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As representações sociais da qualidade de vida dos servidores investigados

6. Discussão dos Resultados

6.4 As representações sociais da qualidade de vida dos servidores investigados

É no espaço biblioteca, físico e abstrato, onde ocorrem as relações inter e transubjetivas. Essas inter-relações são motivadas por um conjunto de fatores que, notadamente, pelos relatos dos participantes, contribuíram para formar suas representações sociais.

As RS constituídas pelos participantes para a qualidade de vida foram bastante variadas. Diante de tal fato, recorreu-se à recomendação de Moscovici (1961) que, para melhor entender uma RS, é necessário tê-la como parte integrante da dinâmica social e resultante da estrutura na qual está inserida. Jodelet (2009) complementa o tema ao identificar que essa estrutura social é permeada por divisões, clivagens e distinções que se projetam na elaboração das diferentes RS sobre um mesmo objeto. Nessa perspectiva, a autora aponta as condições socioeconômicas e os sistemas de orientação (normas, valores, atitudes e motivações) como determinantes para a pluralidade e complexidade das RS sobre um mesmo objeto.

Como pode-se observar nos resultados, as evocações e classes resultantes das análises lexicográficas mostraram significados atribuídos para QV muito próximos aos itens que constam nos domínios do WHOQOL-Bref, apesar de os participantes desconhecerem a existência do instrumento no momento da coleta de dados. Nesse sentido, palavras vinculadas a relacionamentos (família, amigos, colegas de trabalho); a direitos (saúde, segurança, educação, transporte) e a conceitos completamente subjetivos (bem-estar, harmonia, paz, saúde, empatia, equilíbrio, amizade) foram utilizadas na composição das RS sobre QV. Tais palavras também figuraram na árvore de similitude, bem próximas às principais palavras organizadoras, o que confirma a força delas para representar o constructo investigado. Esses conceitos positivos foram evidenciados pelos

resultados estatísticos do WHOQOL-Bref que apresentaram pequenas variações para o nível da QV, de modo geral, considerado bom pelos participantes.

É importante observar que o domínio ambiental envolve aspectos como segurança, recursos financeiros, acesso a informações, poluição, clima, transporte, lazer e ambiente físico. Nesta pesquisa, transporte, lazer e segurança foram citados nos depoimentos, mas os demais não foram identificados como impactantes na QV. Infere-se que a posição do domínio ambiental abaixo das demais foi predominantemente determinada pela avaliação do ambiente de trabalho que como será abordada em parágrafos posteriores.

Ademais, observou-se que a satisfação com a saúde sofreu influência dos aspectos físicos que repercutiram significativamente na avaliação geral da QV. Nessa direção, o domínio psicológico também exerceu influência no domínio físico e na satisfação com a saúde. Tal fato mostra a força dos afetos, emoções, sentimentos que podem ser positivos ou negativos – e até ambivalentes – direcionados às pessoas (família, amigos, colegas, chefias) ou a situações e posicionamentos. Esses aspectos subjetivos estão na raiz das representações e são forças motrizes para as interações sociais.

Nesse sentido, a amizade entre os colegas foi apontada por participantes como justificativa para permanência no setor. Com o mesmo cenário (as interações entre colegas e chefia), mas em cena diferente (o momento do acesso às informações, durante a entrevista) pôde-se testemunhar a fala embargada da servidora que se reportou à empatia, à compreensão, ao perdão, como elementos-chave para o bom convívio no ambiente de trabalho, valores antagonicamente reverenciados, mas não vivenciados, nas palavras dela. Nota-se que está se tratando de qualidade de vida e, mesmo tendo sido reforçado isso com a entrevistada, foi por ela relatado o fato social relativo ao ambiente

de trabalho. O que mostra o impacto das interações ocorridas no ambiente de trabalho em seu estado psicológico e qualidade de vida.

6.4.1 Gênero e representações sociais da qualidade de vida

Em busca de sinais, especificidades ou evidências quanto às possíveis diferenças na avalição da QV entre homens e mulheres, efetuou-se separadamente a análise dos resultados por gênero. Contudo, não se obtiveram distinções significativas entre as representações dos dois sexos. No tocante a possíveis diferenças entre homens e mulheres, Meira e colaboradores (2013) investigaram a percepção dos professores sobre seus trabalhos, mas ao final, assim como na presente pesquisa, não consideraram que o sexo se constituísse em uma variável importante na atribuição das diferenças. Já Cyrino (2009), com enfoque centrado em RS e gênero, investigou as representações sociais apenas das mulheres, uma vez que considera a complexidade das relações articuladas entre o trabalho doméstico e o assalariado frente à diversidade das responsabilidades que a mulher assume na atualidade.

