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Procedimentos de Construção de Dados

4 ESTUDO A: obesidade, práticas e sistemas de representações

4.1 PERCURSO METODOLÓGICO

4.1.2 Procedimentos de Construção de Dados

Estando o participante incluído nos critérios estabelecidos e disponível a fazer parte da pesquisa, ele foi convidado e participar de uma entrevista, com um roteiro semiestruturado previamente elaborado (ver APÊNDICE B), no intuito de apreender crenças, valores, sentimentos, opiniões, fontes utilizadas pelos participantes sobre a temática. O roteiro visava possibilitar a compreensãodo processo de construção das representações sociais articuladas em um sistema de representações sociais, além de investigar se e como ter práticas distintas com a obesidade se relaciona com tais construções. Todas as entrevistas foram áudio-gravadas para posterior transcrição e análise.

4.1.2.1 A Investigação sobre os Sistemas de Representações Sociais

Como já amplamente dito, o conceito de Sistemas de Representações Sociais, embora antigo na Teoria das Representações Sociais, é pouco enfocado nos estudos da área de forma sistemática, ou seja, são poucas as pesquisas que objetivam descrever os conteúdos e processos representacionais de dados objetos considerando que eles estão articulados em um SRS. E um dos grandes desafios deste estudo foi, tendo como referência a abordagem culturalista das representações sociais desenvolvida por Denise Jodelet, elaborar uma metodologia de construção e análise dos dados que abarcasse a existência de objetos que, a depender da forma como são representados e articulados, atuam na forma como a obesidade é significada pelos grupos.

Baseado na vasta literatura já produzida sobre o tema e em sua multifatorialidade etiológica e na intenção de elaborar um instrumento de investigação que possibilitasse acessar

os conteúdos referentes ao fenômeno, a pesquisadora elencou, primeiramente, alguns possíveis objetos de representação social que poderiam compor um ou mais SRS da obesidade, a depender do grupo em questão. Todos eles já foram, de alguma maneira, expostos anteriormente, mas serão brevemente retomados. Além do objeto “obesidade” em si, o primeiro objeto a ser pensado foi “corpo”, pelo fato de a obesidade nele se manifestar de maneira muito visível. Como dito, o corpo é o primeiro elemento acessado pelos sujeitos na interação humana e essa é uma das razões que faz a obesidade ter tanto destaque social. Cada cultura estabelece suas normas, valores, atitudes e práticas quanto ao corpo (ALMEIDA, 2013), o que leva a sua polissemia e polêmica, o estabelecendo como um objeto representacional muito importante socialmente (JUSTO; CAMARGO; ALVES, 2014).

As ciências da saúde tomaram a obesidade como objeto próprio de seu campo, na medida em que ela é apresentada não só como uma doença, mas como uma epidemia global. São interesses de investigação seus diagnósticos, causas, prevalências, incidências e tratamentos, posicionando o Médico, de forma geral, como o especialista responsável por identificar e nomear o sujeito obeso e direcionar os caminhos para que ele saia dessa condição, restabelecendo a saúde. Um dos grandes discursos que incidem sobre o corpo é o médico-científico, que por sua relevância e valorização, tende a ser facilmente incorporado pelas pessoas (SEIXAS; BIRMAN, 2012; ALMEIDA, 2013). A forma como o grupo representa o binômio “saúde/doença” e se considera a obesidade uma condição de adoecimento ou não pode ser uma faceta pertinente tanto na compreensão do fenômeno como nas práticas sociais relativas a ele. Assim, esse é outro objeto que deve estar presente em um SRS sobre a temática.

