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Causa Final e Evolução

No documento E LEMENTOS PARA UME STUDO DOC ONCEITO DE (páginas 88-167)

A causalidade final, para Peirce, está associada a um princípio de organização, a um processo finalista dotado de alguma permanência. Se não há necessariamente uma finalidade última, há um fim dinâmico, um ―telos‖ evolucionário. Ela implica uma espécie de seleção entre conjuntos de condições possíveis de realização.

4 Final causation without efficient causation is helpless; mere calling for parts is what a Hotspur, or any

man, may do; but they will not come without efficient causation. Efficient causation without final causation, however, is worse than helpless, by far; it is mere chaos; and chaos is not even so much as chaos, without final causation; it is blank nothing.

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Como comenta ANTÔNIO (2006), Peirce distingue três modelos de

evolução, de acordo com a forma de articulação dos conceitos de acaso e necessidade, a saber: ticasma, anancasma e agapasma.

Em linhas gerais, pode-se dizer que a evolução ticástica tem nas variações aleatórias o único agente positivo da mudança; a evolução anancástica assenta-se em relação de causalidades estritas; e a evolução agapástica tem um modus operandi similar ao da lei mental de aquisição de hábitos, na medida em que acolhe o acaso como elemento para a mudança, como na evolução ticástica, mas, ao mesmo tempo, fixa estas mudanças com força assemelhada àquela da evolução anancástica. (ANTÔNIO: 2006; 81)

A evolução ticástica pode ser compreendida através da teoria de Darwin sobre a origem das espécies. Em primeiro lugar, ocorre uma mutação genética por puro acaso. Não há necessidade nem finalidade. Esta mutação decorrente do acaso, entretanto, faz com que a espécie seja mais (ou menos) apta a sobreviver no ambiente. É um tipo de filtro, de seleção que favorece ou não uma espécie. Nota-se que Darwin não fala de indivíduos (segundidade), mas de espécie (terceiridade). De acordo com a concepção de Peirce, é como se houvesse um fator orientador que reforçasse a aquisição de certos hábitos em detrimento de outros. Cabe ressaltar que a mutação não ocorre por causa de uma finalidade especifica. Ela apenas favorece ou não a espécie na sua luta pela sobrevivência. Ou seja, na concepção da evolução

ticástica prevalece apenas a noção de acaso como princípio evolucionário.

Já a evolução anancástica pressupõe um modelo de crescimento segundo relações de causalidade estrita. Neste caso, o crescimento ocorre pelo choque entre forças. A força pode ser de natureza externa, como resultado de uma intervenção exógena, ou de natureza interna, fruto de um princípio interno de evolução predeterminada. Em qualquer dos casos, entretanto, deve haver um Deus ex-

machina que provê o telos da evolução. Entenda-se neste caso, telos como destino,

como uma máquina que caminha misteriosa e inexoravelmente para um objetivo (CP 6.305). Não há propósito claro, mas um fim objetivo.

De acordo com VENTIMIGLIA (2001), o anacasma apresenta a lógica mais

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enquanto que o ticasma, já comentado, requer uma combinação entre acaso e fator orientador e o agapasma, comentado a seguir, requer uma estranha combinação entre acaso e causa final.

Para Peirce, tanto a concepção do ticasma, quanto do anancasma, são insatisfatórias quanto ao tratamento dispensado ao telos da evolução. Enquanto no primeiro caso não há propriamente um telos, apenas um fator direcionador, no segundo caso, o telos é imutável, algo como uma força bruta e cega que faz com que a evolução ocorra de forma dedutiva, pré-definida, sem liberdade. Os fins, se existirem, são frutos do ―design inteligente‖.

Assim sendo, Peirce elege o agapismo5 como o modelo mais adequado de evolução. Nesta concepção ocorre uma incorporação dos outros dois casos. O

agapasma é, portanto, síntese do acaso e da necessidade, sem ser sua agregação pura. Trata-se de uma evolução, na qual o resultado não é redutível à soma das partes. Analogamente, podemos dizer que o ticasma está para a primeiridade, assim como o anancasma para a segundidade e o agapasma para a terceiridade. Nesta evolução, o telos não é nem ausente nem imutável, mas evolutivo. O próprio telos evolui e se aperfeiçoa ao adquirir e harmonizar novos hábitos.

