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As relações das redes narcotraficantes com atividades políticas e

4. A CONFIGURAÇÃO DO NARCOTRÁFICO NA REGIÃO AMAZÔNICA:

4.9 As relações das redes narcotraficantes com atividades políticas e

O funcionamento das redes narcotraficantes na Amazônia Continental depende não só de seus relacionamentos com grupos praticantes de outras atividades ilícitas, mas também de sua interação com atividades políticas e econômicas do mundo legal e informal. Na bibliografia pesquisada abundam exemplos de investigações policiais e processos judiciais que atestam relacionamentos comprometedores entre redes narcotraficantes, políticos e grandes empresários182.

A eventual inserção de redes narcotraficantes na vida social de municípios da Amazônia Continental depende de vários fatores, entre eles: as características físicas da localidade, já que suas particularidades geográficas e climáticas podem ser mais ou menos propícias aos negócios das redes narcotraficantes; a forma de ocupação das terras e o processo de urbanização que determinam a disponibilidade de mão-de-obra (principalmente desempregados, subempregados e trabalhadores informais183) ao narcotráfico; por fim, os costumes políticos e sociais da localidade que influenciam a

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Ver outras conseqüências da violência da guerra civil colombiana em 5.9, pp. 115-7.

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MARULANDA, 2004, p.32.

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Ver exemplos de investigações sobre o envolvimento de políticos e empresários com o narcotráfico e o crime organizado em: GEFFRAY, 2002; GOUVEIA & SANTOS, 2000; MACHADO, 2002;

MARULANDA, 2004; NAÍM, 2003; RODRIGUES, 2003; SCHONENBERG, 2002; IZQUIERDO, 2000.

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Conforme Machado (2002, p. 157): “deve-se levar em conta que a linha entre o setor informal e o ilegal é muito tênue, como vários analistas já mostraram. Ambos setores estão excluídos de benefícios e direitos e de regras que cubram relações de propriedade”. A autora também discute a influência, para as organizações narcotraficantes, das diferentes formas de ocupação de terras e urbanização na Amazônia colombiana e brasileira.

forma como a comunidade encara as atividades ilícitas, aqueles que delas participam e a inserção delas nas instituições estatais e nos negócios184.

As redes narcotraficantes cooptam e se aproveitam da conivência não só de parte da população de baixo poder aquisitivo. Em diversas localidades da Amazônia Continental, o narcotráfico corrompe as elites econômicas e políticas, assim como agentes do aparelho policial e judiciário185. Na arena política as redes narcotraficantes agem como benfeitoras e protetoras de comunidades (a exemplo da prática estabelecida pelos oligopólios colombianos dos anos 1980). Nesses casos verifica-se que “as atividade ilícitas estão integradas em redes legais mais amplas, aquelas do clientelismo e do reino dos favores” 186. É o tráfico de influência em ação. Os narcotraficantes se imiscuem também na política partidária, financiando campanhas, corrompendo políticos dos altos escalões e até mesmo se elegendo a câmaras legislativas locais e federais187.

Seja abrindo novas firmas, seja subornando e cooptando negócios já existentes, as redes narcotraficantes atuam além da economia ilícita. Onde as redes criminosas se instalaram percebe-se que mesmo negócios legais acabam se envolvendo com e favorecendo a sobrevivência de redes ilegais e de corrupção.

Já foi citada a disponibilidade de mão-de-obra como importante fator para a instalação do narcotráfico na Região Amazônica188. Não apenas há grande contingente de desempregados como trabalhadores do setor informal que precisam de mais de um emprego para sustentar a si e suas famílias.

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Estudando a inserção das práticas de corrupção e participação das populações de comunidades amazônicas no sul do Pará nas mais variadas atividades ilícitas (como narcotráfico e contrabandos) Schonenberg (2002, p. 135) afirma: “O sul do Pará continua a oferecer um ambiente receptivo a todos os tipos de atividades ilícitas, ilegais e criminosas, como tráfico e processamento de cocaína, lavagem de dinheiro por meio de licitações públicas, contratação de advogados suspeitos, contratação de matadores, assim como re-investimento financeiro no mercado negro. Apenas a existência de um amplo consenso político a respeito da legitimidade das práticas corruptas e sua inserção em instituições sociais e religiosas explica a atual dinâmica de trocas políticas, econômicas e sociais” [grifo nosso].

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Um número surpreendente serve como exemplo do grau de prática de corrupção nas corporações policiais na Amazônia Continental. SCHONENBERG (2002, p. 145; nota nº 85) aponta: “O secretário de segurança do Pará estimou durante uma entrevista em 1997 que por volta de 80 por cento de seus homens estavam envolvidos em corrupção ativa ou passiva”.

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SCHONENBERG, 2002, p. 133.

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Procópio (2005, p. 123) explica assim a inserção do crime organizado na Região Amazônica:

“Sem controle, o espaço social amazônico transformou-se, graças à inércia do Estado, em base para o crime organizado. Atrai para si contrabandistas quebrando fábricas de brinquedos, de sapatos e de confecções, entre outros. Promove políticos, dá emprego perigoso e provisório a poucos aumentando o exército dos excluídos que na vida nunca tiveram carteira profissional assinada. [...] Em resumo, o crime organizado enriquece aos seus barões. Reserva ao povo violência e migalhas”.

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Outro fator a promover a inserção das redes narcotraficantes na Amazônia Continental é a facilidade encontrada para a prática da lavagem de dinheiro189. A lavagem de dinheiro é o processo pelo qual as organizações criminosas transformam rendas advindas de suas atividades ilícitas em dinheiro como qualquer outro que pode ser reutilizado pelo crime organizado em transações econômicas legais e mesmo declarado em impostos de renda190.

Uma das formas mais comuns de se “lavar” dinheiro é depositando os lucros obtidos com as atividades ilícitas em diversas contas bancárias como se fossem lucros de atividades comuns. O dinheiro é em seguida alterado para outras formas de pagamento ou transferido para outros bancos, por vezes bancos no exterior, para dificultar rastreamentos sobre a origem do dinheiro. A lavagem de dinheiro do narcotráfico e de outras atividades ilícitas da Região Amazônica é peça chave para entender o funcionamento do negócio do narcotráfico e a integração paralela.