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4 Regras de política monetária e prática dos bancos centrais

Mais genericamente, é necessário reconhecer que todos os modelos económicos, incluindo os usados para discutir e avaliar as regras de política monetária, devido à sua natureza, são uma representação abstracta e incompleta do comportamento dos agentes económicos, podendo apenas captar alguns aspectos particulares da realidade, sendo modelos diferentes úteis para objectivos diferentes. Contudo, a política monetária tem que resistir a diversas formas de incerteza, as quais apenas são captadas de forma muito imperfeita na modelização da economia 9. Em particular, a incerteza quanto ao modelo implica que a política monetária não pode assentar numa qualquer regra de optimização específica de um modelo. Pelo contrário, a tomada de decisões robustas a nível da política monetária tem que ser compatível com perspectivas diferentes da estrutura da economia e do processo de transmissão da política monetária. Mais, a presença de incerteza no modelo, no parâmetro e nos dados – tudo o resto constante – desaconselha um excesso de confiança em regras baseadas em conceitos ou em indicadores (tais como, a taxa de juro real de equilíbrio ou o desvio do produto), os quais podem estar sujeitos a grandes erros de medição e à disputa metodológica.

Em consequência do grau de complexidade e da natureza da incerteza de que se reveste a política monetária, os bancos centrais não conseguem definir em pormenor o problema das decisão de política monetária e transmitir – com um determinado grau de precisão – a sua verdadeira “regra de política” ou a “função de reacção” no sentido estrito dos termos. Tal situação exigiria que o banco central especificasse um plano de contingência completo, descrevendo a definição da política em função de uma lista exaustiva de acontecimentos e circunstâncias possíveis, aos quais os bancos centrais podem reagir no futuro.

Como tal, os bancos centrais que não pretendam comprometer a eficiência e a robustez da política monetária por se vincularem a uma regra simples subóptima ou

a uma regra de optimização específica a um modelo têm apenas a alternativa de considerar uma noção mais lata de comportamento regulado ou baseado em regras (mais do que limitado por regras), como é o caso, por exemplo, de um compromisso para com uma estratégia explícita de política monetária. Esta situação tem vindo a ganhar importância crescente na literatura.

Em termos gerais, é possível definir estratégia de política monetária como o quadro do banco central para a tomada de decisões de política monetária e respectiva explicação ao público. Como tal, a estratégia inclui um conjunto de procedimentos que estruturam a análise da informação e do processo de tomada de decisão pelo banco central, constituindo o quadro no qual é analisada, interpretada e explicada a informação de natureza económica para a tomada de decisões de política monetária. A noção de uma estratégia como quadro ou conjunto de procedimentos difere do conceito tradicional de regra de política monetária.

Embora uma estratégia, como quadro processual, envolva habitualmente – tal como uma regra – a definição do objectivo de política monetária do banco central, não predetermina rigorosamente as medidas de política específicas necessárias para alcançar esse objectivo ex ante. Ao invés, uma estratégia vinculada a um procedimento pode envolver o compromisso de examinar regularmente um conjunto pré-definido de indicadores económicos e quadros analíticos. Um tal procedimento pode estabelecer, em termos latos, os passos a dar para sintetizar e cruzar informações provenientes de diversos indicadores e modelos. Assim, uma “regra para a análise” processual deveria, em geral, estar melhor preparada para tomar em consideração a incerteza acerca da natureza e duração do mecanismo de

9 Ver o artigo intitulado “Decisões de política monetária em contexto de incerteza”, na edição de Janeiro de 2001, do Boletim Mensal do BCE.

transmissão – tal como reflectido em modelos da economia complementares e concorrentes – do que uma “regra de acção” simples ou uma regra de optimização baseada num modelo único.

Em consequência, uma estratégia actuando como quadro processual, permite dar uma maior ênfase à interpretação da evolução económica, à natureza e origem dos choques económicos que afectam os objectivos do banco central e, em última análise, à “história” económica subjacente às suas decisões de política monetária. Assim, uma estratégia constitui um quadro para uma explicação consistente e sistemática das considerações que suportam as decisões de política, em vez de representar a política como uma reacção isolada a indicadores individuais, ou como uma utilização mecânica de um modelo específico.

Na prática, os bancos centrais têm evitado largamente a vinculação a regras de política específicas, diferindo no grau em que têm anunciado uma estratégia explícita. Variam igualmente no grau de precisão, segundo o qual os objectivos são definidos, e na importância atribuída a determinadas referências ou indicadores. A restante parte desta secção analisa sinteticamente os aspectos importantes da estratégia de política monetária do BCE. Assim se ilustra um compromisso com um quadro processual, que pode ultrapassar algumas das limitações e dos riscos associados a assentar em excesso em regras de política monetária estritamente definidas, como se analisou nas Secções 2 e 3.