Há, como bem sintetiza ANTÔNIO (2006; 69), um movimento agápico, uma

realização do auto-aperfeiçoamento contínuo, cuja dinâmica se expressa na lei do amor, como enunciada por Peirce: ―O movimento do amor é circular, lançando as

suas criações rumo à independência e atraindo-as de volta para a harmonia, num

único e mesmo impulso‖ (CP 6.288).

SALATIEL (2008) prefere falar em acaso como fonte de organização em

direção à evolução, definida como complexidade, diversidade e vida.

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O universo que começa com um “nada germinal”, dá lugar a um continuum de qualidades (Primeiridade), em que reações acidentais (Segundidade) definem algo que existe; o que existe, singularmente, adquire permanência no tempo e espaço, formando um segundo contínuo, de necessidade, de regularidade e lei (Terceiridade). Primeiridade, no entanto, também evolui, e o acaso absoluto age impedindo a exatitude na gramaticalidade do cosmos, abrindo novas bifurcações; não se trata, porém, de um movimento circular, mas assintótico e hiperbólico, dado pela ação do acaso matemático, pela tendência à aquisição de hábitos e ágape, buscando um ideal de razoabilidade, perfectibilidade. É neste processo, então, que há ganhos de complexidade. (SALATIEL: 2008; pg. 131)

Circular ou hiperbólico, o que se destaca na concepção de evolução de Peirce é seu caráter nem caótico, nem dedutivo.

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Capítulo 4

COMENTANDO O TEXTO “CAUSAÇÃO E FORÇA

O ensaio ―Causation and Force‖ (CP 6.66-87; CP 7.518-523) faz parte da série de conferências realizadas por Charles Sanders Peirce na Universidade de Cambridge em 1898 intituladas ―Reasoning and the Logic of Things‖. Como o próprio título sugere, a intenção do autor era apresentar nestas conferências seu material sobre o estudo da ―lógica dos eventos‖. Para tanto, o autor havia esboçado uma serie de artigos que, na verdade, acabaram não sendo apresentados em 1898. Parte deste estudo inacabado sobre a ―lógica dos eventos‖ foi colocada em locais separados, de modo um tanto desorganizado, nos Collected Papers of Charles

Sanders Peirce, o que dificultou sua compreensão. O próprio ensaio ―Causation

and Force‖ encontra-se separado no CP, em dois blocos distintos: CP 6.66-85 e CP

7.518-523, estando esta última parte originalmente localizada entre CP 6.81 e CP 6.82.

A primeira leitura (―Philosophy and the Conduct of Life‖) foi publicada, junto com outros temas correlatos, em 1931 nos CP sobre o título de ―Vitally

Important Topics‖ (CP 1.616-77). Outras partes dos esboços e leituras das

conferências aparecem em CP 6.1-5, CP 6.185-213, CP 6.214-221, CP 6.222-237 e CP 7.468-517.

São oito as conferências realizadas em Cambridge entre fevereiro e março de 1898: ―Philosophy and the Conduct of Life‖, ―Types of Reasoning‖, ―The Logic

of Relatives‖, ―The First Rule of Logic‖, ―Training in Reasoning‖, ―Causation and

Force‖, ―Habit‖ e ―The Logic of Continuity‖. De acordo com Ketner e Putnam, na

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da mesma, a série de conferências deveria se chamar ―The consequences of

Mathematics‖, uma vez que aborda como aplicar as idéias precisas da Matemática

na Filosofia. Esta é, aliás, uma grande qualidade deste autor. Para Peirce, a Matemática é uma Ciência observacional, experimental, que trabalha com hipóteses, explorando as conseqüências da mesma, sem desconsiderar sua possível aplicação ao mundo ―real‖. É com este espírito exploratório que devemos ler estes ensaios.

Em ―Causation and Force‖, ensaio seminal desta dissertação, Peirce questiona as verdades tidas como auto-evidentes sobre o grandioso princípio da causação e, para tanto, vale-se da noção de causa utilizada na mecânica clássica.

