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2 PROCESSO ADMINISTRATIVO E DEMOCRACIA

3.4 Princípios do processo administrativo federal

3.4.3 Princípio da motivação

A motivação de todos os atos praticados em um processo, seja judicial, seja administrativo, encontra estreita vinculação com o princípio republicano. Ela é imprescindível para a concretização de diversas normas constitucionais, ou que dela decorram, como a

358 BUSTAMANTE, Thomas. Princípios, regras e conflitos normativos: uma nota sobre a superabilidade das regras jurídicas e as decisões contra legem. São Paulo: Renovar, 2005. p. 156.

legalidade, a moralidade, a razoabilidade, a isonomia, a impessoalidade, o contraditório, a ampla defesa, havendo uma capilarização em tais normas ao se motivar as citadas decisões.360

Hugo de Brito Machado (2009) fala que a fundamentação ou motivação dos atos administrativos e judiciais é indispensável para efetividade do exercício de direitos em tais searas, sendo um direito fundamental estabelecido na Constituição e independente de qualquer dispositivo infraconstitucional específico.361

Embora tenha havido a tentativa de colocar no texto da Constituição de 1988 a regra da motivação, como princípio constitucional, esta não permaneceu no texto final. Subsistiu apenas a exigência de motivação das decisões administrativas dos tribunais, conforme preceitua o Art. 93, inciso X, da Constituição Federal de 1988. Ressalte-se que motivação não se confunde com motivo, sendo este as “[...] as circunstâncias de fato e os elementos de direito que provocam e precedem a edição do ato administrativo”.362

Sob os ensinamentos de Humberto Ávila e Ari Sundfeld, Germana Moraes e William Paiva (2010) entendem a motivação como princípio diretivo da Administração Pública, sendo “[...] norma de hierarquia superior à das regras, pois determina o sentido e o alcance destas, que não podem contrariá-lo, sob pena de pôr em risco a globalidade do ordenamento jurídico”.363 Germana Moraes e William Paiva (2010) afirmam também que a motivação, em certos casos, pode ceder lugar a outros valores, pois:

[...] É inegável que em certas situações, a motivação do ato administrativo revela-se desnecessária, impossível, impraticável e até mesmo há de ceder ante outros valores igualmente prestigiados pela Constituição, como o direito à intimidade, por exemplo. Entretanto, hodiernamente, com a constitucionalização dos princípios da Administração Pública, que viabilizam o controle pelo Poder Judiciário, também de aspectos não vinculados dos atos administrativos, não mais se sustenta a exclusão dos atos discricionários - apenas por ostentarem esta característica de serem praticados ao alvedrio do administrador público, da obrigatoriedade de motivação clara, congruente, tempestiva e explícita. 364

Na Lei nº 9.784/99, o princípio da motivação é previsto no Art. 2º, caput, havendo, no parágrafo único, inciso VII, exigência de indicação dos pressupostos de fato e de

360 TAGILARI. Carlos Agustinho. Os princípios e a construção da norma jurídica tributária. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cp041062.pdf>. Acesso em: 29 mai. 2012. p. 98. 361 MACHADO, Hugo de Brito. Direitos fundamentais do contribuinte e a efetividade de jurisdição. São

Paulo: Atlas, 2009. p. 51.

362 MEDAUAR, Odete. O direito administrativo moderno. 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 143.

363 MORAES, Germana de Oliveira; MARQUES JÚNIOR, William Paiva. O aspecto instrumental do princípio da motivação administrativa. In: CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI, 19., 2010, Florianópolis.

Anais... Florianópolis: Fundação Boiteux, 2010. p. 3056.

364 MORAES, Germana de Oliveira; MARQUES JÚNIOR, William Paiva. O aspecto instrumental do princípio da motivação administrativa. In: CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI, 19., 2010, Florianópolis.

direito que determinarem a decisão. Além de tais previsões, o Art. 50 da mesma lei estabelece várias hipóteses em que se exige a motivação, determinando inclusive a forma como ela deve se dar no processo administrativo.365

Entende-se que há bastante proximidade entre a legalidade e a motivação prevista no caput, do Art. 2º da Lei nº 9.784/99. Tal aproximação decorre de que sempre a fundamentação de determinado ato em um processo administrativo deve estar pautada em uma norma, quer escrita, quer oriunda de uma interpretação constitucional, decorrendo à prática de ato no processo sem fundamentação, com motivação obscura ou incongruente, a nulidade daquele. Tal vinculação faz com que o ente público motive e fundamente suas decisões, tanto do ponto de vista normativo, quanto do ponto de vista fático, tendo por objetivo convencer o administrado do acerto da providência, para possibilitar àquele a insurgência em face da decisão.366

Embora Germana Moraes e William Paiva (2010) afirmem a possibilidade de ponderação da motivação, entendendo-a como princípio,367 percebe-se que tal norma, no âmbito do processo administrativo, refere-se a uma regra abordada pela teoria de Alexy (2008), e não a princípio. É imprescindível, no processo administrativo, que todos os atos praticados no processo, bem como todas as decisões decorrentes, sejam fundamentados. A motivação não comporta ponderação com outra norma no processo administrativo, não permitindo, ainda, que ela seja realizada em graus conforme as possibilidades fáticas e jurídicas presentes.

Afirma Virgílio Afonso da Silva (2003), citando Friedrich Müller, que a norma não é apenas o produto da interpretação do texto, sendo aquela apenas a parte inicial de um processo mais complexo, resultando em um produto da interpretação de um sinal linguístico,

365 Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: I- neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses; II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções; III - decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública; IV - dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório; V - decidam recursos administrativos; VI - decorram de reexame de ofício; VII - deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais; VIII - importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo. § 1o A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato. § 2o Na solução de vários assuntos da mesma natureza, pode ser utilizado meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que não prejudique direito ou garantia dos interessados. § 3o A motivação das decisões de órgãos colegiados e comissões ou de decisões orais constará da respectiva ata ou de termo escrito.

366 HISSA, Miguel Rocha Nasser. As garantias constitucionais do devido processo legal ante o redirecionamento da execução fiscal ao administrador da empresa. In: CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI, 19., 2010, Florianópolis. Anais... Florianópolis: Fundação Boiteux, 2010. p. 4248.

367 MORAES, Germana de Oliveira; MARQUES JÚNIOR, William Paiva. O aspecto instrumental do princípio da motivação administrativa. In: CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI, 19., 2010, Florianópolis.

quase sempre um texto.368 Analisando o texto do Art. 2º, caput, em conjunto com o Art. 50 da Lei 9.784/99, vê-se que o conjunto de tais normas tem um único comando, qual seja, o dever do administrador de fundamentar todos os atos que pratique no curso de um processo administrativo, sendo, portanto, uma regra conforme a teoria de Alexy já exposta.

A aplicação da regra da motivação pelo administrador se dá através de um processo de subsunção, sendo sua ausência motivo para a anulação do ato praticado no processo ou da decisão final tomada, impedindo que efeitos sejam gerados por ser o produto de tal dever uma parte essencial à formação, quer do ato, quer da decisão.