Ainda no âmbito das ciências da saúde, continua sendo bastante predominante na sociedade a concepção de que a obesidade é causada apenas pelo alto consumo de alimentos calóricos e pelo sedentarismo, em detrimento da noção de multifatorialidade de sua etiologia (CARVALHO; MARTINS, 2004). Relembrando a pesquisa de Justo (2016) com pessoas obesas e não obesas, a alimentação foi um elemento central nas representações sociais relativas ao excesso de peso, compreendida como fator fundamental no controle de peso. A máxima “você é o que você come” (FISCHLER, 1995) localiza a questão do sobrepeso e da obesidade em um âmbito estritamente individual, estabelecendo uma relação direta entre eles. Médicos e Nutricionistas, principalmente, postulam ser fundamental o cuidado e a disciplina com a dieta. Contudo, a alimentação é um objeto social, com funções, valores e sentidos que variam culturalmente, economicamente, historicamente, entre outros. Hipotetiza-se que os

significados dados à comida e ao comer, como já explanado, se relacionem com a obesidade, trazendo a “alimentação” para o SRS em tela.

Nessa mesma direção, o “exercício físico” é atualmente compreendido como um meio para melhorar a performance corporal, além de possibilitar o enquadre nos padrões estéticos vigentes. As exigências relativas ao corpo aumentam gradativamente, pois todos almejam viver em plenitude o mundo do trabalho, da família, dos afetos, da sexualidade, do dinheiro, das experiências, entre outros, e o corpo precisa estar sempre pronto para suportar as expectativas impostas a ele. O Ministério da Saúde, tendo como base os postulados das ciências da saúde, vêm rechaçando o sedentarismo e atribuindo também a ele o aparecimento de doenças crônicas diversas e a diminuição da qualidade de vida. A OMS recomenda que um adulto faça, em média, 150 minutos de exercício físico moderado por semana ou 75 minutos de atividade vigorosas por semana11. Dessa forma, o “exercício físico” parece se articular com

os demais objetos já listados quando se fala de obesidade.

No cenário atual, a saúde não é a única ambição dos sujeitos. Não basta estar fora da condição de sobrepeso ou obesidade para se manter saudável e diminuir o aparecimento de doenças futuras, como diz a Medicina, de maneira geral. Para ser valorizado e admirado socialmente, o corpo deve ser branco, magro, bem definido, sem marcas ou manchas. O conceito de “beleza” foi alterado ao longo do tempo e esse, hoje, ainda é o seu sinônimo. A mídia divulga e promove esse modelo, levando cada vez mais as pessoas a buscarem incessantemente atingir tal padrão. Na publicidade, é muito baixo o número de corpos obesos, pois se entende que eles não refletem o belo ou o saudável (SILVEIRA, 2013). Daí, como já dito, o aumento gritante no número de cirurgias plásticas ao longo dos últimos anos, levando o Brasil aos primeiros lugares do ranking mundial em procedimentos estéticos. Assim, obesidade e beleza frequentemente são colocados em polos opostos, o que deve influenciar na construção da autoimagem e da identidade dos grupos, levando a crer que “beleza” também integra o SRS em questão.

Como já explicitado, as mulheres tendem a acumular mais gordura ao longo da vida, por suas necessidades energéticas em diferentes fases da vida, como na gravidez e lactação, ou por terem mais atribuições sociais e menos tempo para os cuidados com o corpo (KAC; VELÁSQUEZ-MELÉNDEZ; COELHO, 2002). Mas elas são mais cobradas a alcançar os padrões de beleza difundidos socialmente, chegando a construir sua identidade feminina sobre

11 Disponível em <http://www.saude.gov.br/component/content/article/781-atividades-fisicas/40390-atividade-

a tríade beleza, saúde e juventude (DEL PRIORE, 2009, apud ALMEIDA, 2013). São elas que mais recorrem aos serviços de saúde, às cirurgias bariátricas e plásticas, além de procedimentos estéticos. Espera-se que haja, nos conteúdos observados, um recorte de “gênero” ao se falar da obesidade e que isso possa aparecer como mais um objeto participante da SRS analisada.

Desta feita, o roteiro de entrevista semiestruturado foi elaborado para suscitar conteúdos relativos aos objetos “obesidade”, “corpo”, “saúde/doença”, “alimentação”, “exercício físico”, “beleza” e “gênero”, permitindo também, pela própria natureza não diretiva do instrumento, que outros conteúdos não inicialmente previstos pudessem surgir.