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As regras da proporcionalidade e da razoabilidade

2 PROCESSO ADMINISTRATIVO E DEMOCRACIA

3.4 Princípios do processo administrativo federal

3.4.4 As regras da proporcionalidade e da razoabilidade

É notória a confusão existente na doutrina entre o princípio da razoabilidade e o chamado princípio da proporcionalidade, parecendo melhor para Medauar (2010) englobar no conceito de proporcionalidade o sentido de razoabilidade, consistindo este:

[...] principalmente, no dever de não serem impostas, aos indivíduos em geral, obrigações, restrições, ou sanções em medida superior àquela estritamente necessária ao atendimento do interesse público, segundo critério de razoável adequação dos meios as fins.369

Ressalta Medauar (2010) que, no âmbito administrativo, tal princípio aplica-se a “[...] todas as atuações administrativas para que sejam tomadas decisões equilibradas, refletidas, com avaliação adequada da relação custo-benefício, aí incluído o custo social”.370

Celso de Mello (2010), sob os auspícios de sua teoria, ao tratar dos dois “princípios” acima, afirma que ambos descendem do “princípio” da legalidade, dispondo que, quanto à razoabilidade, detém a Administração de certa liberdade para eleger o comportamento cabível em determinada situação concreta, não devendo fazê-la de forma desarrazoada, ilógica ou incongruente. Quanto à proporcionalidade, assevera que deve haver proporcionalidade entre o ato praticado e a situação que demandou sua expedição, pois a lei

368 SILVA, Vírgilio Afonso da. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção. São Paulo: Malheiros: 2003. p. 617.

369 MEDAUAR, Odete. O direito administrativo moderno. 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 135.

370 MEDAUAR, Odete. O direito administrativo moderno. 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 135.

outorga competências para certos fins, todavia o excesso desnecessário ao atendimento de tais fins configura uma superação do seu escopo normativo.371

Virgilio Afonso da Silva (2002) critica em dois flancos a confusão em torno do princípio da razoabilidade e da regra da proporcionalidade, não sendo apenas um fenômeno que ocorre no âmbito do STF,372 mas também na doutrina, citando Luis Roberto Barroso e Suzana de Toledo Barros, os quais afirmaram que a preferência por um ou outro termo refere- se às suas origens, pois seria a proporcionalidade de origem germânica e a razoabilidade de origem norte-americana.373 Virgilio Afonso entende que a proporcionalidade e a razoabilidade não são sinônimas, tendo estruturas normativas diferentes, pois:

[...] enquanto aquela tem uma estrutura racionalmente definida, que se traduz na análise de suas três sub-regras (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), esta ou é um dos vários topoi374 dos quais o STF se serve, ou uma

simples análise de compatibilidade entre meios e fins.

Virgilio Afonso da Silva (2010) ressalta bem a ideia da razoabilidade como topoi e não como princípio ou regra à luz da teoria de Alexy (2008) quando de sua aplicação em casos concretos, mesmo que aquela Corte use do termo “princípio da proporcionalidade”. Para Afonso da Silva (2010), a razoabilidade, conforme proposta por autores como Luis Roberto Barroso, não corresponde à regra da proporcionalidade, por ser aquela corresponde apenas à primeira das três sub-regras da proporcionalidade, isto é, apenas à exigência de adequação. A regra da proporcionalidade é, portanto, mais ampla do que a regra da razoabilidade. Para ele, a regra da proporcionalidade não se esgota no exame da compatibilidade entre meios e fins, característica que é inerente à razoabilidade.

371 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 79.

372 Para Virgilio Afonso da Silva, o recurso à regra da proporcionalidade na jurisprudência do STF pouco ou nada acrescenta à discussão e apenas solidifica a ideia de que o chamado princípio da razoabilidade e a regra da proporcionalidade seriam sinônimos. Cf. SILVA, Luís Virgilio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 798, p. 31, 2002.

373 Conforme Virgilio Afonso da Silva, Luís Roberto Barroso afirma que "[...] é digna de menção a ascendente trajetória do princípio da razoabilidade, que os autores sob influência germânica preferem denominar

princípio da proporcionalidade, na jurisprudência constitucional brasileira. Já Suzana de Toledo Barros iguala ambos os conceitos, nos seguintes termos: ‘O princípio da proporcionalidade, [...] como uma construção dogmática dos alemães, corresponde a nada mais do que o princípio da razoabilidade dos norte-americanos’". Cf. SILVA, Luís Virgilio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 798, p. 31, 2002.