Carvalho (2009), por sua vez, explorou as diferenças de gênero na constituição do ambiente doméstico num estudo historiográfico que remonta há dois séculos. Apesar da distância temporal, há proximidade disciplinar, pois esse é um estudo sociológico que explorou as representações de gênero, apresentando, portanto, conteúdo para a presente discussão. Nele, a autora trabalha vinculando a figura do homem a uma individualização potencializada; em contraposição, numa perspectiva feminina ocorre uma despersonalização da mulher, que, em nome da harmonia, ela se funde e se camufla no ambiente que a rodeia. Tais diferenças não foram acentuadamente observadas na investigação discutida.

Diante da não localização de estudos sobre diferenças entre gênero nas RS do trabalho em bibiotecas, tomou-se como parâmetro a pesquisa de Boulsfield, Camargo, Silva & Torres, (2015) sobre diferenças entre gêneros para as representações sociais do envelhecimento. No estudo observou-se que, para os homens, a ideia de doença, solidão e incapacidade se alinhou mais à perspectiva patológica e negativa das perdas do envelhecimento; já para as mulheres esse mesmo envelhecimento constou vinculado às questões domésticas e familiares. Na pesquisa em discussão não se evidenciaram distinções notórias nas RS sobre trabalho e QV entre homens e mulheres.

Diferentemente da rigidez de papéis do estudo de Carvalho (2009), registraram- se ocorrências distintas na investigação dos servidores de bibliotecas universitárias, como as identificadas no depoimento do servidor gestor que, num gesto de atenção e acolhimento à equipe, procurou decorar as paredes cinza da sala, na expectativa de atenuar a aridez do ambiente; também providenciou um cantinho para o café com bolachas, algo para tornar o ambiente laboral mais próximo do familiar na intenção de proporcionar mais bem-estar.

Quanto à relação entre trabalho e família é tema vastamente explorado em pesquisas documentadas na literatura científica. Aziz e colaboradores (2011) investigaram em bibliotecários servidores de bibliotecas acadêmicas em Klang Valley (Malásia) as variáveis trabalho e não trabalho, sendo este último considerado sinônimo de família pelos autores. Os pesquisadores mostraram, com base em extensa revisão bibliográfica, que a relação trabalho e família, associada às responsabilidades do gênero feminino, é apontada como o principal fator na diferença de papéis sociais desempenhados por homens e mulheres trabalhadoras ainda hoje. O estudo está em consonância com pesquisas brasileiras (Cyrino, 2009; Figueiredo & Zanella, 2008) que abordam as condições de desigualdade entre homens e mulheres, tais como menores

salários e menos oportunidades de crescimento para elas. Em oposição a esses achados as servidoras investigadas nas bibliotecas declararam maiores salários que os homens.

As responsabilidades do gênero feminino também foram registradas na presente investigação, neste caso, diretamente relacionada à carga horária de 40 horas que se mostrou de difícil conciliação para as demandas de educação dos filhos pequenos, de acordo com depoimento dado por três mães. Interessante observar que, apesar de a mostra ter igual número de homens e mulheres, o tema constou em apenas um depoimento masculino, oportunidade na qual o servidor reconheceu o aspecto positivo das 30 horas que possibilita dar mais tempo para atenção ao estudo dos filhos, poder acompanhá-los em passeios e demais tarefas paternas.

A esse respeito, Aziz e coautores (2011) lembram que, assim como para os participantes da investigação em Klang Valley, em todo o mundo as pessoas precisam fazer malabarismos para conciliar as duas esferas mais importantes de suas vidas: a família e o trabalho E, como se observou nos relatos, ter habilidade com malabares parece ser algo em comum entre as mulheres e algo bem mais exigido das que trabalham. Esse mesmo malabarismo necessário, mas não exclusivo de determinado gênero, é reconhecido por Stecher (2011) como resultante de uma sociedade capitalista em que as mudanças no mercado de trabalho, na organização das empresas e gestão de instituições debilitam a centralidade do trabalho e a identidade pessoal e coletiva dos indivíduos.

Nas entrevistas da pesquisa em discussão, identificou-se essa necessidade de malabarismo na afirmativa de uma jovem mãe ao relatar que, mesmo se estivesse na iniciativa privada, ela não deixaria de trabalhar; iria tentar ajustar-se, como vem conseguindo até então. Para ela é muito importante a família, cuidar da filha, assim

como ter trabalho. Não abriria mão nem de um nem de outro. A servidora concluiu com um suspiro ao afirmar que assim vive: tentando adequar suas atividades familiares com o seu trabalho. E tentar a conciliação, buscar o equilíbrio e a harmonia entre essas duas esferas, minimiza as chances de conflitos e melhora a qualidade de vida, essa é a conclusão do estudo realizado na Malásia.

6.5 Associações entre as RS do trabalho e da QV para os servidores de investigados