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2 PROCESSO ADMINISTRATIVO E DEMOCRACIA

3.4 Princípios do processo administrativo federal

3.4.1 Princípio da legalidade

Conforme Eros Roberto Grau (2011), “[...] o princípio da legalidade consubstancia, em sua origem, um dado fundamental para a construção da noção de Estado de Direito [...] consubstancia extensão da teoria da soberania popular e da representação

335 Conforme nota 265, principio seria um mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racional idade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.

parlamentar”.336 Ainda para Grau, fazendo uma leitura crítica quanto ao princípio da legalidade, a Constituição contém a ação do Estado, encontrando a burguesia, no instituto da separação dos poderes, condições adequadas à defesa de seus interesses, em especial os econômicos e de propriedade, pois somente através de um consenso da própria burguesia é que poderia ser alterado tal statu quo.337

Para Marcelo Harger (2008), o Estado de Direito tem como elemento central a submissão da atividade estatal à lei, correspondendo tal concepção ao dogma de Rousseau de que o povo é o detentor do poder, o qual é exercido pelos seus representantes.338

No ordenamento jurídico pátrio, a legalidade como norma tem assento no Art. 5º, inciso II, da Constituição Federal de 1988, retratado pela máxima: “[...] ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Segundo Nohara e Marrara (2009), isso representa uma das maiores garantias aos cidadãos, os quais não serão obrigados a fazer ou coagidos a não fazer, a não ser em virtude de lei, exigência que vincula tanto os particulares como o próprio Estado.339

De acordo com Odete Medauar (2010), uma das decorrências de um Estado ser visto como Estado decorre do princípio da legalidade, o qual informa as atividades da administração, criando o estigma, com o decorrer de sua aplicação, de que a submissão da Administração à lei tornava o poder objetivado e de que obedecer à Administração era obedecer à própria lei, e não à vontade instável da autoridade.340

A dúvida aqui apresentada é saber, se tal norma pode ser entendida sob os olhos da teoria de Alexy (2008) como princípio, especialmente se há possibilidade de ser ponderada quando de sua aplicação. Bustamante (2005), ao analisar a obra de Alexy (2008), afirma que a diferença de tais normas (regras e princípios) estaria no âmbito de sua aplicação:

[...] Enquanto os princípios devem ser otimizados segundo a máxima da proporcionalidade para que sejam determinadas as possibilidades fáticas e jurídicas em que eles devem ser aplicados, de sorte que a operação básica de sua aplicação é a ponderação, as regras contêm mandados definitivos e a operação básica para sua aplicação é a subsunção.341

336 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 8. ed. rev. e amp. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 171.

337 Ibid., loc. cit.

338 HARGER, Marcelo. Princípios constitucionais do processo administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 92-93.

339 NOHARA, Irene Patrícia; MARRARA, Thiago. Processo administrativo: lei 9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas, 2009. p. 46.

340 MEDAUAR, Odete. O direito administrativo moderno. 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 127.

341 BUSTAMANTE, Thomas. Princípios, regras e conflitos normativos: uma nota sobre a superabilidade das regras jurídicas e as decisões contra legem. São Paulo: Renovar, 2005. p. 154.

Ressalte-se que, na obra de Alexy (2008), não há lugar para existência de princípios absolutos, ou seja, princípios que não cederiam frente a outros princípios. Caso ocorressem, a definição de princípio deveria ser modificada, pois se um princípio tem precedência em relação a todos os outros em colisão, não haveria limites jurídicos, mas apenas fáticos, acarretando a não aplicação do teorema da colisão principiológica.342

Medauar (2010) afirma, com fundamento no Art. 37, caput, da Constituição Federal, que: “[...] o princípio da legalidade se traduz na seguinte fórmula: A Administração deve sujeitar-se às normas legais. Essa aparente simplicidade oculta questões relevantes quanto ao modo de aplicar, na prática, esse princípio”.343 Em todos os entendimentos esposados por Medauar (2010) sobre a aplicação do princípio da legalidade posteriores a esta afirmação, vê-se claramente que seu comando se resume aos seguintes direcionamentos lógicos: 1) a Administração só pode realizar atos ou medidas que a lei ordena; 2) somente são permitidos atos cujo conteúdo seja conforme uma hipótese abstrata fixada explicitamente pela norma legislativa e 3) a Administração poderá justificar cada uma de suas decisões por uma disposição legal, mas exige-se base legal para o exercício de seus poderes.

