo quem nunca tocou em uma panela quente, imagina a sensação de dor, de tanto que seus pais e avós o alertaram. Tal impressão serve de fundação básica para a inferência. Existem, pois, três estágios numa inferência de causa e efeito: 1) existência de uma impressão original; 2) existência de uma transição a uma idéia de causa e efeito conectada (por contigüidade, sucessão e conjunção constante); 3) existência de uma qualidade especial agregada à idéia inferida, isto é, uma crença (forma de hábito).

Por trás deste raciocínio, existe a inferência de que objetos semelhantes em aparência são atendidos com efeitos semelhantes. Hume considera tal inferência

―justa‖, mas não necessária e demonstrável. Apenas provável.

Em síntese, Hume argumenta que a causalidade não constitui uma relação logicamente necessária que não pode ser conhecida a priori, ao contrário, ela depende da força do hábito formada por certa regularidade naquilo que observamos.

1.1.4.5 Kant

(38)

30 propõe uma mudança de perspectiva, que ele chamou de ―revolução copernicana‖, deslocando o foco do ―estudo dos objetos‖ para o ―estudo da Razão‖, ou seja, de

como esta compreende os objetos. Inspirado nos avanços da geometria e física

como ―caminhos seguros para a ciência‖, Kant afirma que ambas só se

desenvolveram quando perceberam que elas eram fruto da criação humana.

Aquele que primeiro demonstrou o triangulo isósceles (fosse ele Tales ou com quer que chamasse) teve uma iluminação; descobriu que não tinha que seguir passo a passo o que via na figura, nem o simples conceito que dela possuía, para conhecer, de certa maneira, as suas propriedades; que antes deveria produzi-la, ou construí-la, mediante o que pensava e o que representava a priori por conceitos e que para conhecer, com

certeza, uma coisa a priori nada devia atribuir-lhe, senão o que fosse conseqüência

necessária do que nele tinha posto, de acordo com o conceito. (CRP B XII)

Kant acrescenta:

Quando Galileu fez rolar no plano inclinado as esferas, com uma aceleração que ele próprio escolhera, quando Torricelli fez suportar pelo ar um peso, que antecipadamente sabia idêntico ao peso conhecido de uma coluna de água, ou quando mais recentemente, Stahl transformou metais em cal e esta, por sua vez, em metal, tirando-lhes e restituindo-tirando-lhes algo, foi uma iluminação para todos os físicos. Compreenderam que a razão só entende aquilo que produz segundo os seus próprios planos; que ela tem que tomar a dianteira com princípios, que determinam os seus juízos segundo leis constantes e deve forçar a natureza a responder às suas interrogações em vez de se deixar guiar por esta; de outro modo, as observações feitas ao acaso, realizadas sem plano prévio, não se ordenam segundo a lei necessária, que a razão procura e de que necessita. (CRP B XIII)

De forma análoga, Kant propõe que se faça algo semelhante na metafísica, ou seja, tanto a intuição (conhecimento sensível) quanto o intelecto (conhecimento inteligível) é que regulam os objetos. São estes que, na verdade, são percebidos de acordo com a natureza da faculdade intuitiva e são pensados de acordo com a natureza do intelecto. Ou seja, ―das coisas, nós só conhecemos a priori daquilo que nós mesmos nelas colocamos‖ (CRP B XVIII).

(39)

31 faculdades que lhe são transcendentais: a sensibilidade (intuições) e o entendimento (conceitos).

Em sua Estética Transcendental, Kant investiga o conhecimento dos sentidos e conclui que nossas intuições puras (que prescindem do empírico) são apenas duas: tempo e espaço. Sem estas noções não seriamos capazes de perceber o mundo tal qual nos é dado. Da mesma forma, mesmo sem saber o que veremos amanhã, sabemos que as coisas estarão situadas no tempo e espaço.

Em sua Analítica Transcendental, Kant investiga o entendimento, ou seja, como as coisas são pensadas, e chega a uma conclusão análoga de que existem categorias, ou conceitos puros, que constituem estruturas transcendentais do intelecto e correspondem à função lógica nos juízos (CRP, 95 e 96). Desta forma, Kant enumera doze categorias, ou modos de pensar (leges mentis).

