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Princípio da finalidade e princípio do interesse público

2 PROCESSO ADMINISTRATIVO E DEMOCRACIA

3.4 Princípios do processo administrativo federal

3.4.2 Princípio da finalidade e princípio do interesse público

Pode-se entender a finalidade em um processo administrativo como seu intento finalístico. É a orientação da correta aplicação da lei. Como todo ato administrativo procura atingir uma finalidade de interesse da administração pública, diferente não é para o processo administrativo, pois o princípio da finalidade determina que os atos processuais sejam praticados sempre com o intuito de atingir uma finalidade pública, ou seja: “[...] vale considerar o princípio da finalidade, o qual afirma que o administrador deve buscar sempre o fim específico da norma, que, certamente, será coincidente com a finalidade maior da Administração, ou seja, o bem comum”.349

Nota-se grande inclinação da doutrina, especialmente nos ensinamentos de Celso Antonio Bandeira de Mello (2010), em atrelar a finalidade administrativa à legalidade, entendida esta por nós como princípio, porém à luz da teoria de Alexy (2008), como se verá mais à frente. Veja o que diz Celso Mello (2010):

[...] Em rigor, o princípio da finalidade não é uma decorrência do princípio da legalidade. É mais que isto: é uma inerência dele; está nele contido, pois corresponde à aplicação da lei tal qual é; ou seja: na conformidade de sua razão de ser, do objetivo em vista do qual foi editada. Por isso se pode dizer que tomar uma lei como suporte para a prática de ato desconforme com sua finalidade não é aplicar a lei; é desvirtuá-la; é buscar a lei sob o pretexto de cumpri-la.350

348 VIEIRA, Gabriel Antonio de Abreu. Os princípios da legalidade, juridicidade e supremacia do interesse público, parâmetros de controle administrativo e jurisdicional: um exemplo concreto na decisão da ADPF nº 1/DF. In: ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI, 19., 2010, Florianópolis. Anais... Florianópolis: Fundação Boiteux, 2010. p. 2167.

349 PARAHYBA, Andrea Joffily. Os conceitos jurídicos indeterminados e a discricionariedade administrativa no estado democrático de direito. In: ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI, 19., 2010, Florianópolis.

Anais... Florianópolis: Fundação Boiteux, 2010. p. 2009.

350 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 106.

Odete Medauar (2010) cita que Helly Lopes associa a impessoalidade ao principio da finalidade, daí decorrendo o atendimento ao interesse público, ficando o administrador impedido de buscar interesses próprios ou de terceiros.351 Medauar (2010) trata o princípio da finalidade como princípio da impessoalidade, afirmando que há intrínseca relação entre a impessoalidade, a moralidade e a publicidade – a aplicação de um sempre reflete a observância dos outros dois.352

Analisando a Lei 9.784/99, vê-se que o princípio da finalidade é colocado como um dos princípios de observância obrigatória pela Administração Pública, sendo compulsório na sua aplicação o uso do critério do “[...] atendimento a fins de interesse gerais vedados a renúncia total ou parcial de poderes ou competência, salvo autorização em lei”.353

Desta forma, este princípio é o preceptivo contido na Lei 9.784/99 que trata dos interesses da coletividade. Tem por objetivo, pelo exposto, contribuir com a maioria dos indivíduos da sociedade, tendo o Estado papel relevante em tal desiderato, pois sua criação visa garantir, no processo, que a Administração cumpra os interesses gerais da sociedade.

Inerente ao princípio da finalidade é a ideia de interesse público, tendo a supremacia deste o status de princípio, quer decorrente da interpretação do texto constitucional, sendo implícito neste, quer de forma explícita ao ser previsto como princípio explícito no caput do art. 2º da Lei 9.784/99, tendo como critério de aplicação a objetividade no seu atendimento, sendo vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades.354

Problemático é o ato de se conceituar com precisão o que seja interesse público, pois tal expressão é um conceito jurídico indeterminado, o qual precisa ser completado com informações extraídas do convívio social, realidade para definir, pelo menos a priori, o seu conteúdo. Tratar-se-á também do conceito de interesse público no próximo capítulo, adianta- se, de pronto, que tal expressão não tem precisão semântica definida, aproximando-se da expressão interesse geral. Tais expressões assemelham-se quanto à deficiência de se encontrar um real sentido jurídico para si.355

351 MEDAUAR, Odete. O direito administrativo moderno. 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 129-130.

352 Ibid., p. 129.

353 Art. 2º, inciso II, da Lei 9.784/99: “II - atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei”.

354 Art. 2º, inciso II, da Lei 9.784/99: “III - objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades”.

355 Sobre a discussão doutrinária acerca do conteúdo da expressão interesse público, veja-se: ÁVILA, Humberto Bergmann. Repensando o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular. In: SARLET, Ingo Wolfgand (Org.). O direito público em tempos de crise. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 99- 127; BINENBOJM, Gustavo. Da supremacia do interesse público ao dever de proporcionalidade: um novo

Contudo, existe um conteúdo essencial capaz de caracterizar o que seja interesse geral, capaz de delimitar a sua natureza, assemelhando-o ao interesse público. Pode-se afirmar que o interesse geral seria o resultante de uma interpretação conjunta da própria Constituição com o restante do ordenamento jurídico, já que a Carta Magna não regula apenas aspectos públicos, mas também aspectos privados destes interesses,356 consistindo em uma fusão ideal de interesses de todas as pessoas concomitantemente e de cada uma delas separadamente.