Para o autor, a proposição da causalidade de que ―o estado de coisas em

qualquer instante é completa e exatamente determinado pelo estado de coisas em

algum outro instante‖ contradiz os princípios da mecânica. Assim, se conhecermos

a posição e as massas de todos os corpos no Universo, de acordo com a teoria gravitacional de Newton, nós somos capazes de conhecer a aceleração de todos os corpos, mas não somos capazes de predizer o estado futuro do sistema, a menos que conheçamos também a velocidade dos corpos. Mas, de acordo com a demonstração de Peirce, a velocidade é uma relação entre a distância entre suas posições em dois tempos próximos e a diferença entre estes tempos. Assim sendo, para Peirce, o futuro não pode ser determinado apenas por um estado anterior, mas por dois estados anteriores próximos entre si. O que é determinado não é a posição futura, mas a aceleração, e esta depende de um segundo e um terceiro instante. Há uma terceiridade, uma mediação entre dois estados próximos que definem um terceiro estado.

Cabe ressaltar que nos casos em que a aceleração é constante, como por exemplo, no caso da constante gravitacional g, a equação do movimento assume a forma de uma equação de segundo grau, ou seja:

r – r0 = v0t + ½ a t² onde

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a = aceleração.

Neste caso, podemos afirmar que dada uma posição inicial de um corpo e a sua velocidade instantânea inicial v0 é possível determinar a sua posição final em qualquer instante do tempo. A proposição, portanto, se tornaria verdadeira neste caso específico.

A segunda proposição da causalidade, a de que ―a causa, ou o estado

determinante das coisas, precede o efeito ou estado determinado de coisas no

tempo‖ também é questionada por Peirce. Sabemos da segunda lei de Newton que a

força resultante sobre um corpo é igual ao produto da massa do corpo pela sua aceleração. Assim, a aceleração (efeito) é simultânea à força (causa), não havendo um antecedente e um conseqüente.

A terceira proposição de causalidade de que ―nenhum fato determina um

fato que o precede no tempo no mesmo sentido em que determina um fato que o

segue no tempo‖ também está em contradição com a segunda lei de Newton.

Esta era, segundo REYNOLDS (2002) uma das principais insatisfações de

Peirce sobre a questão da causalidade:

Uma das mais comuns reclamações feitas por Peirce é que as leis da mecânica não fazem distinção entre “ir para frente” e “ir para trás” no fluxo de tempo – isto é, elas são invariantes em relação à reversão do tempo. Na fundação da mecânica ou dinâmica encontram-se as três leis do movimento. Se mudarmos o sinal do tempo t, como aparece na segunda lei da mecânica [F = m d²s/dt²)]1 pelo seu negativo –t (que é, de fato, reverter

o “fluxo do tempo”), nós podemos ainda reter soluções consistentes com a lei2.

(REYNOLDS, 2002, pg. 28)

1 A explicação de Peirce refere-se ao fato de que o tempo t aparece na equação da segunda lei de Newton

como uma expressão ao quadrado e t² = (-t)². Na verdade, a explicação é um pouco mais complexa. Na fórmula, a variável t aparece como uma derivada segunda da posição s. Portanto, para encontramos a posição futura, nós necessitamos integrar a equação duas vezes. Como cada integração muda o sinal da solução, teremos a anulação dos mesmos. Desta forma, o correto seria dizer que d²s/dt² = d²s/d(-t)².

2 One of the more common complaints we find Peirce making is that the laws of mechanics make no

distinction between the ―forward‖ and the ―backward‖ flow of time – that is, they are time-reversal invariant. At the foundation of mechanics or dynamics are Newton´s three laws of motion. If we change the sign for time, t, as it appears in the second law of motion [F= m(d²s/dt²)] with its negative, - t (wich is in effect to reverse the ―flow of time‖), we may still retain solutions consistent with the law.

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Desta forma, para Peirce, as leis da mecânica apontam para uma reversibilidade no tempo. O autor também fundamenta o caráter reversível do tempo com base na lei da conservação da energia. Neste caso, ao soltarmos um objeto a uma determinada distância do solo e calcularmos a sua velocidade final quando este alcançar o solo, nós podemos dizer que a velocidade alcançada depende da posição inicial, da mesma forma que podemos calcular a posição inicial conhecendo a velocidade final3. Há uma reversibilidade intrínseca na equação.

