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CAPÍTULO II: CONFIGURAÇÃO E VALORES

2.1. CAMPO, HABITUS E CAPITAL: CONCEITOS

2.1.1 As relações entre os campos jornalístico, econômico e

claramente importante na contemporaneidade (MIGUEL, 2002; GOMES, 2004; GOMES; MAIA, 2008; MANIN, 2013; MANIN; PRZEWORSKI; STOKES, 2006), assim como os outros campos sociais interferem, de certa forma, na configuração e na dinâmica do jornalismo (MIGUEL, 2002; BOURDIEU, 2005a). Os meios de comunicação seriam os responsáveis por trazer a diversidade e multiplicidade social para os cidadãos nas sociedades complexas (WOLTON, 2004), mais precisamente na chamada “democracia do público” (MANIN, 2013; MANIN; PRZEWORSKI; STOKES, 2006).

Dentre os campos sociais, os que apresentam uma relação mais direta com o campo jornalístico brasileiro são os campos político e econômico. A conexão entre eles é clara na concepção histórica do campo jornalístico.

Na primeira fase histórica do campo jornalístico brasileiro8 há uma forte ligação com a esfera política (BAHIA, 2009; MELO, 2006). Naquele período, a imprensa funciona como instrumento de exposição e discussão política para a elite (MELO, 2006), já que apenas um número reduzido de cidadãos tinha acesso aos jornais e à politica de fato. Nas fases posteriores, a influência da política sobre o campo jornalístico continua, e o campo econômico tem um predomínio mais enfático sobre os meios de comunicação brasileiros.

O contexto politico restritivo das duas fases entre 1930 e o fim da ditadura militar influencia diretamente a configuração da imprensa brasileira. Surgem alguns veículos que, em um futuro próximo, serão os grandes conglomerados midiáticos. Muitas vezes administrados por grupos familiares, esses veículos conseguiram incentivo econômico (compra de espaços publicitários) pelo apoio político que declararam aos governos autoritários. Claramente, a esfera política emana poder e também domina, em certas épocas e até certo ponto, o campo econômico brasileiro, assim como o último influencia o jornalístico.

Os campos politico e econômico possuem cada um suas regras próprias de funcionamento (BOURDIEU, 2007). Ambos fazem parte do chamado campo do poder (BOURDIEU, 1996), no qual disputam qual capital é mais legitimo (BOURDIEU, 2008). Por fazerem parte desse espaço, eles já dispõem de certa legitimidade frente aos demais campos sociais. Por outro lado, por serem campos de prestígio, exercem poder na constituição dos outros campos, ou seja, os seus princípios intervêm na organização dos demais. A ascendência do campo do poder sobre determinado campo social marca a delimitação do princípio heterônomo (BOURDIEU, 1996). Quando um campo social se afasta do seu princípio próprio (autônomo) e segue os ditados pelo campo do poder, ele tem uma autonomia baixa.

A relação entre os campos jornalístico, econômico e político é de interferência mútua, mas com graus maiores ou menores. O campo jornalístico interfere na construção da legitimidade dos outros dois frente à configuração atual da sociedade (GOMES; MAIA, 2008). É notória a apropriação de algumas lógicas do jornalismo por agentes do campo político como estratégias para o alcance de visibilidade e perpetuação da imagem nesse espaço de destaque da sociedade atual

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A fase é abordada de forma mais aprofundada no tópico “Os primórdios do campo”, no Capítulo I.

(BOURDIEU, 1997; GOMES, 2004; MIGUEL, 2002; MANIN, 2013; MANIN; PRZEWORSKI; STOKES, 2006). Do mesmo modo, o campo jornalístico também se utiliza de alguns princípios proferidos pelos campos político e econômico, principalmente do último.

Quando o campo jornalístico incorpora algumas lógicas próprias do campo do poder (economia e politica), ele se desloca para o polo heterônomo, ou seja, aquele que se submete aos princípios externos (campo do poder) e o afasta da autonomia perseguida pelo campo. O relacionamento entre os três campos sociais existe e se modifica a cada momento pelas tensões criadas entre seus agentes.

Segundo Dominique Wolton (2004), a relação com os dois campos mais o tecnológico cria problemas para a desestabilização da identidade profissional jornalística. Para o autor, o campo jornalístico deveria se “atualizar9” para garantir que o papel do profissional seja de fato necessário para a configuração social atual.

A falta de cumprimento da regulamentação sobre o campo jornalístico brasileiro cria o problema da concentração dos meios de comunicação por poucos grupos no país (GADINI, 2014), sendo que a maioria deles é de algumas famílias importantes do cenário econômico10 (COSTA, 2005). Os conglomerados midiáticos são o exemplo da lógica capitalista sendo utilizada para perpetuar o poder econômico dos pequenos grupos familiares que comandam o fluxo de informação no Brasil (MCCHESNEY, 2010; MORAES, 2010). Cada conglomerado midiático detém inúmeros veículos, o que cria a falsa impressão de uma grande oferta de visões para os cidadãos. No entanto, a lógica econômica executada pelos donos dos conglomerados midiáticos é

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O pensador utiliza o conceito italiano aggiornamento para apontar alguns possíveis caminhos para a solução da crise do jornalismo atual.

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Segundo Caio Túlio Costa (2005, p.181): “No Brasil, nas três últimas décadas do século passado, eram dez grupos familiares que controlavam a quase totalidade dos meios de comunicação de massa: Abravanel (SBT), Bloch (Manchete), Civita (Abril), Frias (Folha de S. Paulo), Levy (Gazeta Mercantil), Marinho (Globo), Mesquita (O Estado de S. Paulo), Nascimento Brito (Jornal do Brasil), Saad (Bandeirantes) e Sirotsky (Rede Brasil Sul)”. Atualizando os dados do autor, Fabiana Rodrigues (2009) aponta que existem sete grupos que dominam os conglomerados midiáticos atualmente no Brasil: Civita (Abril), Saad (Bandeirantes), Abravanel (SBT), Marinho (Globo), Mesquita (O Estado de S. Paulo), Frias (Folha de S. Paulo) e a Igreja Universal (Record).

voltada para o lucro e, secundariamente, para seus projetos políticos. Não importa se não se irá fornecer, de fato, uma pluralidade de temas e abordagens pelos diversos canais; o importante é que a informação seja concentrada e utilizada para conseguir maior público e, consequentemente, que o rendimento com a publicidade aumente (MCCHESNEY, 2010; MORAES, 2010).

Outro problema da dupla dependência (MELO, 2006; BENEDETI, 2009) do campo jornalístico brasileiro é a utilização dos meios de comunicação como agentes políticos – a favor de determinados temas. Segundo Marcondes Filho (2009), a imprensa, espaço privilegiado, é utilizada nas estratégias políticas para a construção de articulações que, em determinado momento, terão capacidade de intervenção no contexto político.

A relação entre os três campos sociais é, contudo, muito mais complexa do que se apresenta nestas poucas colocações. Algumas dessas imbricações são diárias e perpassam as relações sociais dos agentes dos campos (BOURDIEU, 2005a) – empresários com jornalistas, políticos com jornalistas. A compreensão da lógica jornalística é fundamental para conhecer o campo jornalístico e também entender de que forma os agentes desses três campos se relacionam e, consequentemente, como os três campos se influenciam mutuamente.