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CAPÍTULO III – OS ASSESSORES DE IMPRENSA E OS CAPITAIS

3.5. AUTONOMIA NO TRABALHO

A autonomia demarca a autoridade que o jornalista possui sobre o seu trabalho, ou seja, se é ele quem domina o capital específico do campo jornalístico, ou não. O tensionamento de poderes entre assessor e assessorado é a busca pela legitimação dos capitais adquiridos para o cumprimento de suas funções. A luta pela independência é, antes de tudo, o embate diário entre os campos jornalístico e político, no caso específico da ALESC.

Para tentar avaliar o grau de autonomia que os assessores da Assembleia possuem ao desenvolver o seu trabalho, duas afirmações foram inseridas no questionário60, as quais foram respondidas através de uma escala de concordância com a frase61. A primeira delas − “Eu tenho, em grande parte, controle sobre o meu trabalho”. − identifica o grau de controle e interferências que o jornalista sofre diariamente. Na perspectiva de que haveria uma diferenciação com relação à afirmação, os dados foram divididos entre assessores que trabalham para a casa, para deputados e na bancada.

Tabela 7 – Grau de autonomia - controle sobre o trabalho

Assessor da ALESC Assessor de deputado Assessor da bancada

Grau de concordância

Freq. Porcentagem

%

Freq. Porcentagem % Freq. Porcentagem

% Discordo totalmente 0 0% 1 5,6% 0 0% Discordo um pouco 1 6,7% 0 0% 0 0% Não concordo nem discordo 2 13,3% 2 11,1% 0 0% Concordo um pouco 7 46,7% 8 44,4% 1 33,3% Concordo totalmente 5 33,3% 7 38,9% 2 66,7%

Fonte: Pesquisa: “O capital simbólico do campo jornalístico: disputas e códigos compartilhados entre jornalistas de mídia e assessores da ALESC”

Entre os três grupos foram próximas as percepções dos jornalistas sobre a possível vigilância no processo de produção. Apenas dois assessores discordaram em parte ou totalmente da afirmação de terem controle sobre o trabalho que desenvolvem – ou seja, para estes não há grande liberdade para desenvolverem o seu trabalho. Para quatro dos

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A questão sobre autonomia foi baseada na coletânea de estudos internacionais sobre o jornalismo de Weaver e Willnat (2012). A intenção posterior é de analisar o grau de autonomia que os profissionais fora da mídia dizem possuir com aqueles que trabalham para os meios de comunicação.

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Os jornalistas deveriam escolher um valor de 1 a 5 com relação à escala, em que 5 = concordo totalmente, 4 = concordo um pouco, 3 = não concordo nem discordo, 2 = discordo um pouco, 1 = discordo totalmente.

respondentes, a autonomia existe em certa medida, e ao mesmo tempo ocorrem interferências nas atividades que eles desenvolvem diariamente (ver Tabela 7).

A maioria concordou um pouco com a sentença, o que sinaliza que, para esses assessores, eles possuem, em certa medida, controle sobre aquilo que produzem; no entanto, eles não são 100% donos do seu trabalho. A segunda percepção mais assinalada foi a que relata a autonomia plena das atividades desenvolvidas pelos jornalistas da ALESC – e foi muito próxima para os que atuam dentro dos gabinetes, tendo diferença de apenas um agente.

A segunda afirmação inserida no questionário, “Participo das decisões que estão ligadas ao meu trabalho”, é trazida para reforçar o grau de autonomia em momentos-chave da produção jornalística na ALESC. O fato de o jornalista poder tomar decisões sobre suas atividades é um reconhecimento da potencialidade (e de um status) que ele possui do capital específico do campo jornalístico – o qual o identifica como um agente capaz de combinar as lógicas jornalísticas. Novamente, a previsão inicial era de que haveria grandes divergências entre os três grupos de agentes, por isso eles foram divididos (conforme a Tabela 8).

