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2. AS RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL E A EFETIVAÇÃO DE DIREITO

2.4 As Relações de Trabalho Pós-Constituição de 88

O cenário que permeava a nova Constituição também era diferente do período de exceção que o antecedeu. O país reencontrava o caminho da democracia, ainda em formatação. O desejo de estender direitos, resguardá-los e dar-lhes efetividade, inclusive nas relações de trabalho, são nítidos na nova carta máxima.

Em nenhuma das outras constituições brasileiras encontram-se tantas referências aos temas do trabalho. Da mesma forma, não há outra lei maior na história brasileira que tenha atribuído tantos novos direitos aos trabalhadores como a Constituição Federal do Brasil de 1988.

Referindo-se às mudanças apresentadas, Delgado as descreve da seguinte forma:

Ao lado de todos esses aspectos apontados, a Constituição de 5.10.1988 emergiu, também, como a mais significativa Carta de Direitos já escrita na história jurídico-política do país. Não se conduziu, porém, a nova Constituição pela matriz individualista preponderante em outras Cartas Constitucionais não autocráticas (como a de 1946). Nessa linha, superou a equívoca dissociação (propiciada pela Carta de 46) entre liberdade e igualdade, direitos individuais e direitos coletivos ou sociais. A nova Constituição firmou largo espectro de direitos individuais, cotejados a uma visão e normatização que não perdem a relevância do nível social e coletivo em que grande parte das questões individuais deve ser proposta. Nesse contexto é que ganhou coerência a inscrição que produziu de diversificado painel de direitos sociotrabalhistas, ampliando garantias já existentes na ordem jurídica, a par de criar novas no espectro normativo dominante (2008, p. 126).

A Constituição de 1988 rompe com a linha individualista presente nas anteriores, constituindo-se em uma Carta de Direitos, com valorização de direitos individuais e sociais na medida em que alargou garantias já existentes e criou novas ainda não positivadas. Seguindo seu raciocínio, Delgado cita as principais referências da nova Lei Maior:

Na linha isonômica, que é sua marca pronunciada, igualizou direitos entre empregados urbanos e rurais (art. 7º, caput, CF/88), estendendo a mesma conduta aos trabalhadores avulsos (art. 7º, XXXIV). De par disso, avançou, significativamente, o rol de direitos cabíveis à categoria empregatícia doméstica (parágrafo único, art. 7º, CF/88). Ampliou as proteções jurídicas à empregada gestante, seja através do mais largo prazo de licença previdenciária – 120 dias (art. 7º XVIII, CF/88), seja através da garantia de emprego instituída, com prazo até cinco meses após o nascimento (art. 10, II, “b”, ADCT, CF/88). Ao lado disso, ampliou de um para cinco dias a

interrupção do contrato de trabalho para o pai, no período de nascimento do filho (art. 7º, XIX, e 274 art. 10, § 1º, ADCT, combinados com art. 473, III, CLT). Supriu, ainda, o aviso prévio de oito dias (art. 487, I, CLT), ampliando o prazo para trinta dias (art. 7º, XXI, CF/88). Também estendeu para cinco anos o prazo bienal de prescrição do art. 11, CLT, mitigando os efeitos derruidores do antigo preceito celetista excessivamente restritivo (art. 7º, XXIX, “a”, CF/88). Na temática da extinção do contrato de emprego, a Carta de 1988 caracterizou-se, contudo, por certa perplexidade, não firmando conduta definitiva sobre o tema. Estendeu o FGTS, como visto, a todo empregado (art. 7º, III, CF/88), ampliando o acréscimo rescisório (art. 10, I, CF/88: fala-se em “multa fundiária”) e minorando, desse modo, os efeitos negativos da dispensa para o empregado. Mas, em contrapartida, extinguiu a velha indenização celetista (art. 7º, I, CF/88; art. 447, caput, CLT), remetendo à legislação complementar a fixação de indenização compensatória (2008b, p. 126-127).

