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4. A CONFIGURAÇÃO DO NARCOTRÁFICO NA REGIÃO AMAZÔNICA:

4.3 A era dos oligopólios

Na década de 1980, a Região Andina tornou-se de certa forma o centro do narcotráfico no continente por ser a única fornecedora de cocaína, um dos psicoativos ilícitos mais consumidos nas Américas e no mundo. Analisa-se nesta seção o funcionamento da produção e tráfico desse psicoativo na área que une os Andes à Amazônia Continental no período.

Apontam-se três tipos de atores centrais ao mercado internacional de cocaína nos anos 1980. As funções e localidade desses atores não eram rigidamente definidas, tendo em vista uma das principais características do narcotráfico, sua flexibilidade.

No início da produção estão os plantadores de coca, chamados de cocaleros nos países andinos. Esse primeiro grupo de atores responde pelas plantações de coca e pela primeira etapa de processamento da folha de coca em pasta base142. Nos anos 1980 e início dos anos 1990 as plantações de coca e produção da pasta base se concentravam na Bolívia e no Peru. A pasta base era então escoada à Colômbia, sobretudo em pequenos aviões para o refino em cocaína. O primeiro setor do mercado internacional da cocaína era marcado por uma certa disputa entre os múltiplos cocaleros e lavradores de coca, assim, o setor pode ser considerado competitivo143.

O segundo grupo de atores é aquele responsável pelo envio da pasta-base à Colômbia, pelo refino da pasta em cocaína e subseqüente venda da cocaína aos grupos varejistas na Colômbia ou no exterior. O refino da cocaína e seu transporte para os centros de consumo constituíam etapas bem rentáveis do negócio, exigindo profissionais qualificados. Por suas maiores exigências, essas fases eram dominadas na dedada de 1980 por número restrito de organizações colombianas atuantes principalmente nas cidades de Cali e Medellín. As organizações em Cali e Medellín utilizavam desde funcionários para operações triviais, como vigias, seguranças pessoais, empregados dos

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A pasta base é fabricada a partir da folha de coca ainda nas regiões próximas às plantações para reduzir o volume do produto a ser transportado.

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MACHADO, L. “Drug trafficking and money laundering in the Amazon Region: geoeconomic and geopolitical effects”. Globalization and Drugs Criminalization. Final Research Report on Brazil, China, India and Mexico. Paris: UNESCO/MOST, UNDCP, 2002, p. 158; MARULANDA, 2004, pp. 35, 255, 281-3. Ainda hoje, o plantio da folha de coca para venda aos narcotraficantes aporta várias vantagens aos cocaleros. Em primeiro lugar, o investimento inicial normalmente não é feito pelos agricultores, já que estes recebem as sementes já selecionadas e a garantia da compra da pasta base. Em segundo lugar, as terras cultivadas não precisam ser férteis ou em grande extensão, já que, apesar das exigências climáticas, a produção da folha de coca não necessita de solos férteis. Por fim, a já citada taxa de retorno favorável do plantio da folha de coca quando comparada às lavouras lícitas nos Andes (RIBEIRO, 2000, p. 39).

laboratórios, vendedores de rua, até profissionais especializados, como químicos, administradores de empresas, pilotos de aviões e advogados.

Erroneamente denominadas cartéis, essas organizações formavam na verdade oligopólios narcotraficantes, pois não dominavam com precisão todo o mercado de cocaína nas Américas144. Os famosos oligopólios de Cali e Medellín além de atuar no narcotráfico tinham destacado desempenho político e social. Tais organizações freqüentemente se envolviam em ações beneficentes, financiando obras em igrejas, escolas, clubes, ou investindo em economias locais decadentes. Comumente consideradas organizações com hierarquia rígida, os oligopólios colombianos talvez sejam mais bem retratados como redes direcionadas145 com um núcleo decisório e múltiplas ramificações ou periferias146.

Por fim, toma parte no mercado da cocaína o terceiro tipo de ator, as organizações varejistas de cocaína. Tendo em geral pouca relação com os grupos anteriores do processo, os varejistas agem principalmente nos grandes centros urbanos onde é maior o consumo de cocaína. A ação dos varejistas é marcada por intensas e violentas disputas entre as inúmeras organizações por pontos de vendas e contatos com os traficantes transnacionais. Na década de 1980, os varejistas eram formados por grupos de criminosos que participavam de outras práticas ilegais nos centros urbanos estando dispostos a migrar para o lucrativo negócio de venda de cocaína.

Sumariando, na década de 1980 e início da década de 1990 o mercado internacional de cocaína desenhava-se assim: o plantio da folha de coca e processo da pasta base ocorria na Bolívia e Peru. O refino para a cocaína na Colômbia. Os países vizinhos, Brasil, Equador, Guiana, Suriname e Venezuela serviam como regiões de trânsito. A venda no varejo para os consumidores se dava nas grandes cidades dos EUA, da América Latina e da Europa.

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Esse fato nos foi chamado atenção por Rodrigues. Segundo ele (2003, pp. 56-7): “Em termos

econômicos, um cartel se forma quando um pequeno número de empresas produtoras de um mesmo bem ou serviço se une com a intenção explícita de impor o preço de sua mercadoria; numa situação de oligopólio, os atores também não são muitos, mas isso não implica existência de um acordo para a manutenção de preços. A idéia de cartel da droga suporia que cada grupo narcotraficante fosse constituído como uma gigantesca empresa, com departamentos de cultivo de coca, produção e transporte de pasta base, refino de cocaína, exportação aos centros de consumo, distribuição e venda ao consumidor”.

145 As redes direcionadas são aquelas criadas e comandadas por um centro de organizadores que a utilizam

para propósito específico (cf. 1.7, pp. 21-2), neste caso o transporte da cocaína desde a Colômbia até os grandes centros consumidores em toda a América e Europa.

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Mesmo se considerarmos os oligopólios colombianos da década de 1980 como redes direcionadas, advertimos que sua estrutura era mais centralizada e menos flexível do que das organizações surgidas nos anos 1990 para substituí-los.