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2.2 A agricultura familiar, a agroindústria canavieira e o agronegócio: relações

2.2.3 As relações antagônicas

O modelo produtivo adotado pelo agronegócio brasileiro tem sido considerado como símbolo da modernidade medido pelos altos índices produtivos, porém causa a exclusão social e expropriação dos povos do campo decorrente da alta concentração de terra e de renda. Já a agricultura familiar produz uma ampla diversidade de alimentos que abastece o mercado interno e tem outra dinâmica com a terra e, por conseguinte outros elementos que compõe um processo de identificação social através da cultura local que são transmitidos de geração a geração.

Assim a demandas por terras têm gerado conflitos entre essas categorias sociais. No Brasil de modo geral o sistema adotado para distribuição de terras gerou intensas desigualdades sociais, principalmente no Nordeste. No município de Pedro Velho, os agricultores familiares são vítimas desse

processo. As melhores e maiores áreas estão à disposição do agronegócio para a exploração da bovinocultura de corte e do cultivo da cana-de-açúcar. Podemos identificar essa constatação relacionada às áreas dos estabelecimentos nos registros do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural – SICAR foram realizados 163 Cadastros Ambientais Rurais – CAR, em todo o município, isso nos possibilita conhecer as áreas dos estabelecimentos existentes.

Podemos observar que 89% das propriedades cadastradas até fevereiro de 2019, têm de 0 a 100 hectares, 10% tem de 100 a 500 hectares e 1% têm de 500 a 1000 hectares, ou seja, as áreas menores são quantitativamente superiores em número de estabelecimentos, porém em termos de extensão a porção menor de propriedades é inversamente maior. As propriedades maiores exploram o cultivo de cana-de-açúcar e a bovinocultura de corte. Atividades exploradas pela agroindústria canavieira e pelo agronegócio. Disposto no gráfico nº 01, a seguir.

GRÁFICO 1. – Estabelecimentos agropecuários cadastrados no SICAR

Elaboração: E. C. dos Santos. Fonte: SICAR, 2019.

A área representada por 1% desse total corresponde a um estabelecimento agropecuário com 974,071 hectares, comparativamente

89% 10%

1%

Área de estabelecimentos com CAR

0 a 100 hectares 100 a 500 hectares 500 a 1000 hectares

podemos dizer que dentro desta área caberiam em torno de 94 estabelecimentos com perfil do grupo “B” dos agricultores pronafianos, que dispõe de área média de 10,26 hectares (AQUINO E LACERDA, 2014). Esta área explora a monocultura da cana-de-açúcar. Dentre os estabelecimentos cadastrados, até o momento este pode ser considerado o maior estabelecimento do município em extensão.

A concentração de terras em Pedro Velho reflete o que se configurou em todo o Nordeste brasileiro. Nesse aspecto refletimos que neste mesmo espaço é desenvolvida a produção das culturas de feijão e milho em áreas arrendadas pelos agricultores familiares. Essas culturas agrícolas são consideradas de baixo valor comercial e são destinadas ao abastecimento do mercado interno. Mas certamente, o valor social da agricultura familiar tem relevância para o abastecimento alimentar do país de modo geral, devendo haver maiores investimentos para desenvolvimento desta categoria, principalmente na região Nordeste, região mais afetada por intempéries climáticas e com maior número de vulneráveis do país.

Logo a problemática da concentração de terras que se afirma nestes dados que é fruto de um processo histórico estabelecido na formação deste território que contribuiu fortemente para o cenário atual. Podemos indicar um processo de invisibilidade social, explicado pelas marcas profundas devido à relação de subservidão secular desenvolvidas em toda história do lugar.

Porém, alguns dos aspectos destacados neste capítulo poderão nos guiar a uma análise mais aprofundada do contexto pesquisado que inseri diretamente as famílias rurais e o ofício de agricultor (a) na metodologia adotada, como veremos no capítulo a seguir.