Para Kant, pensar é julgar, ou seja, estabelecer uma conexão entre um conceito que funciona como sujeito (A) e outro conceito que funciona como predicado (B). Quando o conceito que funciona como predicado (B) está contido no conceito que funciona como sujeito (A), o juízo é dito analítico. Ao contrário, quando o conceito que funciona como predicado (B) não está contido no sujeito (A), portanto tratando-se de uma ampliação do conceito, dizemos que o juízo é sintético. O juízo analítico ocorre por decomposição, de acordo com o principio da identidade. O juízo sintético se dá por extensão, por adição. O primeiro sempre prescinde da experiência, já o segundo pode ser a posteriori ou a priori. A questão para Kant era justamente investigar como se dava o juízo sintético a priori, ou seja, em que se apóia o intelecto quando pensa encontrar um predicado B fora do conceito A, sem o auxílio da experiência?

A resposta de Kant é clara: no próprio sujeito, ou seja, no seu modo de pensar, ou seja, julgar. Para o autor, formar conceitos é unificar, sob uma representação comum, um múltiplo. Trata-se de uma atividade unificadora chamada síntese. Aos diversos modos como o intelecto unifica e sintetiza (ou julga) dá-se o

(40)

32 pensamento puro (categorias), quanto são as diferentes formas do juízo. Desta forma, são doze as categorias de Kant, cada qual relacionada com um tipo de juízo.

A tábua das categorias, extraída da CRP B 106, sintetiza as categorias:

1. Da Quantidade

a. Unidade

b. Pluralidade

c. Totalidade

2. Da Qualidade

a. Realidade

b. Negação

c. Limitação

3. Da Relação

a. Inerência e subsistência (substantia et accidens)

b. Causalidade e dependência (causa e efeito)

c. Comunidade (ação recíproca entre o agente e o paciente)

4. Da Modalidade

a. Possibilidade ─ Impossibilidade

b. Existência ─ Não-Existência

c. Necessidade ─ Contingência

Fica claro que, para Kant, a causalidade é uma condição a priori do pensamento, decorrente do juízo hipotético que estabelece uma relação de princípio e conseqüência. Deste modo, como a categoria de Kant é dada como universalmente válida com respeito à experiência possível, podemos dizer que só podemos pensar se considerarmos que cada mudança tem uma causa específica.

Em relação à questão do conceito de causa, Kant é explícito:

Tomo, por exemplo, o conceito de causa, que significa uma espécie particular de síntese, visto que a algo A se sucede, segundo uma regra, algo bem diferente B. Não se vê claramente a priori porque é que os fenômenos deverão conter semelhante coisa

(pois não se podem dar como prova experiências, porque a validade objetiva desse conceito tem de ser demonstrada a priori); daí que haja motivo para duvidar a priori se tal

(41)

33 deste modo, não poderia estabelecer-se o conceito de causa, porque este, ou se funda inteiramente a priori no entendimento, ou tem de ser totalmente excluído como simples

quimera. Porque este conceito exige absolutamente que algo A seja de tal espécie, que algo B seja a sua conseqüência necessária e segundo uma regra absolutamente universal. É certo que os fenômenos nos proporcionam casos em que é possível estabelecer uma regra, segundo a qual algo acontece habitualmente, mas nunca que a conseqüência seja necessária: por conseguinte, a síntese da causa e do efeito possui uma dignidade que não pode ter expressão empírica, isto é, que não só o efeito se acrescenta à causa, mas também é posto por ela e dela derivado. A estrita universalidade da regra não é também propriedade de quaisquer regras empíricas, que, por indução, só alcançam universalidade comparativa, isto é, utilidade alargada. (CRP B 123 e B 124)

Kant, portanto, adota a opção contrária de Hume. Enquanto este atribui a causalidade associada à força do hábito decorrente da falácia indutiva, Kant a atribui à condição necessária do entendimento da experiência. Em síntese, para Kant, o principio da causalidade é um conceito a priori, fundamentado na estrutura da razão.

