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As revoluções burguesas e a gênese das Escolas Normais na Europa

CAPÍTULO 1: A GÊNESE DAS ESCOLAS NORMAIS

1.2 As revoluções burguesas e a gênese das Escolas Normais na Europa

Analisamos a Escola Normal de Uberaba certos de que, para uma maior clareza dos processos e fenômenos, estudos regionais precisam ser realizados à luz dos grandes eventos nacionais e internacionais. Assim, a reflexão sobre essa Escola Normal “[...] não pode ser realizada tendo como procedimento metodológico um recorte isolado do todo, pelo contrário, deve ser assumida como uma experiência de desenvolvimento específica e participante de um contexto mais geral” (GUIMARÃES, 2010, p. 31) que, conforme já dissemos, trata-se de um iceberg, tomado nesse capítulo em seu todo.

É dentro desta ótica que analisamos a Escola Normal de Uberaba, como a ponta de um iceberg. Mas antes de analisarmos o objeto por sobre as águas, ou seja, antes do estudo local, analisaremos a estrutura em sua perspectiva dos eventos macros. Tomaremos primeiro o iceberg em seu todo, representado aqui a macro-história. Portanto, traçaremos a partir de agora uma visão panorâmica do cenário de surgimento das primeiras Escolas Normais na Europa, respaldados no fato de que a França serviu de modelo para esse tipo de instituição no Brasil.

Mas qual teriam sidos os fatos desencadeadores do movimento das Escolas Normais e quais seriam as necessidades por trás desses fatos? Demerval Saviani (2009, p. 143) nos dá um apontamento quando diz que

[...] a questão da formação de professores irá exigir uma resposta institucional apenas no século XIX quando, após a Revolução Francesa, se coloca o problema da instrução popular. É daí que deriva o processo de criação de escolas normais, como instituições encarregadas de preparar professores.

19 A teoria do direito divino preconizava que o rei era absoluto por que sua autoridade provinha de Deus, não

podendo, portanto, ser questionada. Nesse modelo as pessoas eram súditas, ou seja, agentes passivos frente ao Estado personificado no rei, situação muito diferente da de cidadão, aquele que participa ou pode participar ativamente dos assuntos da cidade, do governo e do Estado.

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Entendemos portanto, que a questão da formação de professores tornou-se uma preocupação latente, por parte das autoridades institucionalizadas, após o século XIX, e que a Revolução Francesa foi um acontecimento significativo nesse processo, não somente como marco inicial, mas como válvula propulsora, pois, foi na França revolucionária, de 1789, que surgiram as primeiras escolas públicas generalizadas por todo um país e uma educação pública de caráter nacional. Foi quando se apresentaram projetos visando estabelecer um sistema de educação nacional e estatal (GUIMARÃES, 2016, p. 42) 20. Uma educação que fosse pública e

laica, já que os ideais de República e de anticlericalismo foram valores fortes dos revolucionários. O intuito desse ideal educativo era o de formar um cidadão para servir o Estado, dentro de um admirável esforço de substituir a ascese religiosa pela ascese moral laica, caracterizada como virtude (TOURAINE, 2012, p. 26), preocupação bastante forte no pensamento de Immanuel Kant (1724-1804).

O surgimento da escola pública, na França, deu-se dentro de um dos momentos da Revolução, denominado de Convenção Nacional21, quando uma ala de deputados com ideias

extremamente progressistas para a época, denominados de jacobinos, ascendeu ao poder. Por sua radicalidade revolucionária, o período da Convenção foi intitulado de Terror. Fato que deve- se a grande quantidade de execuções na guilhotina, números mais exagerados falam em 40 mil pessoas. Foi nesse momento dramático que se instalaram as primeiras instituições públicas de ensino, bem como foram tomadas outras medidas de caráter popular e progressista, como a realização da reforma agrária, o estabelecimento do sufrágio universal masculino e a abolição da escravidão nas colônias.

Segundo Franco Cambi (1999, p. 365), na França,

[...] entre a Revolução e o Império, nasce um sistema educativo moderno e orgânico, que permanecerá longamente como um exemplo a imitar para a Europa inteira e que fornecerá os fundamentos para a escola contemporânea, com seu caráter estatal, centralizado, organicamente articulado, unificado por horários, programas e livros de texto.