Tabela 8 – Grau de autonomia - decisões sobre o trabalho

Assessor da ALESC Assessor de deputado Assessor da bancada

Grau de concordância Fre q. Porcentag em % Freq. Porcentag em % Fr eq. Porcentag em % Discordo totalmente 1 6,7% 0 0% 0 0% Discordo um pouco 2 13,3% 1 5,6% 0 0% Não concordo nem discordo 4 26,7% 0 0% 0 0% Concordo um pouco 8 53,3% 5 27,8% 0 0% Concordo totalmente 0 0% 12 66,7% 3 100%

Fonte: Pesquisa: “O capital simbólico do campo jornalístico: disputas e códigos compartilhados entre jornalistas de mídia e assessores da ALESC”

Apenas quatro dos jornalistas negam, em parte ou totalmente, participarem das decisões que envolvem as suas atividades; para eles, as deliberações são realizadas por outros profissionais – atribuindo um menor status aos jornalistas. Outros quatro respondentes, todos do grupo que trabalha exclusivamente para a Assembleia, afirmaram que não concordam nem discordam com a sentença - o que indicaria que as resoluções sobre o trabalho deles são tomadas em parte por eles, em parte por outros. Isto é, os profissionais que atuam exclusivamente na assessoria de imprensa da casa identificam certas influências nos processos decisórios rotineiros das suas atividades.

Sobre as alternativas que conferem aos jornalistas uma maior participação nas deliberações diárias sobre as produções, houve diferença e semelhança na resposta dos três grupos. Os jornalistas que atuam para a casa não assinalaram a opção que mais confere autonomia sobre suas funções – “concordo totalmente”. Todos os que atuam nas bancadas marcaram somente ela, também uma das mais escolhidas pelos assessores dos deputados. Em consequência, os assessores dos deputados e das bancadas declararam que possuem, em certa medida, credibilidade e prestigio nas funções que desempenham, já que participam de forma mais plena nas deliberações.

A hipótese inicial para a questão da autonomia era a de que os jornalistas que trabalham nos gabinetes não teriam tanta liberdade e presença nas decisões sobre sua produção, em relação aos colegas que atuam exclusivamente para a assessoria da ALESC. Provavelmente, a autonomia que os profissionais dos gabinetes possuem advém de sua trajetória construída anteriormente e da posição ocupada atualmente. Ou seja, a autonomia do jornalista é uma conquista que é muitas vezes atingida pela capacidade de desenvolver as suas atividades – reforçando a legitimidade do capital que possui, sendo o agente dotado dos valores e conhecimentos compartilhados pelo campo jornalístico.

Contudo, existem outras possibilidades para essa diferença entre os graus de autonomia; uma delas é a dinâmica do trabalho dentro da assessoria da casa. Os profissionais ocupam algumas funções típicas dos meios de comunicação: editor, repórter, apresentador, entre outras. Algumas delas, em sua natureza, já possuem certo poder em comparação com as demais – por exemplo, os editores têm autonomia de mudar algo no texto que o repórter apurou e redigiu; já os repórteres muitas vezes têm que questionar de que forma a pauta deve ser apurada, por exemplo. Consequentemente, os jornalistas que estão em algumas

funções que respondem a outras na hierarquia produtiva não possuem tanto poder de decisão quanto aqueles que estão nas de comando.

Os profissionais que atuam exclusivamente na assessoria de imprensa também respondem aos colegas com a mesma formação. Isto significa que eles têm o seu trabalho avaliado por jornalistas que dominam os saberes próprios do campo jornalístico, enquanto que os que trabalham nas bancadas ou gabinetes são inspecionados por agentes que não possuem capital e habitus próprios do campo, ou seja, são profanos. Além disso, a autonomia de que os jornalistas de bancada e dos gabinetes dispõem é obtida, paralelamente, por sua trajetória dentro da casa. O tempo de carreira, que é mais elevado em relação aos jornalistas que trabalham exclusivamente para a casa, é outro fator que constrói a autonomia dos agentes do campo jornalístico.

A busca da autonomia reforça a importância do capital específico (e consequentemente do campo) para o desenvolvimento de determinadas atividades no mundo social (BOURDIEU, 1996). Quanto mais influenciável um campo é pelos outros, menos autônomo ele é, e vice-versa. A autonomia do jornalista é um dos valores mais nobres e prestigiados dentro do campo jornalístico - “a independência faz parte do brio profissional” (BUCCI, 2000, p. 57).

A autonomia de que alguns jornalistas dispõem em seu trabalho foi conquistada pela sua trajetória profissional. Porém, ela não é o auge do status: possuí-la é acumular capital, ou seja, reforçar a sua posição privilegiada. No entanto, algum erro ou alguma ação desaprovada pelos pares ou leitores podem revogar a posição do jornalista, mas somente em casos extremos. Afinal, a autonomia deixa, em parte, o profissional livre para certas decisões complexas na sua carreira – como em dilemas éticos que, às vezes, culminam em repercussões nacionais.