• Nenhum resultado encontrado

A Teoria das Representações Sociais

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.2 A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E A OBESIDADE

2.2.1 A Teoria das Representações Sociais

Já existem, no caso da obesidade, conhecimentos produzidos pela ciência para explicar o fenômeno. Mas um dos objetivos desta pesquisa é ir um pouco além e visitar outros campos de produção de conhecimento, como os próprios obesos, suas falas e práticas, procurando saber como eles dão sentido ao objeto e a si mesmos. As representações sociais (RS) são reconstruídas e analisáveis em uma pesquisa científica e podem ser vistas na circulação dos discursos, mensagens e imagens midiáticas, nas palavras, cristalizando-se nas condutas. Devem ser analisadas considerando ainda suas articulações com elementos afetivos, mentais e sociais. Além disso, não se podem negligenciar as relações sociais que agem sobre as representações e a realidade material, social e ideal sobre a qual interferem (JODELET, 2001).

Abric (1998) explicava que não há, a princípio, uma realidade objetiva, mas toda ela é representada. Cada grupo ou sujeito se apropria dela e a reconstrói em seu sistema cognitivo, promovendo sua associação a um sistema de valores altamente dependente do contexto histórico, social e ideológico vigente. Assim, estudar as RS significa tentar entender o processo de construção social da realidade, ou seja, compreender como os sujeitos e os grupos enxergam o mundo e o compartilham socialmente. De acordo com Moscovici (1961/2012), as

RS têm uma função constitutiva da realidade, na qual grande parte dos participantes se movimenta. Uma representação é sempre de alguém e representação de alguma coisa.

As RS são uma forma de conhecimento do senso comum, elaborado por um participante ativo em relevante interação com um objeto culturalmente produzido, o qual revela sinais do participante e do objeto, suas marcas históricas e sociais (TRINDADE; SANTOS; ALMEIDA, 2011). Dessa maneira, estão no centro da investigação científica em questão, relacionados à ação, exatamente esses saberes sobre o estado da realidade (assinalados por elementos diversos: informativos, cognitivos, ideológicos, normativos, crenças, valores, atitudes, opiniões, imagens etc.). O objetivo do pesquisador é então descrevê-los, analisá-los, adentrando em suas dimensões, formas, processos e funcionamento (JODELET, 2001).

Segundo Moscovici (2009), elaboram-se RS quando se deseja familiarizar-se com o não familiar. Em suas palavras,

(...) toda violação de regras existente, um fenômeno ou uma ideia extraordinários, tais como os produzidos pela ciência ou tecnologia, eventos anormais que perturbem o que pareça ser o curso normal e estável das coisas, tudo isso nos fascina, ao mesmo tempo que nos alarma. Todo desvio do familiar, toda ruptura da experiência ordinária, qualquer coisa para a qual a explicação não é óbvia, cria um sentido suplementar e coloca em ação uma procura pelo sentido e explicação de que nos afeta como estranho e perturbador (MOSCOVICI, 2009, p. 206/207).

Nessa perspectiva, o estranho, inicialmente, não está condizente com a matriz da vida em comum. Então, para que se possa exercer algum controle sobre ele, promove-se o esforço de ancorá-lo em RS já existentes e é no circuito dessa ancoragem que ele se altera e se acomoda. Contudo, o estranho só provocará tamanha dissonância se for culturalmente relevante para o grupo em questão e for polimorfo, possibilitando a elaboração de RS sobre o objeto.

São dois processos distintos que constituem as RS nessa intenção de tornar o desconhecido em conhecido. A ancoragem, há pouco citada, é definida pela inserção do objeto de representação em um sistema de pensamento preexistente e, através da comparação com categorias internalizadas, cria-se uma rede de significações. Ancorar é classificar e nomear algo, atribuindo-se sentido, instrumentalizando-se o saber e enraizando o novo no sistema de pensamento (SANTOS, 2005). Um objeto é ancorado quando ele se incorpora a um sistema de categoria formado, adquirindo características de tal categoria, se reajustando para se enquadrar nela (ALMEIDA, 2005).

No processo de ancoragem estão em ação pressupostos de avaliação e julgamento (MOSCOVICI, 2009). Nesse sentido, há a atribuição de sentido, quando um significado e um

nome são atribuídos ao novo objeto baseado em conhecimentos anteriores; a instrumentalização do saber, ao se dar um valor funcional à representação, criando uma teoria usada como referência para a tradução e compreensão do mundo social; e o enraizamento no sistema de pensamento, pois o novo se torna familiar simultaneamente à transformação do conhecimento anterior, o qual ainda predomina (SANTOS, 2005).