3 A FAMÍLIA RURAL E O OFICIO DE AGRICULTOR (A)

Neste capítulo analisaremos a família rural compreendida como unidade produtiva que exerce intensa influencia sobre a construção, manutenção e transmissão de saberes condicionantes do exercício prático do ofício de agricultor (a), tendo esse núcleo familiar como ponto de partida dessa análise, considerando que é a partir das relações estabelecidas no seio familiar que se constituem os valores, crenças e saberes cultivados e mantidos através de várias gerações e nisso se apóia a reprodução familiar sob os aspectos social, econômico e cultural.

É necessário descrever as funções principais da família tais como a reprodução social que inclui a procriação, a economia familiar, promover o equilíbrio emocional e psicológico; organizar, estimular a sociabilidade e transmissão de valores e códigos culturais. Assim compreender as estruturas que alicerçam a permanência das famílias em um ambiente muitas vezes hostil. Será possível a sobrevivência da família campesina no futuro? Qual a sua situação no momento? Para isso pretendemos entender como as famílias rurais se organizam. Quais as estratégias para promover a manutenção familiar e o desenvolvimento do ofício profissional de agricultor? Por que as famílias rurais desenvolvem vínculos distintos de pertencimento com o lugar? E todos esses elementos se interligam através da agricultura?

A família se constitui como uma organização complexa, historicamente descontinua, com padrões distintos e em transformação constante, sendo fruto de construção social e não natural. Segundo Levi-Strauss (1986, apud OLIVEIRA, 2009, p.2) afirma que:

É de acordo com o contexto social, em cada sociedade e em cada época histórica, que a vida doméstica passa a assumir determinadas formas específicas, evidenciando que a família não é instituição natural, mas reforçando a compreensão de que ela é socialmente construída de acordo com as normas culturais.

Não há um modelo predeterminado de família, no entanto, em períodos históricos predominou um perfil mais aproximado de família independente de

sua estrutura e de vínculos, um modelo socialmente construído baseado no matrimônio.

Descrito por Santos:

Família é um grupo de pessoas composta de pais e filhos, apresentando uma certa unidade de relações jurídicas, tendo uma comunidade de nome e domicílio e fortemente unido pela identidade de interesses e fins morais e materiais, organizado sob a autoridade de um chefe, o pater famílias” (1974, p. 147)

Esse perfil descreve um período histórico onde a figura paterna prevalece e a unidade familiar tem uma composição mais complexa. Contemporaneamente, percebe-se que não há definição de um perfil e nem modelo de família que caracterize a sociedade brasileira. No entanto, destacamos o crescimento de famílias monoparentais chefiadas por mulheres.

Os padrões de família estabelecidos em cada sociedade atendendo a distinções culturais sofreram e sofrem modificações constantes, não tendo, portanto, uma trajetória linear. Roussel (1995) revela que as mudanças da família medieval para a moderna, em todas as classes sociais, só ocorreu a partir do século XVIII. Iniciou-se, então, um processo geral da separação entre o público e o privado, com ênfase na intimidade familiar. As diferentes composições familiares são objeto de estudos antropológicos e sociológicos em todo o mundo, considerando as pequenas e grandes sociedades, em diferentes níveis de complexidade. Segundo Georgas (2003, p.4 apud FACO, 2007, p. 25):

Dois conceitos são empregados por antropólogos e sociólogos na discussão da família: estrutura e função. A estrutura refere-se ao número de membros e sua posição como mãe, pai, filho, filha, avô, avó, tios e tias, primos e outros parentes. A função descreve como as famílias satisfazem suas necessidades físicas e psicológicas na manutenção e sobrevivência da família como grupo, como por exemplo, enfatizando a procriação ou a transmissão de valores.

Nesse sentido, a família assume dupla conotação dada à relevância da perpetuação de todo o aparato de saberes que se constitui no bojo familiar. E tem se intensificado os estudos para analisar essa conjuntura da composição e formação dos grupos sociais. No caso do Brasil, não houve uma padronização na estruturação da família, devido o processo de colonização de povos

diversos com culturas distantes. Os africanos que vieram para o Brasil por volta de 1500 a 1850 trouxeram vários tipos de organizações familiares: matriarcal, patriarcal, poligamia, entre outros. “Já os ibéricos, apresentaram um modelo tradicional, caracterizado por um sistema patriarcal”. (FACO, 2007, p. 15).