1.1.4.6 Stuart Mill

De acordo com Peirce, Stuart Mill conceitua causa como um ―agregado de todas as circunstâncias sob as quais um evento ocorre (CP 6.67). Causa é, neste sentido, um somatório de condições que, se presentes, provocam uma conseqüência.

Nas palavras do próprio Mill:

A causa, então, filosoficamente falando, é a soma total das condições, positivas e negativas juntas; todas as contingências de qualquer natureza, que percebidas, invariavelmente segue-se a conseqüência. As condições negativas, no entanto, de qualquer fenômeno, uma enumeração especial que geralmente seria muito prolixa, podem ser que todas resumidas sob uma condição, ou seja, a ausência do obstáculo ou causas contrafactuais. A conveniência deste modo de expressão baseia-se principalmente sobre o fato de que os efeitos de qualquer causa em oposição à outra causa, talvez na maioria dos casos, com exatidão científica rigorosa, pode ser considerada como uma mera extensão dos seus próprios e separados efeitos11. (MILL:

1868, p. 370).

11 The cause, then, philosophically speaking, is the sum total of the conditions, positive and negative taken

(42)

34 Para Mill, a questão da causação reside na análise cuidadosa da relação invariável e necessária entre antecedente e conseqüente. Para tanto, o autor sugere dois métodos fundamentais para distinguir entre as circunstâncias que meramente antecedem ou sucedem um fenômeno, das que efetivamente estão conectadas por

uma ―lei invariável‖: o método da concordância e o método da diferença. Para

ilustrar estes métodos, Mill utiliza a notação de letras maiúsculas para causas e letras minúsculas para efeitos.

Pelo método da concordância, “se duas ou mais instâncias de um fenômeno

sob investigação têm somente uma circunstância em comum, a circunstância na qual sozinha, todas as outras concordam, é a causa (ou efeito) do dado fenômeno” (MILL, 1868, pg. 428). Simbolicamente:

A B C D ocorrem junto com a b c d e

A E F G ocorrem junto com a e f g

A é a causa de a

Pelo método da diferença: “se uma instância na qual um fenômeno sob investigação ocorre, e uma instância na qual ele não ocorre, tem todas as circunstâncias em comum exceto uma, e a circunstância na qual as instâncias diferem ocorre apenas na primeira, tal circunstância é o efeito, ou a causa, ou uma necessária parte da causa, do fenômeno‖ (MILL: 1868, pg. 429). Simbolicamente:

A B C D ocorrem junto com a b c d B C D ocorrem junto com b c d

A é causa, ou parte da causa, de a

(43)

35 Destes dois métodos, ambos de eliminação, Mill deriva mais três métodos (vias), a saber:

Método da junção entre concordância e diferença: “se duas ou mais

instâncias na qual o fenômeno ocorre tem somente uma circunstância em comum, enquanto duas ou mais instâncias na qual o fenômeno não ocorre não têm nada em comum, exceto a ausência da circunstância, a circunstância na qual sozinha as instâncias diferem, é o feito, ou a causa, ou uma necessária parte da causa, do

fenômeno” (MILL, 1868, pg. 435). Para o autor, este método é um aprimoramento do método da concordância. Simbolicamente:

A B C ocorrem juntos com a b c A D E ocorrem juntos com a d e

e B C ocorrem junto com b c

A é a causa, ou efeito, ou parte da causa de a

Método dos resíduos: “reduzindo-se de um fenômeno as partes previamente conhecidas como sendo efeitos de certos antecedentes, os resíduos do fenômeno são os efeitos dos antecedentes remanescentes” (MILL, 1868, pg.437). Simbolicamente:

A B C ocorrem junto com a b c B é conhecido como a causa de b C é conhecido como a causa de c

A é a causa de a

Método das variações concomitantes: “quando um fenômeno varia de uma maneira específica sempre que outro fenômeno varia de outra maneira específica, as variações são a causa ou o efeito dos fenômenos, ou são conectadas entre si

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