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As regras de Taylor baseadas em previsões são sempre estabilizadoras?

A regra de Taylor tem sido amplamente utilizada como mecanismo analítico adequado para formalizar o comportamento das políticas no quadro de um modelo de equilíbrio geral dinâmico do sector privado. É neste contexto analítico que tem sido analisada a sua capacidade de constituir um quadro de referência das grandezas macroeconómicas face aos objectivos de política.

Os modelos de equilíbrio geral dinâmico formalizam o movimento da economia ao longo do tempo através de um conjunto de expressões analíticas, que resultam directamente de condições de optimalidade respeitantes às decisões de consumo, poupança, investimento e produção tomadas por agentes económicos e empresas representativos. Uma versão extremamente simplificada desta classe de modelo do sector privado pode resumir-se a apenas duas condições sumárias, que exprimem o estado actual da economia privada como funções dos choques actuais e das expectativas em relação ao futuro:

(2) yt = g0 – g1 (it – Et pt+1) + Et yt+1 + et (3) pt = d0 Et pt+1 + d1 (yt – y*) + ut

Em (2) e (3), et e ut são os termos relativos ao erro estocástico e g0, g1, d1>0 e 0<d0<1 são parâmetros dados. A equação (2) postula que as decisões actuais em termos do produto dependem negativamente da taxa de juro real contemporânea (it – Et pt+1) e positivamente das expectativas quanto às condições do produto no futuro, Et

yt+1. Esta situação é coerente com a observação de que um custo real de financiamento mais elevado tem um impacto negativo sobre a produção das empresas, enquanto perspectivas mais favoráveis sobre a produção no futuro encorajam o investimento, expandindo o produto actual. A equação (3) assume que os ajustamentos de preços observados – captados pela inflação verificada pt – reagem às expectativas relativas à inflação esperada e

ao nível observado de utilização de recursos, aproximado pelo desvio do produto, (yt – y*). Esta condição reflecte a hipótese de que as empresas que operam num mercado não perfeitamente concorrencial enfrentam custos quando revêm os preços, de tal forma que, em cada momento, apenas uma parte das mesmas fixa novos preços. Esta fracção tem, pois, um incentivo para considerar a inflação esperada, sabendo que voltar a alterar as decisões actuais sobre preços tem custos. A equação (2) é muitas vezes referida pois ilustra a evolução da procura agregada para uma determinada orientação de política. Pelo contrário, a equação (3) capta o lado da oferta. Ambas as equações são usualmente enriquecidas por uma estrutura complexa de termos desfasados para

yt e pt, que são ignorados, por motivo de simplicidade, na formulação acima apresentada.

Um modelo como o representado nas equações (2) e (3) pode ser “fechado” (isto é, resolvido para as variáveis endógenas relevantes yt e pt) acrescentando uma regra de Taylor, por exemplo, baseada em previsões como a do tipo descrito na equação (1a):

(1a) it = r* + p* + a (Et pt+k – p*)

Como explicado no corpo do texto, os defensores de (1a) salientam as vantagens de fazer com que as decisões de política numa data t reajam à taxa de inflação esperada num horizonte k igual ao desfasamento típico entre a tomada de medidas de natureza monetária e o respectivo impacto na determinação dos preços. Os modelos macroeconométricos existentes – defendem – podem racionalizar um desfasamento na transmissão, k, até dois anos.

Saber se um programa de política baseado numa regra como a representada em (1a) pode constituir uma âncora adequada para as grandezas nominais e reais de uma economia descrita pelas equações (2) e (3), tem atraído crescente atenção nos últimos anos, tanto do ponto de vista teórico como aplicado. No entanto, os resultados nem sempre são encorajadores. Os estudos que utilizam simulações numéricas têm salientado que as regras do tipo (1a), por vezes, acabam por se revelar importantes fontes de instabilidade, na medida em que tornam a

Para avaliar o comportamento de regras simples, como por exemplo, a regra de Taylor, é necessário examinar as respectivas propriedades no contexto de um modelo (ou conjunto de modelos) da economia, como o ilustrado na Caixa I. Além disso, deve ser especificada uma medida de bem-estar da sociedade ou uma função objectivo de política, por forma a permitir a comparação e a classificação dos resultados macroeconómicos associados à utilização de regras de política diferentes 7. Considerar um modelo deste tipo e uma especificação da função objectivo, é então – pelo menos teoricamente – um passo óbvio tentar encontrar uma regra óptima que maximize a função objectivo, em vez de aplicar regras simples, possivelmente subóptimas. Se a regra óptima pode ser calculada a partir de um procedimento de optimização deste tipo, parece então não se justificar a consideração de regras simples, como a de Taylor.