20 Historicamente a origem do ensino público liga-se ao movimento da Reforma Protestante, na região que veio a

ser a Alemanha. Ocorre que naquele momento histórico, a educação pública esteve ligada às cidades, como um “dever para as autoridades municipais” (CAMBI, 1999, p. 248-249), não se tratava, portanto, de um dever do Estado Nacional. Até por que o Estado Nacional alemão só veio a existir após 1871. Por isso afirmamos que a França foi o berço de um ensino público de caráter nacional.

21 A Revolução Francesa é comumente dividida em quatro fases: a Assembleia Nacional, a Monarquia Nacional,

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Portanto, foi no século XIX que ganhou corpo a instalação de escolas por parte do Estado e a gestação de “[...] um sistema escolar cuja escola primária era generalizada, porém distinta em sua qualidade, de acordo com a classe social a quem se destinava” (SCHAFFRATH, 2009, 143). Não há como generalizar escolas sem formar professores, essa foi uma das primeiras demandas com que o Estado se deparou. Assim, formar um corpo de profissionais para atuarem nessas novas instituições e nesse novo sistema era uma resposta institucional a ser dada. Daí que surgiu a ideia de uma Escola Normal com o objetivo de preparar, com um curso e método intensivo, os professores necessários ao Estado (CAMBI, 1999, p. 367).

O modelo de educação e formação de professores que daria origem à Escola Normal que, posteriormente, foi referência para o Brasil nasceu na França, num contexto profundamente convulsivo marcado por conquistas individuais e sociais inéditas: a liberdade individual e a escola pública são exemplos disso. Era o ocaso do Antigo Regime na França e, juntamente com ele, a extinção de uma série de privilégios hereditários da nobreza e do clero, dentre eles a educação. Nesse cenário a escola e a formação de professores, para atuarem nela, ganharam proeminência. A escola era a instituição, ao lado da Igreja, em condições de desempenhar um relevante papel formativo. Mas como se buscava um Estado laico, a religião foi alijada de um processo em que a secularização do ensino e a secularização da moral caminharam de mãos dadas. De forma geral o Estado, a partir da modernidade, buscou “uma moral independente de qualquer credo em particular” (PETITAT, 1994, p. 142).

Nesse momento, o ensino ganhou uma função eminentemente social, a da instrução popular de preparar o cidadão; indivíduo com consciência de pertença ao Estado e capaz de participar das decisões do mesmo. De acordo com Marlete dos Anjos Silva Schaffrath (2009, p. 147), a Revolução Francesa trouxe uma concepção de educação como serviço público de responsabilidade estatal, não mais como privilégio e um benefício oferecido pela Igreja. Franco Cambi (1999, p. 367) explica que,

Ao lado dessa elaboração de programas de reforma escolar e de intervenções legislativas, a Revolução Francesa também pôs em ação um intenso trabalho educativo que devia desenvolver nos indivíduos a consciência de pertencer ao Estado, de sentir-se cidadão de uma nação, ativamente partícipes dos seus ritos coletivos e capazes de reviver seus ideais e valores.

Para os revolucionários, a educação pública significava acima de tudo isto, formar almas cívicas. Foi de grande importância a “atuação de Davi, como pintor, revolucionário e teórico da arte”. Esse foi “o melhor exemplo do esforço da educação cívica mediante o uso de símbolos e

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rituais”. A arte, não tinha como papel apenas o puro e simples encantamento. Ao contrário, ela assumiu a finalidade de contribuir para a instrução do povo, penetrando nas almas e mentes dos homens, elevados à condição de cidadãos. Davi o “[...] pintor da Revolução foi talvez o primeiro a perceber a importância do uso dos símbolos na construção de um novo conjunto de valores sociais e políticos”, gerando processos educativos que agiam em profundidade, renovavam a mentalidade e criavam novos valores, fixando um novo tipo de ator social, o cidadão (CARVALHO, 1990, p. 11). Essa dinâmica foi utilizada pelos republicanos brasileiros, tanto é que nos documentos da Escola Normal de Uberaba, após a proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, o termo cidadão passou a ser utilizado com maior frequência, bem como a expressão “Saúde e fraternidade”, usada nos finais dos documentos oficiais como ofícios, cartas e outros registros; ao invés da expressão “Deus guarde Vossa Senhoria”, dos tempos da Monarquia. Numa clara referência aos novos valores.