Convém ressaltar que, ao contrapor as proposições da causalidade com as leis da mecânica, pode parecer que Peirce adota uma concepção segundo a qual a Natureza é de fato regida por leis definidas e imutáveis, capazes de explicar todos os acontecimentos e que, se nossa percepção não é capaz de compreender a lei, o problema é tipicamente uma limitação humana. Este seria o caso da reversibilidade do tempo.

A posição de Peirce, entretanto, é justamente o contrário. Ao explorar as consequências pragmáticas das leis da mecânica, principalmente quanto à questão da reversibilidade, Peirce pretende apontar a inadequação da concepção mecanicista. Para o autor, o mundo exibe uma maior quantidade de fenômenos irreversíveis (combustão, nascimento e morte, corrosão etc.) do que reversíveis, sendo de fato um componente real da Natureza e não uma limitação epistemológica. Interessante perceber como Peirce antecipa algumas questões levantadas sobre as leis da dinâmica de Newton que só seriam resolvidos na mecânica quântica4:

A reversibilidade da trajetória dinâmica foi, por sua vez, implicitamente afirmada por todos os fundadores da dinâmica como Galileu e Huyghens, entre outros: cada vez que queriam acentuar a relação de equivalência entre causa e

3 Energia potencial gravitacional é igual a Energia cinética, ou seja, mgH = ½ m v², onde H = distância e v

= velocidade final

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efeito, sobre a qual pensavam fundamentar sua descrição matemática do movimento, evocavam uma operação imaginária, ilustrada o melhor possível por uma bola perfeitamente elástica saltando no solo; eles imaginavam a inversão instantânea da velocidade do móbil estudado e descreviam o seu retorno à posição inicial com restauração simultânea do que produzira o movimento acelerado entre o movimento inicial e o da inversão. A bola, por exemplo, volta a atingir a altitude inicial...

Esta ultima propriedade da reversibilidade5 da dinâmica leva a uma dificuldade cujo caráter fundamental não se imporá senão com a mecânica quântica. Toda intervenção, manipulação e medida, é, por essência, irreversível. Assim, a ciência ativa se encontra, por definição, estranha ao mundo reversível que ela descreve, qualquer que seja, por outra via, o grau de plausibilidade intrínseca de tal descrição. Mas, igualmente deste último ponto de vista, a reversibilidade pode ser tomada como símbolo de estranheza do mundo descrito pela dinâmica. Todos conhecem a impressão de absurdo que provocam os filmes projetados ao contrário, o espetáculo de um fósforo reconstituído por sua chama, tinteiros quebrados que se reconstituem voltando a ficar em cima da mesa depois que a tinta aí se concentrou, ramos que rejuvenescem e voltam a ser brotos. O mundo dinâmico define tais evoluções como possíveis, pela mesma razão que os seus inversos, nossos conhecidos. (PRIGOGINE & STENGERS, 1984, pg. 46 e 47)

Outra questão intrigante ocorre quando Peirce examina a Causação Psíquica. Neste caso, o autor aponta que as três proposições da causalidade, em clara contradição com as leis da mecânica, são confirmadas no universo dos fenômenos mentais. Para Peirce, não há como explicar a existência no mesmo mundo de duas espécies tão diferentes de ―Causação‖. Há, segundo o autor, um desejo em filosofia de unificar os fenômenos da mente e da matéria, adotando o Monismo como hipótese provisória.

Para explicar esta aparente contradição entre a ―Causação Física‖ e a ―Causação Psíquica‖, Peirce vale-se da noção do acaso, de algo não fundado na lei e que, presente tanto nos fenômenos materiais quanto mentais, é responsável pela irreversibilidade do sistema, bem como é condição de possibilidade para a diversidade.

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Para sustentar a hipótese do acaso, Peirce recorre à questão das forças não conservativas. Inicialmente ele recorda dois aspectos fundamentais das forças conservativas, a saber:

a. Reversibilidade no tempo, já discutido anteriormente;

b. Lei da conservação da Energia Mecânica: em um sistema isolado onde

apenas forças conservativas causam variações de energia, a energia cinética (1/2 m v²) e a energia potencial6 podem variar, mas a sua soma, a energia mecânica do sistema não pode variar.

Na presença apenas de forças conservativas, a variação da energia cinética, decorrente do movimento, se transforma integralmente em energia potencial, decorrente da posição.