Como se percebe, a aplicação do princípio da legalidade pela Administração Pública comporta a possibilidade de ponderação aos olhos da doutrina de Alexy (2008), pois princípios são normas que ordenam que algo se realize na maior medida possível, considerando as possibilidades jurídicas e fáticas existentes, aplicando-se com variação de graus de acordo com o caso concreto.

Ora, a aplicação do princípio da legalidade no âmbito do processo administrativo pode se dar em um escalonamento gradativo – relativizando-a em certos casos; fixando-a em um maior ou um menor grau. A norma do Art. 2º, caput, da Lei 9.784/99, que trata da legalidade no processo administrativo federal, de acordo com a teoria de Alexy (2008), é um princípio, pois seus efeitos normativos podem ser reduzidos pelo seu caráter prima facie.

Pode-se ponderar sobre qual norma legal deve ser aplicada, mas jamais se pode concluir pela aplicação de nenhuma norma, pois o exercício lógico do administrador é sempre aplicar a legalidade, a qual determina que sua conduta deva ser fundamentada em um preceito normativo, sob pena de sua conduta ser anulada ou não produzir algum efeito.

342 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 94.

Diferente de Dworkin (2007), que aproxima o direito da moral,344 Alexy (2008) cria sua teoria com fundamento no positivismo jurídico constitucional alemão.345 Assim, sua acepção de regras e princípios implica que, no caso de conflito entre regras ou colisão entre princípios, sempre haverá a aplicação de uma norma jurídica escrita.

Deve-se lembrar de que nosso entendimento é feito em concordância com a teoria de Alexy (2008), e mesmo frente a outras classificações, a legalidade veiculada pela Lei 9.784/99 tem a natureza de princípio, inclusive se enquadrando à função ordenadora de tais normas, proposta por Jorge Miranda (2011) por exercer “[...] uma ação imediata enquanto diretamente aplicáveis ou diretamente capazes de conformar as relações político- constitucionais”.346 Ressalte-se que o aqui se defende é a caracterização da legalidade como estrutura normativa sujeita à ponderação ou norma com qualidade prima facie, sujeita à redução de seu conteúdo aplicativo, podendo ela, ao ser aplicada, ser interpretada, bem como dela ser extraída o seu sentido, obtendo-se, então, do seu preceito, uma significação qualitativa.

Humberto Ávila (2009), mesmo adotando a possibilidade de que um determinado dispositivo possa admitir a coexistência das três espécies normativas, dá à legalidade tributária o mesmo entendimento aqui já mencionado à legalidade prevista no Art. 2º da Lei 9.784/99, ao afirmar que aquela norma da Constituição “[...] condiciona a validade da criação ou aumento de tributos à observância de um procedimento determinado que culmine com a aprovação de uma fonte normativa especifica – a lei”.347

Ressalte-se que a nossa leitura feita a respeito da superação da legalidade pela juridicidade é ratificada aqui por tal posição, pois é clara a possibilidade de ponderação de tal norma em sede de processo administrativo, pois, em sua essência, a juridicidade significa uma construção doutrinária do positivismo normativista, que deve ser reinterpretado à luz do neoconstitucionalismo, acarretando, assim, ao administrador que ele fundamente sua decisão

344 A doutrina de Ronald Dworkin (2007) notabiliza-se pelo esforço de tentar legitimar a atividade jurisdicional, bem como por sua pretensão de dar coerência à interpretação do direito. Nota-se que ele implementa, em seus estudos, uma aproximação da moralidade ao direito, aperfeiçoando tal ideia ao formular a concepção de que o ordenamento jurídico não é composto apenas por normas, mas também por princípios, dando àquele a ideia de integralidade. Cf. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 23-72.

345 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p.31-33.

346 MIRANDA, Jorge. Teoria do estado e da constituição. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 297. 347 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 9. ed. São

com esteio em uma norma escrita ou que decorra de uma interpretação constitucional, mesmo que às vezes mitigada por outro princípio.348

Assim, defende-se a possibilidade de ponderação da legalidade prevista no Art. 2º da Lei 9.784/99 quando de sua aplicação no âmbito do processo administrativo, já que ela tem a estrutura normativa proposta por Alexy (2008). Pode-se, ainda, vislumbrar sua natureza principiológica em atenção à doutrina de Celso Antonio Bandeira de Melo (2010), pelo fato de que aquela norma representa um dos pilares de sustentação do Estado Democrático de Direito, bem como a autores que defendem a fundamentalidade como característica inerente aos princípios, porém tal caracterização não é o objeto principal da presente análise.