Já a objetivação consiste em descobrir “a qualidade icônica de uma ideia; é reproduzir um conceito em uma imagem” (MOSCOVICI, 2009, p. 71/72). Transforma-se o abstrato em concreto, a partir da construção de uma imagem ou núcleo figurativo (ALMEIDA, 2005). Para tal, são necessários três movimentos. A seleção e a descontextualização se dão na medida em que apenas alguns elementos são fixados, ao se considerar a dispersão de informações sobre os objetos sociais. Tais elementos são retirados de seu contexto prévio em função dos significados existentes, partindo de conhecimentos anteriores, valores culturais e/ou religiosos, tradição, experiência etc. (SANTOS, 2005). A formação de um núcleo figurativo acontece quando há a transformação do conceito em um núcleo imaginante, integrando as imagens selecionadas. Forma-se um complexo de imagens que reproduzem nitidamente um complexo de ideias (MOSCOVICI, 2009). E por fim, há a naturalização dos elementos, os quais foram construídos socialmente e agora são identificados como elementos de realidade do objeto (SANTOS, 2005).

O processo de formação de RS tem como finalidade, então, “tornar a comunicação, dentro de um grupo, relativamente não problemática e reduzir o “vago” através de um certo grau de consenso entre seus membros” (MOSCOVICI, 2009, p. 208). Através de negociações conversacionais nas quais os participantes se orientam para certos modelos simbólicos, imagens e valores compartilhados, as RS são formadas, e se adquire, gradativamente, um repertório comum de interpretações e explicações, procedimentos e regras aplicáveis à vida. Ressalta-se que uma RS é compartilhada na medida em que os elementos que as constituem são construídos pela comunicação e estão relacionados por ela.

As RS desempenham na construção da realidade social basicamente quatro funções: de saber, servindo para dar sentido a essa realidade, facilitando a comunicação social; de orientação, guiando as condutas e, simultaneamente, orientando as práticas sociais e sendo geradas por essas; identitária, permitindo que o participante, ao compartilhar de RS com dado grupo, sinta-se pertencente a ele (e alheio ao exogrupo) e o proteja, atuando na formação de uma identidade grupal; e justificadora, possibilitando que as condutas adotadas com

referência nas RS construídas e compartilhadas pelo grupo sejam justificadas (ABRIC, 1998; SANTOS, 2005).

Nesta pesquisa, a abordagem culturalista, desenvolvida por Denise Jodelet, em sua obra, será um importante referencial teórico. Jodelet entende as RS como o estudo dos processos e dos produtos pelos quais os participantes e os grupos constroem e dão sentido ao seu mundo, integrando as dimensões sociais e culturais com a história. É fundamental que se realize um estudo teórico-metodológico meticuloso, para que se debruce sobre os discursos dos indivíduos e dos grupos que criam RS de um dado objeto; os comportamentos e práticas sociais que são expressos nas RS; os documentos e registros pelos quais se institucionalizam os discursos e as práticas; e os meios de comunicação, que contribuem para a manutenção e transformação das RS (ALMEIDA, 2005). A proposta do estudo não é se deter sobre a obesidade como uma condição que predispõe a doenças e limitações e que generaliza os indivíduos, mas tentar compreendê-la dentro de uma perspectiva cultural, já que ela engloba elementos naturais e simbólicos, privados e sociais e é fortemente influenciada por um rígido contexto normativo (ALMEIDA, 2013; JUSTO, 2016).

As representações sociais são uma construção do sujeito e seu grupo sobre objetos sociais. Assim, elas se originam de informações que os primeiros recebem de e sobre o objeto, imbricados ao contexto social em que estão inseridos, como já explanado (SANTOS, 2005). No caso do estudo em questão, acredita-se que as concepções que os sujeitos obesos têm em relação à obesidade devem variar em função da implicação que eles têm com tal fenômeno. Ademais, ainda segundo Santos (2005), dependem de seus hábitos lógicos e linguísticos, de tradições históricas, do acesso à informação e da estratificação de valores, da maneira como os sujeitos expressam uma resposta organizada e latente em relação ao objeto, da intensidade de suas atitudes, da posição que assumem frente a ele, além do modo como relacionam os dados de realidade.

Ao compreender que as representações sociais constituem atributos fundamentais dos grupos sociais, os autores postulam que elas podem ser, para um grupo, também um meio de afirmar as semelhanças e diferenças citadas, daí sua função identitária, como já mencionado. A pertença a um endogrupo e a diferenciação entre esse e o exogrupo exercerão papel preponderante no sentimento de identidade. E hipotetiza-se que pertenças baseadas em características físicas, como gênero, cor da pele, idade, peso, entre outros, se constituem como quadros identitários privilegiados, nos quais, apesar de poderem ser múltiplos e se imbricarem mutuamente, haveria certas pertenças mais estáveis e outras menos instáveis.