Logo não se conseguiu estabelecer no início um modelo de família na sociedade brasileira. Por um determinado período predominou o modelo patriarcal hierarquizado, tendo a figura do pai como chefe da família, responsável pela manutenção e disciplina familiar. A esposa e filhos cabiam obediência e submissão.

Apesar das modificações acentuadas na estrutura social, a família contemporânea tem como características, pessoas ligadas por laços afetivos, religiosos, econômicos e jurídicos. Porém mudanças vêm ocorrendo na composição familiar, em razão da regulamentação jurídica do casamento entre pessoas do mesmo sexo em alguns países, inclusive no Brasil. Isso não se configura regra universal, várias culturas mundo afora permitem o casamento poligâmico como estruturante a formação familiar e se versam sobre outras proibições.

A família contemporânea no Brasil tem sido constantemente descrita pelos dados censitários demográficos que alicerçam os estudos de diversas áreas de interesse, que dão ênfase ao panorama atual das mudanças históricas e os principais elementos que têm suscitado essas alterações estruturais na organização familiar, o IBGE aponta que:

A temática da família sempre foi preocupação de demógrafos, sociólogos, antropólogos e historiadores. As mudanças que têm ocorrido no seu interior, quanto a sua forma de organização e níveis de reprodução, têm sido observadas e apontam para uma diversidade maior em relação aos tipos de famílias. A esperança de vida aumenta cada vez mais, mas, por outro lado, as taxas de fecundidade diminuem. As famílias atuais passam a ter mais avós e netos. Os arranjos familiares são menos tradicionais, cresce o número de uniões consensuais e, com o aumento dos divórcios, há também um crescimento significativo das famílias reconstituídas, nas quais os filhos podem ser apenas de um dos cônjuges. Outro efeito conhecido das separações e dos divórcios é o aumento do número de crianças que crescem em famílias monoparentais. Em relação à economia doméstica, muitos casais têm optado por se estabelecer no mercado de trabalho antes de decidir ter filhos. Consequentemente, a postergação da fecundidade feminina gera mudanças nos padrões da organização da família.(2010, p.64)

Nessa perspectiva há uma pluralidade entre os tipos de famílias existentes, e as mudanças ocorridas apontam para a redução do número de membros nas famílias brasileiras. No período entre 1981 e 1990, o número de membros na família diminuiu de 4,5 para 4,1 tanto na área urbana como rural, embora ainda seja comum encontrar famílias constituídas por maior número de pessoas na área rural (RIBEIRO et al., 1998). Trouxemos o levantamento da série histórica da taxa de fecundidade que explica melhor essa diminuição.

GRÁFICO 2 – Serie histórica de taxa de fecundidade no Brasil,1991, 2000 e 2010.

Elaboração: E. C. dos Santos. Fonte: IBGE, 2010.

Dados demográficos referentes à taxa de fecundidade, que é o calculo do número médio de filhos que uma mulher deverá ter ao terminar o período reprodutivo (15 a 49 anos de idade) revelam um decréscimo continuo nas séries levantadas, em 1991 era de 2,88 filhos, passando para 2,37 em 2000, e 1,89 (2010) (figura 3); sendo que no campo essa taxa é um pouco maior (2,59) que na área urbana (1,78) para o ano de 2010. O que afeta diretamente a estrutura produtiva da agricultura familiar, a qual encontra na família a unidade produtiva. Logo, percebem-se alterações demográficas importantes e com resultados na produção no campo, seja pela diminuição da taxa de fecundidade no meio rural, evidenciando as mudanças ocorridas nesse contexto demográfico que aponta para a necessidade de analisar a atual estrutura da família rural e de como essas modificações interferem diretamente sobre a reprodução social. Contemporaneamente há diversas formas de família, com diversas configurações possíveis, nucleares ou extensas, monoparental ou

conjugal, enfim são grupos familiares socialmente construídos que assumem posições bilaterais e isonômicas entre pais e filhos com definição mais ampla em seus papéis.