A construção de valores e acepções culturais fazem parte da história de um povo e de uma nação. Tais pontos são elementos primordiais na formação nacional, gerando símbolos e memórias que se disseminam entre os homens, cimentam seu presente e lançam bases para uma memória coletiva e integradora, formada a partir de uma dimensão passado-presente, que tem em seu bojo imagens, crenças e símbolos criados ao longo da história.

A Revolução, de 1789, foi um marco fundamental da sociedade capitalista, derrubando os obstáculos que se opunham à sua constituição (MICELI, 1987, p. 45). A burguesia, grupo social hegemônico, estabeleceu um modelo de educação que fosse voltado para a formação do cidadão. Nasceu um modelo educacional voltado para todos os homens que, ao deixar de ser um privilégio, tornou-se um direito do cidadão e um dever do Estado. Portanto, a educação formal, a partir do século XIX, tornou-se direito do indivíduo e dever do Estado. A nova ordem constituída pelo liberalismo previa, em seu ideário, a igualdade jurídica e um cidadão com espírito cívico, bem formado, apto a escolher seus representantes e, assim, decidir sobre os rumos do Estado e da nação. “A nação e o cidadão se forjam na escola” (PETITAT, 1994, p. 142).

Além da Revolução Francesa, outra revolução corroborou com a consolidação da nova ordem e com o processo de escolarização. Trata-se da Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra do século XVIII. A industrialização veio

[...] transformar profundamente a sociedade moderna – no sistema produtivo e no estilo de trabalho, na mentalidade e nas instituições (família, paróquia, vila), na consciência individual – produzindo também uma nova classe social

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(o proletariado) e um novo sujeito socioeconômico (o operário). Este complexo processo de transformação econômico-social manifestou-se como a submissão de massas bastante numerosas de homens, mulheres e crianças às férreas leis do capital (CAMBI, 1999, p. 370).

A Revolução Industrial promoveu a instalação definitiva da sociedade capitalista e a partir dela surgem novas realidades, ocorrendo

[...] a reordenação da sociedade rural, a destruição da servidão, o desmantelamento da família patriarcal [...] uma maciça emigração do campo para a cidade [...] mulheres e criança em jornadas de trabalho de pelo menos doze horas, sem férias e feriados, ganhado um salário de subsistência [...] inferiores aos dos homens [...] a imposição de prolongadas horas de trabalho (MARTINS, 1998, p. 12-13).

A humanidade passou por um vertiginoso crescimento demográfico, atingiu seu primeiro bilhão por volta de 1820, dobrou no início do século XX e chegou ao número de cinco bilhões em 1987 (JACQUAR, 1998 p. 64). Esse célere crescimento populacional, pode ser evidenciado na cidade de Manchester a qual, no início do século XIX, era habitada por setenta mil pessoas e cinquenta anos mais tarde, passa a sê-lo, por trezentas mil. Essas transformações geraram um “[...] aumento assustador da prostituição, do suicídio, do alcoolismo, do infanticídio, da criminalidade [...] da violência, de surtos de epidemia de tifo e cólera que dizimaram parte da população” (MARTINS, 1998, p. 13-14). Nesse cenário a escola era uma instituição mais que necessária e mesmo os partidários do livre mercado reconheciam sua importância. Adam Smith, num flagrante desvio de seu pensamento vê na escolarização obrigatória um modo de harmonização social, impedindo a degeneração e corrupção da nação. Esse pensador escocês indaga:

Seria lícito então perguntar: não deverá o Estado dispensar nenhuma atenção à educação das pessoas? Ou, se alguma atenção deve dispensar, quais são as matérias que deve reconhecer, nas diversas categorias da população? E de que maneira as deverá reconhecer ? Em alguns casos, o estado da sociedade necessariamente leva a maior parte dos indivíduos a situações que naturalmente lhes dão, independentemente de qualquer atenção por parte do Governo, quase todas as capacidades e virtudes exigidas por aquele estado e que talvez ele possa admitir. Em outros casos, o estado da sociedade não oferece a maioria dos indivíduos em tais situações, sendo necessária certa atenção do Governo para impedir a corrupção e degeneração quase total da maioria da população (SMITH, 1996, p. 243-244).