Na verdade, uma abordagem popular para modelizar a política económica nas últimas décadas tem sido o cálculo da trajectória óptima para a fixação dos instrumentos de política, partindo de uma especificação da função objectivo e de um modelo descrevendo o funcionamento da economia. Esta abordagem baseia-se no pressuposto de que existe um modelo da economia no qual as variáveis de política relevantes, tais como, a inflação e o produto, respondem às medidas de política, de acordo com um padrão de reacções conhecido. Como tal, os bancos centrais deveriam aplicar a trajectória intertemporal óptima do instrumento de política derivada do modelo, nomeadamente a trajectória intertemporal da taxa de juro de

economia alvo de revisões arbitrárias das expectativas que não são justificadas pelos fundamentos estruturais do sistema, representados pelas preferências e pelas tecnologias. A probabilidade de encontrar estes problemas de instabilidade aumenta com a duração do horizonte escolhido, isto é, com k.

Em última instância, a origem da instabilidade tem duas vertentes. Primeiro, se as projecções pontuais da inflação se revestem de um grau significativo de incerteza (como é possivelmente o caso nos exercícios concretos de previsão), que cresce com o alargamento do horizonte de previsão, a elevada sensibilidade das políticas em relação a estas previsões (e respectivas revisões) pode induzir a uma volatilidade excessiva dos resultados da inflação e do produto. Segundo, a instabilidade pode resultar de um problema mais geral, que tipicamente afecta os sistemas – assim como as economias – cujo estado actual depende, de forma crucial, das expectativas sobre o seu estado no futuro. Como existem geralmente diversos processos de formação de expectativas, é possível que os choques sobre as expectativas – mesmo sem qualquer justificação em variações nos fundamentos – gerem diferentes estados plausíveis da economia na actualidade. As regras que ligam as medidas de política às previsões tornam o estado actual da economia especialmente sensível às alterações das expectativas e, como tal, tornam o sistema vulnerável a este tipo de multiplicidade. A instabilidade surge do facto de, nestas circunstâncias, não estar inteiramente determinada a forma como o sistema pode responder a choques exógenos, como por exemplo, et ou ut nas equações (2) e (3).

Em conclusão, as propriedades estabilizadoras das regras de tipo Taylor, tais como (1a) deterioram-se em resposta a certos acontecimentos. Mesmo não considerando todos os problemas de informação e eficiência, discutidos no presente artigo, a capacidade dessas regras para constituir a âncora que a economia necessita para estar firmemente ligada aos objectivos de política pretendidos, pode depender da ausência de choques desestabilizadores sobre as expectativas. A economia pode, pois, necessitar de uma âncora que uma política do tipo Taylor, representada em (1a), parece incapaz de oferecer.

3 Regras de optimização

7 Ver, por exemplo, a análise de regras do tipo Taylor nos diversos modelos contidos em John Taylor (1999): “Monetary policy rules”, NBER Conference Report, University of Chicago Press.

curto prazo que maximiza uma determinada especificação da função objectivo de política. Essa trajectória deveria produzir um resultado macroeconómico que, por construção, seria preferível a qualquer outro cenário alternativo de política.

Na sua forma canónica, esta abordagem traduz-se na resolução de um problema comum de optimização com restrições, no qual as equações do modelo que sintetiza a dinâmica do sistema actuam como restrições. A solução analítica para este procedimento produziria uma fórmula de reacção bastante complexa, na qual o instrumento de política seria expresso como uma função de todas as variáveis de estado que figuram no modelo. Desta forma, a “melhor” medida de política tornar-se-ia contingente em toda a história de choques relevantes para a política monetária, de acordo com a estrutura do modelo.

Mais recentemente, ocorreram novas tentativas na literatura para aplicar esta abordagem de optimização ao problema da concepção da política monetária, num contexto institucional baseado em regras. Nesta versão mais recente, é atribuído ao banco central o objectivo de minimizar o desvio entre a taxa de inflação num determinado horizonte fixo projectada pelo modelo e um objectivo pré-definido. Esta literatura utiliza a noção de “função de perda” para representar os objectivos da responsabilidade do banco central. Tipicamente, assume-se que esta função de perda é quadrática, o que significa que as perdas relativamente aos níveis objectivo serão simétricas e crescentes com a dimensão do não cumprimento.