A Constituição Federal de 1988, conforme Flávia Piovesan (1997, p. 55), institucionaliza a instauração de um regime democrático no país e introduz avanços na consolidação legislativa das garantias e direitos fundamentais e na proteção de setores vulneráveis da sociedade brasileira, incluindo aspectos das normas trabalhistas.

Nesta nova Constituição destina-se um espaço para normas gerais que fixam direitos aos trabalhadores, como a proibição da discriminação, observações sobre saúde, proteção à criança e à mulher e garantias de emprego. Também instituem-se normas específicas, como a jornada de trabalho e salário; enfim, efetiva-se nela a tendência de incorporação dos direitos trabalhisas nas Constituições.

Aliás, quanto ao trabalho, e às mazelas muitas vezes sofridas pelos trabalhadores, justificando a necessidade de sua regulação, considera Cecato (2007, p. 351) que na história brasileira o trabalhador se constituiu no maior grupo de pessoas vulneráveis que respondeu pela parte mais árdua na construção de bens e, em contrapartida, não obteve em mesma proporção o direito de consumir, além de estar afastado dos frutos dos meios de produção e, portanto, sujeito a quem os detêm. Desta forma, oferece seu tempo em troca de salários e, em regra, apenas acata, aceita jornadas exaustivas, condições inadequadas e até desumanas de trabalho, inclusive forçado, tornando-se um objeto no processo de produção.

A Constituição Federal Brasileira de 1988 demonstra o interesse do Legislador Constituinte em inserir no texto temas de Direitos Humanos. A constituição de Estado democrático de direito,80 a manifestação expressa da prevalência dos direitos humanos81 e a cooperação dos povos para o progresso da humanidade,82 são exemplos desta situação explicitada no artigo 5º, conforme Flávia Piovesan:

Para o estudo das relações entre a Constituição de 1988 e o Direito Internacional dos Direitos Humanos, também de extrema relevância é o alcance da previsão do art. 5°, parágrafo 2° da Carta de 1988, ao determinar que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte (1997, p. 71).

As incursões dos temas de Direitos Humanos em nossa Constituição são, ainda segundo a autora, “o aceite do Brasil da idéia contemporânea de globalização dos direitos humanos, bem como da idéia da legitimidade das preocupações da comunidade internacional no tocante à matéria” (1999, p. 28).

Referindo-se especificamente aos direitos dos trabalhadores, inserido na Carta Magna nos Direitos Sociais, Título II, em seu Capítulo II, que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais, apresentam-se de forma detalhada os preceitos para as relações de trabalho, o que, segundo Cecato,83 não garante a sua aplicação de forma efetiva.

Tendo o Brasil adotado como parâmetro constitucional a incorporação de tratados internacionais em seu ordenamento jurídico, aceitando, conforme Flavia Piovesan,84 “a cristalização da idéia de que o indivíduo deve ter direitos protegidos na esfera internacional, na condição de sujeito de direito”, é importante que o país contemple em suas normas internas o conjunto de tratados elaborados pelos organismos internacionais dos quais participa, no caso específico a OIT.

80 Artigo 1º – A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e

municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana.

81 Constituição Federal, art. 4°, II. 82 Constituição Federal, art. 4°, IX.

83 “...há que se reconhecer que a Constituição brasileira é, sem sombra de dúvidas, uma das mais

detalhadas do mundo. Tal característica não garante, entretanto, a sua efetiva aplicação” (CECATO, 2007).

84 Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/flaviapiovesan/flavia88.html>. Acesso

A organização dos trabalhadores também recebeu atenção do legislador constituinte.85 Os sindicatos obtiveram a possibilidade de auto-organização, desvinculando sua criação da autorização prévia do Estado e também a autonomia de administração, permitindo que internamente estabeleçam, por seus estatutos, as suas questões (NASCIMENTO, 2009, p. 61).