A estratégia de política monetária do BCE define um quadro sistemático para a política monetária centrado na manutenção da estabilidade de preços a médio prazo. Este quadro pode ser interpretado como baseado em regras, especialmente, no que respeita aos seguintes elementos. Primeiro, a estratégia inclui um compromisso claro face à variável objectivo, ou seja, o objectivo primordial da estabilidade de preços. Segundo, a estratégia define um “quadro de

análise”, sob a forma de uma regra processual, o que envolve um compromisso prévio relativamente a analisar e a explicar a política de forma sistemática e estruturada. Terceiro, a utilização de valores de referência e de “indicadores” para uma análise mais aprofundada está, em certa medida, presente na estratégia do BCE. Isto refere-se, nomeadamente, à função do valor de referência monetário numa análise mais lata conduzida no quadro do primeiro pilar. Por último, a estratégia pode igualmente ser interpretada como definindo, em termos latos, os principais aspectos de política resultantes do quadro processual de análise. Neste contexto, a estratégia, em conjunto com uma explicação contínua das decisões de política monetária tomadas no seu quadro, deverá permitir ao público, ao longo do tempo, acompanhar e antever a forma como a política monetária reage sistematicamente a dados e a indicadores observáveis.

A estratégia de política monetária do BCE no seu todo pode ser vista como abordando algumas das principais dificuldades das regras simples e de optimização assentes em modelos, identificadas nas secções anteriores, nomeadamente, a necessidade de eficiência na informação, de uma âncora nominal em todas as circunstâncias e de robustez.

Primeiro, a estratégia constitui um quadro que assegura uma utilização eficiente e uma estruturação efectiva de toda a informação necessária à tomada de decisões de política monetária destinadas a manter a estabilidade de preços a médio prazo. O conjunto de informação relevante estende-se claramente para além das variáveis que são tipicamente incluídas nos objectivos monetários simples ou em regras do tipo Taylor. Por exemplo, variáveis financeiras, tais como, taxas de rendibilidade das obrigações, preços dos activos (incluindo taxas de câmbio), evolução do crédito e posições do balanço, fornecem informação adicional útil à política monetária. Do mesmo modo, diversos indicadores de confiança e inquéritos, assim

como a evolução orçamental e do mercado de trabalho, são regularmente examinados. Um volume tão pormenorizado e vasto de informação não pode ser reduzido ou totalmente captado por alguns indicadores sintéticos simples, semelhantes aos que são normalmente contemplados nas regras de reacção simples.

Neste contexto, a orientação a médio prazo da estratégia de política monetária do BCE implica igualmente que a política não reage a uma previsão num determinado horizonte fixo (à semelhança do que aconteceria com uma regra simples baseada em previsões). Pelo contrário, todo o processo de transmissão ao longo de vários anos e a natureza dos choques que influenciam a evolução dos preços devem ser tomados em consideração ao decidir a resposta de política monetária adequada. Mais genericamente, o enfoque a médio prazo reconhece a presença de diferentes canais de transmissão que afectam a evolução dos preços com desfasamentos longos, variáveis e incertos. O crescimento monetário está particularmente associado à inflação num horizonte a médio, longo prazo.

Segundo, o compromisso claro de manutenção da estabilidade de preços a médio prazo constitui uma âncora nominal estável para a economia em todas as circunstâncias. O papel proeminente da moeda na estratégia do BCE constitui uma salvaguarda adicional, que não se encontra presente nas Regras de Taylor habituais. Terceiro, a estrutura de dois pilares da estratégia de política monetária do BCE toma explicitamente em consideração a necessidade de robustez nas decisões de

política monetária10. O BCE, reconhecendo a existência de modelos diferentes da estrutura da economia e a natureza do mecanismo de transmissão da política monetária, decidiu organizar a sua análise em dois pilares. O primeiro pilar representa um grupo de modelos e de quadros analíticos que incluem uma perspectiva para a determinação do nível dos preços que atribui um papel importante à moeda. O segundo pilar abrange um conjunto de modelos alternativos do processo de inflação, com predominância dos que salientam a interacção entre a oferta e a procura nos mercados do trabalho e do produto.

A estrutura de dois pilares reduz o espaço de manobra, uma vez que torna mais difícil aos decisores de política não considerarem ou ignorarem sinais contraditórios (como pode acontecer com um mecanismo sintético único, como uma previsão de inflação única). Os dois pilares da estratégia representam um compromisso para que as decisões de política monetária tenham sempre em consideração e se baseiem numa análise cuidadosa de um conjunto vasto de variáveis de informação no quadro de ambos os pilares da estratégia. Além disso, se existirem diversos modelos plausíveis da economia (ou, mais genericamente, abordagens de modelização), a tomada desse facto em consideração é provavelmente preferível a escolher aleatoriamente uma política de “optimização”, sugerida por uma aborda-gem com base em modelos específica e isolada.

10 Ver o artigo intitulado “Os dois pilares da estratégia de política monetária do BCE”, na edição de Novembro de 2000, do Boletim Mensal.