374 Conforme Tércio Sampaio Ferraz, a expressão topos significa lugar (comum). Trata-se de fórmulas, variáveis no tempo e no espaço, de reconhecida força persuasiva, e que se usam, com frequência, mesmo nas

argumentações não técnicas das discussões cotidianas. Cf. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Prefácio à

obra tópica e jurisprudência, de Theodor Viehweg. Disponível em:

Fica clara a concepção para Virgílio Afonso da Silva (2010) de que tanto a proporcionalidade quanto a razoabilidade não seriam princípios, mas sim regras. Ressalte-se que as estas seriam regras de aplicação de outras regras, e não regras de condutas a serem observadas pelos aplicadores do direito. Seriam regras, mas não regras comuns, das quais já se tratou, não sendo novidade a ocorrência destas no mundo jurídico, pois há casos de regras de aplicação de outras normas como as que tratam da resolução das antinomias.375

Humberto Ávila (2009) aborda tanto a proporcionalidade como a razoabilidade como postulados normativos aplicativos, ou seja, normas que tratam da forma como outras normas seriam aplicadas, consistindo em normas de segundo grau, metanormas, diferente das regras e princípios que seriam normas de segundo grau.376

Apesar das divergências entre Virgílio Afonso e Humberto Ávila, vê-se aqui uma grande aproximação entre as duas teorias. Em primeiro lugar, os dois autores não classificam a proporcionalidade como regra ou como princípio de acordo com as teorias que seguem. Em segundo lugar, tanto Afonso como Ávila tratam a proporcionalidade e a razoabilidade como normas que dispõem sobre a aplicação de outras normas. Para Afonso, aquelas normas seriam regras especiais; para Ávila, ambas seriam postulados normativos aplicativos, ou seja, “[...] normas imediatamente metódicas que instituem os critérios de aplicação de outras normas situadas no plano objeto da aplicação.377

Para nós, ambos criam uma terceira categoria normativa, embora Virgílio Afonso da Silva (2010) seja enfático em dizer que tais regras possuem a mesma estrutura normativa das regras de conduta e das regras de competência, criticando a terminologia adotada por Ávila (2009), propondo a sua, que é denominar a proporcionalidade como uma regra especial, uma metanorma.

Diante de tais fundamentos, são a proporcionalidade e a razoabilidade princípios ou regras jurídicas à luz da teoria de Alexy (2008)? Podem tais normas ser ponderadas ou são aplicadas estabelecendo deveres ou obrigações definitivas? Para nós, a resposta é que ambas são regras, mas por caráter de exclusão, justamente pela impossibilidade de se ponderar a proporcionalidade, tanto quanto a razoabilidade. É visível e inquestionável o caráter instrumental da proporcionalidade, consistindo em três sub-regras fundamentais: a da adequação, a da necessidade e a da proporcionalidade em sentido estrito.

375 SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 169.

376 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 122.

Cada sub-regra tem a sua função, devendo a da adequação buscar uma precisa correspondência entre meios e fins, no sentido de que os meios empregados sejam logicamente compatíveis com os fins pretendidos. A sub-regra da necessidade determina a verificação da inexistência de meios menos gravosos para o atingimento dos fins visados. A proporcionalidade, em sentido estrito, determina uma avaliação geral da situação, com a intenção de estabelecer uma correspondência jurídica entre meios e fins. Devem esse itens ser encarados como etapas ou procedimentos, pois:

[...] Somente em caso de necessidade devemos passar de uma sub-regra para outra,

i.e., nem sempre precisaremos esgotar as três sub-regras da proporcionalidade na

aplicação de um determinado comando ou resolução de um conflito. Dessa maneira, deve a adequação ser examinada em primeiro lugar, para depois se examinar a necessidade e só ao final, havendo necessidade, examinar-se a proporcionalidade em sentido estrito.378

Nota-se, assim, que a proporcionalidade, pelo seu caráter instrumental, é uma regra, uma norma que serve para o fim de otimização dos princípios diante de determinadas possibilidades fáticas e jurídicas em que eles devem ser aplicados.

A razoabilidade também, diante da teoria de Alexy (2008), é entendida por nós como regra. É impossível o aplicador do direito, em especial o administrador, ponderar a razoabilidade em colisão com outro princípio. Por sinal, tal situação de colisão passa a ser ilógica, pois a razoabilidade é um comando imediatamente descritivo de uma conduta específica a ser observada pelo aplicador do direito, qual seja, um dever de equivalência entre a medida adotada e o critério que a dimensiona.379

É bom reiterar que a nossa interpretação sobre tais normas se dá em atenção à teoria principiológica apresentada por Alexy (2008), não descartando a existência de outras classificações em relação às mesmas, pois a fundamentalidade existente e os valores nelas consagrados, tanto na regra da proporcionalidade, como na regra da razoabilidade, são

378 RANGEL, Helano Márcio Vieira. Proteção da cultura ou proteção dos animais? Uma análise da “farra do boi” à luz da máxima da proporcionalidade e da jurisprudência do STF. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Federal do Ceará, 2012.

379 Para Ávila, a razoabilidade também proporciona a aplicabilidade de outras normas. Fala que há três acepções de aplicação da razoabilidade: 1) diretriz que a relação das normas gerais com as individualidades do caso concreto, quer mostrando sob qual perspectiva a norma deve ser aplicada, quer indicando em quais hipóteses o caso individual, em virtude de suas especificidades, deixa de se enquadrar da norma geral; 2) diretriz que exige uma vinculação das normas jurídicas com o mundo ao qual elas fazem referencia, seja reclamando a existência de um suporte empírico e adequado a qualquer ato jurídico, seja demandando uma relação congruente entre a medida adotada e o fim que ela pretende atingir; 3) diretriz que exige a relação de equivalência entre duas grandezas. Cf. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p.152.

inquestionáveis. Porém, as normas ora em análise são regras e, como tais, devem ser tratadas e aplicadas, isso à leitura de Robert Alexy (2008).