Observando a Constituição, Martins Filho (2009, p. 20) considera que “A Constituição de 1988 trouxe o maior avanço já experimentado na evolução jurídica do direito laboral no Brasil, a ponto de se falarem em verdadeira ‘celetização’ da Constituição em matéria de direitos sociais.”

Também comentando sobre a Carta Magna, Delgado (2006, p. 1.288) discute que a valorização do trabalho humano é necessária para garantir dignidade às pessoas, sendo este um fundamento do Estado Democrático de Direito.

Estes direitos fundamentais são, conforme assevera Bobbio, resultado de uma construção histórica; eles não foram constituídos todos no mesmo momento:

Do ponto de vista teórico, sempre defendi – e continuo a defender, fortalecido por novos argumentos – que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas (BOBBIO, 1992, p. 25).

Tem-se, portanto, um momento histórico importante também para os trabalhadores brasileiros, com a inclusão na Constituição Federal de significativo número de direitos, muitos destes novos em nosso ordenamento, além da efetivação de direitos fundamentais.

A Constituição, em seu preâmbulo e artigos iniciais, já demonstra a intenção de abordar os temas presentes em tratados internacionais sobre direitos humanos,86 da mesma forma quando se refere aos temas afetos às relações de trabalho presentes nos Direitos Sociais – Direitos e garantias fundamentais.87

85 Artigo 8º – É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: I – a lei não poderá

exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical.

86 Artigo 4º – “A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos

seguintes princípios: II – prevalência dos direitos humanos”.

87 Exemplo desta situação dá-se quando, em referência ao repouso do trabalhador, a Declaração

Referindo-se a respeito das inovações da Constituição de 1988, Siqueira Neto exalta a inclusão dos direitos dos trabalhadores como Direitos Sociais. “Diz-se que os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas estatais, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos” (1996, p. 221). Estes direitos tendem a igualar condições sociais desiguais, vinculam-se ao direito à igualdade e criam condições materiais para atingir este objetivo, proporcionando, ainda de forma mais compatível, o exercício da liberdade.

Em artigo que trata dos direitos fundamentais dos trabalhadores, Giglio (2011) observa que os Direitos fundamentais foram introduzidos no Brasil com a Constituição de 1988, e tem três caracterísitcas que a distinguem:

A adoção formal e expressa do valor social trabalho como fundamento do Estado (art. 1, IV), do princípio da prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais (art. 4, II) e da proibição de emendas tendentes à eliminação dos direitos e garantias individuais, ou seja: são imodificáveis as (assim denominadas) cláusulas pétreas constitucionais (art. 60, par. 4,IV) (p. 13).

Destaque-se o reconhecimento constitucional do trabalho, sua graduação junto aos direitos fundamentais e a vedação de supressão ou alteração desta condição, reforçando a relevância que possui e o interesse em perpetuá-lo como valor fundamental para o Estado Brasileiro.

Auxiliou neste processo de inclusão de tratados nas Constituições o sentimento de impossibilidade de os Estados resolverem, isoladamente, problemas que são comuns e que estão presentes em uma sociedade integrada. As questões de direitos humanos ou fundamentais são relevantes para mais ordens jurídicas, inclusive não estatais, além do fato de o direito constitucional conseguir uma emancipação, pois está envolvido diretamente na solução de problemas básicos (NEVES, 2009, p. 21).

a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas.” A Constituição Federal, sobre o tema, aborda: Artigo 7º – São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: Inciso XV – repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos; Inciso XVII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal.

A Constituição Brasileira de 1988 aproximou os trabalhadores dos propósitos existentes nos principais referenciais internacionais, efetivando direitos. A consecução histórica destes direitos, pela recepção dos tratados internacionais no ordenamento interno brasileiro, é objeto de análise no próximo Capítulo, observando a recepção destes tratados e os impactos para a efetivação e ampliação de condições mais dignas aos trabalhadores.

3 AS CONVENÇÕES DA OIT E AS RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL NA