Neste contexto, o elemento de regra é representado pelo compromisso do banco central face a um objectivo de inflação e a um procedimento de optimização – e não a uma regra reactiva directa – que deve ser empregue na prossecução efectiva do objectivo. Este procedimento será de optimização, na medida em que simula um determinado modelo para um conjunto de

trajectórias de taxa de juro alternativas, seleccionando a “melhor”, de acordo com a função de perda assumida 8.

A solução preconizada para um banco central virtuoso e consagrada nas regras de optimização aborda algumas das críticas das regras simples analisadas de forma abstracta na Secção 2. Regras de optimização deste tipo podem representar uma orientação prospectiva e determinada da política, evitando algumas das desvantagens associadas a uma política que reaja mecanicamente a uma previsão específica da inflação (como com uma regra de Taylor baseada numa previsão). Em princípio, esse procedimento pode utilizar os modelos económicos mais modernos para processar a informação e formular decisões de política. Além disso – pelo menos teoricamente – pode assegurar que o conjunto de informação no qual se baseiam as decisões é muito mais amplo do que seria se fossem utilizadas regras simples. Contudo, o tipo de regras de optimização descrito acima – se considerado literalmente e aplicado mecanicamente – em diversos aspectos continua a ser demasiado restritivo em termos dos objectivos de política. Primeiro, o procedimento de optimização, tal como proposto, parece subestimar a necessidade de julgamento na utilização e interpretação de qualquer modelo económico. Segundo, as regras de optimização, de acordo com as quais os bancos centrais têm que seleccionar uma trajectória de política que assegure que as projecções das variáveis alvo são compatíveis com os respectivos objectivos em horizontes predeterminados, condicionam desnecessariamente o horizonte temporal relevante em termos de política. Dado que o desfasamento da transmissão é variável, é difícil determinar o horizonte relevante para a trajectória de projecção. Além disso, tipos diferentes de modelos captam elementos diferentes do mecanismo de transmissão e

8 Ver, por exemplo, Lars E. O. Svensson (1999): “Inflation tar-geting as a monetary policy rule”, Journal of Monetary Economics 43.

são relevantes em horizontes temporais diferentes. Em tais circunstâncias, o facto de limitar a atenção a um horizonte de projecção específico, pode induzir a reacções “miopes”, cujos efeitos podem ter que ser contrariados posteriormente, com custos associados em termos de instabilidade. Terceiro, se as regras ou os procedimentos de optimização forem aplicados período a período, parece não haver um mecanismo que assegure a consistência ao longo do tempo entre as recomendações e as medidas de política daí resultantes. Mais genericamente, as referidas regras ou procedimentos de optimização continuarão provavelmente demasiado restritivas se a concepção da política depender da estrutura de um modelo único qualquer que ele seja. Uma sequência de medidas de política, que pode ser considerada óptima com base num modelo da economia, pode muitas vezes revelar-se associada a maus resultados de política se simulada com base noutro modelo, representando opiniões diferentes acerca do funcionamento do mecanismo de transmissão. Por conseguinte, é necessário utilizar uma variedade de modelos consoante os diferentes objectivos dos bancos centrais e é necessário que coexistam várias modalidades – mais ou menos formais – de interpretar os dados e a evolução económica. Em resultado, se for utilizada uma sequência de modelos e de outros indicadores e se estes forem

complementados e combinados com uma apreciação, torna-se menos clara a forma como a regra de optimização proposta pode ainda ser aplicada enquanto procedimento estritamente codificado. Além disso, qualquer trajectória projectada daí resultante, por si só, conterá apenas informação muito limitada. Nessas circunstâncias, torna-se mais importante compreender os factores subjacentes a uma tal projecção e transmitir a apreciação que fundamenta uma determinada visão do mundo e não outra. Por todas as razões apontadas, as regras de optimização, tal como propostas na literatura académica, embora em princípio sejam exequíveis, continuam a ser insuficientes em termos práticos no sentido restrito de uma regra de política monetária. Em particular, essas regras na sua forma actual não tomam suficientemente em consideração o problema da incerteza do modelo e as suas consequências de longo alcance para os bancos centrais. Isto levou recentemente outro ramo da literatura a considerar diferentes critérios de decisão baseados na noção de robustez das medidas de política e não nos princípios tradicionais de optimização, discutidos com maior pormenor na Caixa 2. Contudo, na fase actual, seria demasiado prematuro tirar quaisquer conclusões gerais desta literatura emergente e alternativa.

Caixa 2