Certamente um dos temores dos liberais era a agudização da luta de classes. Pois, num contexto em que as lutas sociais acirram-se ocorre o aparecimento de um novo sujeito socioeconômico, “o operário”, indivíduo que compunha a classe proletária e que desempenhou

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um importante papel histórico na sociedade capitalista. “As manifestações de revolta dos trabalhadores atravessaram diversas fases”, indo da destruição de máquinas e atos de sabotagem, como a “explosão de algumas oficinas, roubos e crimes”, à gradativa organização em sindicatos (MARTINS, 1998, p. 14). Um dos frutos desta organização, segundo Carlos Benedito Martins (1998, p. 14),

[...] foi que os ‘pobres’ deixaram de se confrontar com os ‘ricos’; mas uma classe específica, a classe operária, com consciência de seus interesses, começava a organizar-se [...] produzindo seus jornais, sua própria literatura, procedendo a uma crítica da sociedade capitalista e se inclinado para o socialismo.

O embate dialético educa por meio de suas lutas políticas, entre tendências e facções; entre grupos sindicais, entre si, e entre esses e patrões. Trata-se de uma experiência educativa que se desenvolvia por meio da imprensa operária, com seus jornais e demais periódicos. Não se trata de um processo formal, mas de um processo que educa e letra de forma crítica. No ambiente social em que a Escola Normal se desenvolveu e expandiu, as questões sociais fizeram-se presentes. Até mesmo os defensores da teoria do laissez-faire, dos fisiocratas aos liberais clássicos, todos partidários de uma menor participação do Estado na economia foram, em desvio de suas concepções, favoráveis a uma intervenção estatal no ensino. Além da questão social, haveria outra razão para essa flagrante contradição, já que o modelo de escola particular e paga era conhecido pelos economistas dos séculos XVIII e XIX? Tanto para os fisiocratas quanto para os teóricos do liberalismo clássico, o direito à propriedade ocupa uma questão central definindo, inclusive, o papel do Estado enquanto guardião desta. Para esses pensadores o Estado deveria garantir a instrução pública, pois seria por meio dela que se incutiria nos indivíduos as noções da ordem natural fundamentada na propriedade (PETITAT, 1994, p. 142- 144). Outra preocupação desses economistas fora a de formar mão de obra melhor qualificada para o trabalho livre.

Conhecido como a Era das Revoluções, os séculos XVIII e XIX foram marcados por grandes transformações econômicas, políticas e culturais, que se vinham processando desde a Baixa Idade Média e ganharam vigor a partir do século XVI, numa sequência de acontecimentos caracterizada pela ampliação do horizonte geográfico, desencadeado pelas grandes navegações; pelo conhecimento de outras sociedades e culturas; pelas reformas religiosas; pelo renascimento cultural e científico; pela secularização; pela revolução comercial, uma das responsáveis pela intensificação do processo de acumulação de capital e pela consolidação do Estado Nação. Um

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corpo burocrático e eficiente passou a ocupar, na vida das pessoas, um lugar até então só ocupado pela Igreja. Esses séculos coroaram o processo de escolarização, que teve sua culminância com o Iluminismo e com as revoluções burguesas. Segundo Rosângela Maria Castro Guimarães (2016, p. 36),

[...] a ilustração reforçou as transformações históricas, que vinham se operando desde o XVI e XVII em direção à modernização, ao dar suporte e fundamentação teórica, filosófica e metodológica aos processos revolucionários que ocorreram no XVIII: a Revolução Francesa e a Revolução Industrial.

As Revoluções Francesa e Industrial assinalam, portanto, a consolidação da ordem burguesa, fortalecendo a ideia de se formar um indivíduo qualificado, para servir ao Estado e à indústria, o que aumentava a demanda por professores22. Nesse contexto, calcado na

necessidade de professores para disseminar os valores do Estado, do trabalho e da propriedade, surgiram as primeiras Escolas Normais.

Segundo Marlete dos Anjos Silva Schaffrath (2009, p. 143), a

Europa do século XVIII foi palco de grandes transformações e viu nascer uma nova ordem social e econômica, que se opunha ao absolutismo monárquico, num movimento que buscava romper com a visão de mundo aristocrática e feudal e que se fazia presente através de grandes revoluções, da ascensão da burguesia e do liberalismo econômico, foi o tempo de se despojarem as verdades religiosas e acreditar no poder da razão humana de interpretar e reorganizar o mundo [...] período [...] muito rico em reflexões pedagógicas, principalmente em torno de uma educação leiga e a cargo do estado.