Ocorre que a maioria dos fenômenos que experimentamos no mundo não apresenta tais características. Quando arrastamos uma cadeira através do piso da nossa cozinha, a força de atrito exercida sobre o piso realiza um trabalho negativo sobre a cadeira, reduzindo sua velocidade e transferindo a energia cinética para outra forma de energia, no caso energia térmica. Neste caso não há reversibilidade, uma vez que sabemos que a energia térmica não pode ser transferida novamente para a energia cinética, movendo a cadeira.

Peirce percebeu que este tipo de transformação de energia envolve forças não conservativas e apresentam comportamentos estatísticos, com distribuições fortuitas. Como exemplo, ele usa o equilíbrio da temperatura do ar na atmosfera.

Para consolidar sua teoria sobre o acaso, Peirce é bastante cuidadoso na descrição dos elementos essenciais do método. Em primeiro lugar, ele define o que é distribuição fortuita. De acordo com o autor, numa série infinita de objetos classificados como ―coloridos‖ ou ―brancos‖, uma distribuição é dita fortuita se o

6 Em física, variação da energia potencial é igual ao trabalho realizado, sendo este definido pela força que

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fato de um objeto ser colorido ou não é independente de sua relação aos outros objetos na série, ou seja, independe do objeto ter qualquer caráter definível em termos de relação sucessiva, cor ou brancura.

Agora em nossa coleção de coisas coloridas denumerais e de coisas brancas denumerais, permitamos que F signifique uma relação gerativa específica, de tal forma que quando os objetos são numerados, de acordo com essa relação, o objeto numerado

n + 1 é o F do objeto numerado n. Então, eu digo que uma distribuição fortuita de cor e

brancura na coleção consiste no seguinte, que qualquer objeto da coleção, sendo colorido ou não, independe dele ser um F de uma coisa colorida, e também o é independente de ser um F de uma coisa colorida e de ser um F de um F de uma coisa branca; em suma, o fato de um objeto ser colorido ou não, independe dele ter ou não qualquer caráter definível em termos de F, cor, e brancura. Isto define satisfatoriamente a distribuição fortuita quando as coisas coloridas e coisas brancas são, ambas, denumerais. (CP 6.75)

Uma vez definido o que é uma distribuição fortuita, Peirce afirma que uma distribuição fortuita surge a partir de outra distribuição fortuita. Em suma, explicações acerca do acaso sempre envolvem premissas sobre o acaso7 e explicações acerca da presença da regularidade sempre envolvem premissas sobre regularidades. ―Lei pode apenas emergir de outra Lei; enquanto distribuição

fortuita somente pode emergir de outra distribuição fortuita. Lei gera lei; e acaso

gera acaso‖.8 É com se houvesse dois mundos distintos, um formado por

fenômenos regulares e outro por fortuitos. Para escapar deste dualismo, Peirce propõe uma solução original: o primeiro germe da lei surge do acaso!

Ou, se quisermos escapar desta dualidade, instados a fazê-lo pelo princípio da retrodução, segundo a qual devemos começar insistindo na hipótese da unidade, tanto quanto possível, a única maneira de assim fazer é supor que o primeiro germe da lei era uma entidade, que por sua vez surgiu por acaso, que é como um Primeiro. Pois é da natureza do Acaso ser Primeiro e o que é Primeiro é Acaso; e distribuição fortuita, ou seja, total irregularidade. Isto é a única coisa que é legítimo explicar, pela ausência de qualquer razão em contrário9. (CP 7.521)

7 Trata-se do acaso matemático e não do acaso absoluto. Para maiores detalhes, ver Salatiel (2008). 8 Law can only spring from another Law; while fortuitious distribution can only spring from another

fortuitous distribution. Law begets law; and chance begets chance. (CP 7.521).

9 Or if we are to escape this duality at all, urged to do so by the principle of retroduction, according to

which we ought to begin by pressing the hypothesis of unity as far as we can, the only possible way of doing so is to suppose that the first germ of law was an entity, which itself arose by chance, that is as a First. For it is of the nature of Chance to be First and that which is First is Chance; and fortuitous

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Peirce continua sua reflexão:

Estas coisas, tendo-se tornado claras para nós, deixe-nos agora, lembrando que todo objetivo desta discussão visa encontrar alguma pista na qual as ações físicas e

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