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6. Discussão dos Resultados

6.3 Sujeito e dialogicidade

O sujeito do dualismo cartesiano também foi revisto por Moscovici (1961) ao propor, com base na teoria das representações sociais (TRS) uma nova visão para a relação subjetiva razão e emoção, sujeito e objeto, razão e senso comum. Sua teoria foi o marco do abandono para a abordagem behaviorista, que traçava distinção entre sujeito e

objeto. Nas RS não há distinção entre os universos interno e externo do grupo ou do indivíduo, posto não serem sujeito e objeto necessariamente distintos (Abric, 1998).

As RS, na teoria proposta por Moscovici (1961), não mais teriam o papel de simples mediadoras entre o indivíduo e o objeto representado, mas sim de determinantes, tanto para o estímulo, quanto para as respostas. Essa proposta foi aprofundada por Jodelet (2001, 2009) ao descrever como ocorrem as relações entre sujeitos e objetos nas RS. Para tanto a autora elaborou em esquema, sua tríade dialógica, representado por esferas que simbolizam os universos de pertença social dos indivíduos, em que ocorrem os processos pelos quais as RS se constituem e se transformam. Assim, a título de correlacionar teoria e representações apreendidas, buscou-se descrever e entender, a partir da funcionalidade de cada esfera, as etapas e características da dinâmica das RS.

Figura 7. As esferas de pertença das representações sociais. Fonte: Jodelet (2009).

Subjetivo Não há pensamento

descarnado Não há indivíduo isolado

RS

Transubjetivo Intersubjetivo

Contexto social de interação e

Na esfera da subjetividade ocorre a interação do indivíduo consigo mesmo. Nela, o sujeito é o ator socialmente ativo, inserido em seu contexto social, no caso deste estudo, o contexto são as bibliotecas do SISBI, espaço laboral no qual são constituídas as representações sociais, sendo o trabalho uma delas. Entretanto o trabalho é um dos aspectos de um contexto maior, a própria vida, da qual é avaliada a qualidade das dimensões física, social, psicológica e ambiental, dos domínios da QV e do instrumento que foi utilizado para, com base na percepção subjetiva de cada servidor, identificar em que nível de satisfação se encontravam os indivíduos em relação a esses domínios no período que foi aplicado o instrumento.

É nessa esfera que a identidade do sujeito se estabelece, tanto como trabalhador, colega, chefe ou subordinado, quanto como desportista, mãe ou pai, religioso, ativista sindical. Tal identidade é sustentada de acordo com o papel desempenhado no grupo, bem como a partir da sua cognição, experiências de vida, capacidade de sujeição ou rejeição às normas, pressões e controles sociais, afetos e emoções que contribuem para a construção ou transformação das RS, as quais direcionam suas atitudes, os comportamentos e posicionamentos sociais (Jodelet, 2006, 2009).

As interações que ocorrem na subjetividade dos participantes foram traduzidas, tanto nos depoimentos, como nas reações. Assim observou-se participantes não se assujeitando a cumprir ordens, por considerá-las equivocadas, dando-se ao direito de rebelar-se contra a imposição do trabalho prescrito, identificando com insatisfação, naquela oportunidade, o desenho organizacional por ele considerado incoerente.

Na esfera da subjetividade pôde-se apreender algumas RS do trabalho bastante significativas. O relato do servidor chefe que fala de cuidados com a equipe, que busca conforto e bem-estar a partir de iniciativas próprias; da participante que traduz o valor

atribuído ao seu trabalho pelo exemplo dado pelo pai; o autorreconhecimento com o esforço empreendido pelo auxiliar administrativo que galgou novos patamares no seu trabalho para poder oferecer mais qualidade de vida à família, esses são alguns entre uma ampla diversidade de depoimentos que mostraram o lugar ocupado pelas RS do trabalho e da qualidade de vida para os entrevistados.

Na esfera da intersubjetividade, ocorre a interação do indivíduo com o outro ou com os grupos. Por meio dessas interações, as RS são negociadas, estabelecidas, compartilhadas e até mesmo ressignificadas pelos processos de comunicação verbal direta. É nesse espaço que acontecem as trocas dialógicas, que informações são trocadas, acatadas ou refutadas, e externadas nas atitudes e comportamentos; os saberes são construídos – ou desconstruídos com a novidade ancorada -, onde acordos são firmados, mantidos ou quebrados confirmando assim o resultado da evolução do sujeito que se dá ao direito de ter direito, e externar a sua opinião, refletir e não se submeter às atitudes com as quais ele não concorda ou que não estão de acordo com seus preceitos éticos e morais, suas conveniências, crenças, valores, ou mesmo, num nível mais profundo, com suas representações cristalizadas.

É na esfera da intersubjetividade que os conflitos e confrontos vêm à tona. Se eles são incubados na subjetividade, alimentados pelas reflexões interiores, amarrados nas representações cristalizadas e nós figurativos, é nessa esfera que surgem, fruto do dilema gerado por uma RS ancorada no nível individual, incongruente com a compartilhada pelo grupo. É nessa esfera que objetos ou temas de interesse do grupo ganham interpretações e significados consensuais ou divergentes, sendo, portanto, essa a ocasião para negociações e novas significações para as RS. Essa é a oportunidade que Jodelet (2009) identifica ser privilegiada pela psicologia social por favorecer as intervenções que objetivam contribuir para transformar as RS do trabalho dos indivíduos no contexto

organizacional. É essa estratégia que se intenciona levar como devolutiva para o ambiente da pesquisa sobre as representações apreendidas neste estudo.

A terceira esfera (transubjetividade) é permeada pelos elementos pertencentes as demais esferas e incorpora todas as interações possíveis ao criar um entrelaçamento de conceitos e evidências lógicas, morais, científicas que são acatadas e compartilhadas pelo grupo por ter sentido no contexto social no qual está composto. A interseção da transubjetividade com a intersubjetividade evidencia os recursos comuns do grupo para interpretação da realidade. Assim valores, crenças e conhecimentos do senso comum circulam por meio das representações que são partilhadas de acordo com a avaliação que recebem dos sujeitos, passando a ser endossadas por submissão ou adesão. Por esse percurso partiu-se do sujeito cartesiano e chegou-se ao sujeito contemporâneo, produtor das RS que foram investigadas nesta pesquisa (Doise, 1989; Jodelet, 2009; Moscovici, 1976, 2003; Torres, 2010).

Nesse cenário, os indivíduos que participaram deste estudo foram oriundos de dez setores da maior biblioteca do sistema e de cinco bibliotecas setoriais. Tal quantitativo contribuiu para esboçar um panorama amplo das representações sociais dos dois objetos investigados; trata-se, contudo, de um panorama estanque, fixado até o momento no qual os dados foram coletados; uma fotografia que registrou o que se mostrou naquela oportunidade. No que se refere à ideia da apreensão e do registro da realidade, poderia ser metaforicamente comparada com a gravação de um vídeo, no qual há um corte, embora haja a certeza de uma continuidade. Essa seria uma metáfora bem mais adequada para expressar como o trabalho é representado no lócus biblioteca e sobre a representação da qualidade de vida na visão dos seus trabalhadores.