A nova ordem social e econômica nascida das revoluções burguesas trouxe, em seu bojo, o projeto de uma educação leiga a cargo do Estado. Esse ideal, desenvolvido a partir do século XVIII, começou a se concretizar somente no século XIX, quando ganhou força o propósito de formar a consciência nacional e patriótica do povo, baseado na concepção de uma escola gratuita e laica, não mais um projeto voltado para as elites, iminentemente dominado pela Igreja, mas um projeto estatal e secular (SCHAFFRATH, 2009, p. 143).

Assim, se a Revolução Francesa evidenciou o papel do indivíduo como cidadão, aquele que decide os rumos da nação; a Revolução Industrial trouxe como uma de suas demandas a

22 Denominadas de revoluções burguesas, foram um conjunto de eventos que inauguraram a Idade Contemporânea

e assinalaram a consolidação do capitalismo, do liberalismo político e do liberalismo econômico. Iniciadas na Inglaterra do século XVII, com a Revolução Puritana e com a Revolução Gloriosa, os eventos que assinalaram a consumação de uma nova ordem tiveram continuidade com o Iluminismo, com a Revolução Americana, com a Revolução Francesa e com a Revolução Industrial.

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necessidade da qualificação para a indústria. Ambas evidenciaram a importância de um indivíduo qualificado, tanto para decidir os rumos do Estado, quanto para o trabalho nas fábricas. A formação desse indivíduo passou a ser a missão dos sistemas de ensino e

[...] se até então a educação tivera um caráter geral, universal e, meramente, religioso, era hora de apostar na formação da consciência nacional e patriótica do povo que constrói o seu Estado [...] até meados do século XIX, os sistemas escolares europeus praticamente excluíam os trabalhadores e as escolas eram frequentadas pelas classes dominantes [...] os objetivos atribuídos as escolas eram distintos conforme as classes sociais [...] Umas escolas ilustravam as elites políticas, empresariais, culturais, eclesiásticas, etc., e outras amparavam os desvalidos (SCHAFFRATH, 2009, p. 143).

Incorporados aos sistemas escolares europeus, os trabalhadores recebiam uma educação menos erudita, sendo esse um dos primeiros sinais de um dualismo no ensino formal moderno. Dualidade caracterizada pela existência de um tipo de escola para a elite e outro para o povo, que foi acentuada com a Revolução Industrial que, como já dissemos, contribuiu com um ensino mais atento à qualificação de mão de obra. De forma geral, a partir das revoluções burguesas,

[...] criou-se um sistema escolar cuja escola primária era generalizada, porém distinta em sua qualidade, de acordo com a classe social a que se destinava. Em uma escola secundária francamente diferenciada, com conteúdos profissionalizantes para os filhos dos trabalhadores e com uma educação mais filosófica para aqueles que iriam formar os quadros burocráticos do Estado e das empresas. Dessa forma, a organização do sistema escolar [...] ainda que com pretexto de diminuir as diferenças, serviu para legitimar as desigualdades sociais, através da formação diferenciada recebida nas diferentes unidades escolares, justificada pela verificação de potencial, idades e aptidões de cada aluno (SCHAFFRATH, 2009, p. 143).

Mesmo que servindo a um sistema que legitimava as diferenças, a existência da escola pressupunha a existência do professor. Assim, para consolidar um sistema escolar no qual a escola primária fosse generalizada rumou-se, cada vez mais, para a profissionalização de um corpo efetivo de professores leigos. Esse foi o papel da “Escola Normal laica”, instituição que se encaixava dentro da lógica profissionalizante e que, de acordo com Ângela Maria Souza Martins (2009, p. 174),

[...] surge cinco anos após a eclosão da Revolução Burguesa, na França. Ela teve vida breve, funcionou apenas de janeiro a maio de 1795. Mas neste curto espaço de tempo deixou para futuras experiências a sua concepção para formar professores. O caráter eminentemente científico foi o signo desta escola, por isso reconhecidos intelectuais da época deveriam estar entre seus mestres: Laplace, Lagrange e outros cientistas de renome criaram programas