Como o escopo do presente tópico é saber se tais normas são princípios de acordo com os ensinamentos de Alexy (2008), pode-se afirmar que tanto o princípio da finalidade quanto o princípio do interesse público são mandamentos de otimização, não expressando deveres definitivos, mas sim deveres prima facie, cujo conteúdo definitivo somente é fixado após sopesamento com princípios com os quais colidem.

Tais princípios não são absolutos, não são aplicáveis sob o argumento do tudo ou nada. Devem eles ser ponderados, aplicados em um escalonamento gradativo, pois a possibilidade de ferimento a outros interesses além do público são inesgotáveis. O abuso estatal ocorre quase diariamente. Não se pode concluir que o seu cumprimento se identifique com o bem comum.

Embora Humberto Ávila (2007) tenha um acepção de princípio como norma diferente de Alexy (2008), percebe-se que há a possibilidade de ponderação do interesse público ao afirmar que:

[...] Não se está a negar a importância jurídica do interesse público. Há referências positivas em relação a ele. O que deve ficar claro, porém, é que, mesmo nos casos em que ele legitima uma atuação estatal restritiva específica, deve haver uma ponderação relativamente aos interesses privados e à medida de sua restrição. É essa ponderação para atribuir máxima realização aos direitos envolvidos o critério decisivo da atuação administrativa. E antes que esse critério seja delimitado, não há como cogitar sobre a referida supremacia do interesse público sobre o particular.357

Assim, torna-se indiscutível a questão da possibilidade de ponderação de tais princípios, pois tanto a finalidade pública como o interesse público são passíveis de uma aplicação ponderada de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas em sede de processo

paradigma para o direito administrativo. Revista de direito administrativo, Rio de Janeiro, n. 239, p. 1-31, jan./mar. de 2005; SADDY, André. Conceito de interesse público em um Estado em transformação. Fórum

Administrativo - Direito Público - FA, Belo Horizonte, ano 10, n. 108, p. 29-42, fev. 2010.

356 SANTOS, José Aparecido dos. Construção normativa do interesse público e dever de motivação. In: ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI, 19., 2010, Florianópolis. Anais... Florianópolis: Fundação Boiteux, 2010. p. 2147.

357 ÁVILA, Humberto. Repensando o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular. Revista

Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, n. 11, set./out./nov. 2007. Disponível em:

<http://www.direitodoestado.com/revista/RERE-11-SETEMBRO-2007-HUMBERTO%20AVILA.pdf>. Acesso em: 20 mai. 2012.

administrativo. Como bem leciona Ávila (2007), necessária é a ponderação entre os interesses em conflito para ver qual o grau do interesse público será atingido pela atuação administrativa, não podendo o fim público, em certos casos, comprometer a realização de direitos fundamentais inerentes ao administrado.

Na teoria de Alexy (2008), há uma clara diferenciação entre as normas quanto à sua estrutura (princípios e regras), tornando-se mais nítida quando se considera a regra sobre as colisões de princípios, as quais denominou de “lei de colisão”. Para ele, uma colisão principiológica ocorre, principalmente, nos casos em que estes têm igual peso abstrato ou importância, onde o que vai determinar a resolução da colisão será o estabelecimento de relações de prioridade condicionada entre os princípios colidentes.358

São infinitas as possibilidades de conflito entre um interesse privado e um interesse público ou com a finalidade pública, e só uma fixação de prioridades é que determinará, de forma plausível, qual interesse prevalecerá. Em sua aplicação, os princípios devem ser otimizados segundo a máxima da proporcionalidade, a qual será vista mais à frente, para que se determinem as possibilidades fáticas e jurídicas em que eles devem ser aplicados, de sorte que a operação básica de sua aplicação é a ponderação.359

Ora, o âmbito de aplicação dos princípios da finalidade pública, bem como do interesse público, é em um ambiente de ponderação, pois somente com a verificação das possibilidades fáticas e jurídicas é que se vislumbrará em que grau se dará a sua incidência.

Por último, lembre-se de que nós elegemos a dignidade da pessoa humana e democracia como valores fundamentais que devem ser usados pelo administrador como parâmetros para a ponderação caso haja conflito entre o princípio da finalidade ou do interesse público com outros princípios, não podendo aquele esquecer que tais valores são essenciais à legitimidade da decisão a ser prolatada no âmbito do processo administrativo, por retratar, também, valores escolhidos pelo constituinte originário.