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As Representações Sociais e a Identidade Social

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.2 A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E A OBESIDADE

2.2.2 As Representações Sociais e a Identidade Social

Segundo Dechamps e Moliner (2014, p. 10), identidade seria “um fenômeno subjetivo e dinâmico, que resulta de uma dupla constatação tanto de semelhanças quanto de diferenças entre o si próprio, os outros e certos grupos”. São os traços de ordem pessoal, mais específicos de cada sujeito e que remetem às diferenças entre eles; e os de ordem social, marcadores de pertencimento de grupos e categorias e definidores da identidade social, que caracterizam o indivíduo. E cada indivíduo pode atualizar, mobilizar ou produzir identidades de acordo com os contextos em que está inserido.

As situações vividas em sociedade e o contato cotidiano com os demais leva as pessoas a refletir sobre si, a partir das informações obtidas no meio em que se encontram. São essas interações que constroem e evoluem as identidades, através de processos, sejam eles sociocentrados, egocentrados ou intermediários. Os processos sociocentrados consistem no tratamento das informações concernentes aos grupos sociais, como a categorização social e suas consequentes formação de estereótipos e diferenciação categorial. Já os processos egocentrados se referem ao tratamento das informações relativas aos sujeitos, como a comparação social. E, por fim, os processos intermediários aliam as informações relativas aos sujeitos às suas pertenças a diferentes grupos sociais, como a atribuição social e seu viés de autocomplacência, que versa sobre a tendência de atribuir-se sucessos a causas internas e fracassos a causas externas (DECHAMPS; MOLINER, 2014).

Os estudiosos defendem que o sentimento de identidade resulta de uma comparação paradoxal de semelhanças e diferenças. Ele seria ainda o produto de um “conjunto de características, tanto pessoais como sociais, que, longe de opor-se, combinam numa configuração particular para cada indivíduo” (DECHAMPS; MOLINER, 2014, p. 162). São diferentes processos que originam tal conjunto de características, através dos quais se constroem conhecimentos sobre si mesmos e sobre os outros.

As representações sociais modulam a complexa dinâmica de aproximações e distanciamentos entre si mesmos, os endogrupos e os exogrupos, exercendo um papel fundamental na problemática da identidade. As RS podem atuar como marcadores, produtos ou reguladores identitários. No primeiro caso, como marcadores identitários, a forma como o grupo representa os objetos sociais torna-se um meio de acentuar semelhanças entre os membros do próprio grupo, ao mesmo tempo em que diferencia intensamente as diferenças entre endogrupo e exogrupo. Essa necessidade de distinção pode induzir os sujeitos até a abdicarem de crenças antes aderidas caso elas aparentem estar associadas a grupos

antagonistas ou a aceitar crenças que nunca compartilharam se elas forem características de grupos ideologicamente próximos (DECHAMPS; MOLINER, 2014).

No que concerne às representações sociais como produtos identitários, os autores supracitados consideram que o fato de os grupos sociais terem, além das representações deles mesmos, representações da posição em que ocupam frente a outros grupos sociais também determinam a maneira como eles representam dados objetos sociais. Na relação entre o objeto social e o grupo haveria duas configurações possíveis: uma estrutural, na qual o grupo baseia sua especificidade na representação que ele faz do objeto; e uma conjuntural, que ocorre quando o grupo se vê ameaçado pelo objeto em questão e constrói uma representação que salvaguarde sua coesão ou sua identidade. Em todo caso, essas duas configurações podem motivar a elaboração da representação social. No primeiro caso, seria uma aposta identitária e, no segundo caso, uma aposta de coesão social. No entanto, trata-se de, em qualquer situação, assegurar a existência do grupo, fazendo das RS produtos identitários e instrumentos de afirmação do grupo. Na presente pesquisa, espera-se analisar se as diferenças entre os grupos em questão se traduzem em distintos Sistemas de Representações Sociais (SRS) construídos para dar sentido à obesidade.

Por último, Dechamps e Moliner (2014) explicitam ainda que não basta afirmar suas próprias especificidades ou as de seu grupo a partir das RS elaboradas sobre os objetos relevantes socialmente, mas que as representações de si mesmo e as representações sociais tenham certa congruência. Isso seria necessário pelo princípio de que cada sujeito precisa valorizar ou a manter uma imagem positiva de si mesmo, e a representação que ele faz do mundo é baseada nessa necessidade. Assim, as RS organizariam a percepção do espaço social do sujeito de acordo com suas aspirações e coações identitárias.

Os indivíduos e os grupos ocupam posições diferentes e hierárquicas no espaço social, que são o reflexo do poder que eles detêm dentro de dado contexto. Quanto mais poderoso o grupo, maior sua capacidade de ditar quais as normas e as representações a que os demais devem se submeter. Nos grupos dominantes, observa-se, no tocante à atribuição social, que eles creditam seus sucessos à fatores internos, resultantes de seus próprios esforços, e pouco aos fatores externos, alheios ao seu controle. Por sua vez, os grupos dominados tendem a atribuir seus fracassos aos fatores externos, como sua desfavorecida classe social de pertença, e não a fatores decorrentes de escolhas feitas por eles mesmos e que foram malsucedidas. Assim, quando esse grupo percebe que é desvalorizado em relação ao grupo poderoso, ele geralmente aceita os traços estereotipados conferidos ao endogrupo. Dechamps e Moliner

(2014, p. 131) expõem que considerar as relações de poder intergrupais “(...) permite compreender por que, a despeito da motivação à valorização de si mesmo, os membros de alguns grupos se acham constrangidos a integrar, em sua representação de si mesmo, aspectos aparentemente desvalorizantes”.

O fenômeno identitário tem caráter dinâmico, visto que a expressão manifesta da identidade poderá ser diferente em um mesmo sujeito, a depender do contexto e das situações sociais em que ele está inserido. Contudo, esse sistema identitário é também parcialmente regulado por estruturas de crenças estáveis. São essas estruturas que provavelmente dão continuidade ao sentimento de identidade, não apenas a “fidelidade” que se tem a si mesmo (DECHAMPS; MOLINER, 2014). Ainda segundo os autores citados, o sujeito não seria o único a atuar em sua própria construção identitária. Participam desse processo outros atores sociais, como as fontes de comunicação e de influência, os quais, em consequência, difundem os estereótipos e as representações sociais. Além disso, a percepção que se pode ter de certa pessoa tende a ser influenciada pelas crenças que se têm sobre a categoria a qual subentende- se que ela pertence.