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Os primórdios da educação em Minas Gerais e o surgimento das primeiras Escolas Normais

CAPÍTULO 1: A GÊNESE DAS ESCOLAS NORMAIS

1.4 Os primórdios da educação em Minas Gerais e o surgimento das primeiras Escolas Normais

O início da educação pública, na Província de Minas Gerais, está ligado ao Ato Adicional de 1834, que conforme vimos, no tópico anterior, descentralizou a responsabilidade para com o ensino formal, delegando às províncias a responsabilidade pelo ensino elementar e pela formação de professores para esse grau de instrução.

Segundo Paulo Krüger Corrêa Mourão (1959, p. 03),

Nos primeiros anos do período imperial, a instrução primária em Minas era muito deficiente, havendo bem poucas escolas remanescentes do tempo da colônia [...] Os primeiros entusiasmos após a independência foram para o ensino superior ainda inexistente aqui (em Minas Gerais).

Diante da precariedade do ensino primário na Província de Minas, na primeira metade do século XIX, o então conselheiro Bernardo Pereira de Vasconcelos propõe, em 1827, a criação de escolas primárias. A resposta à proposta do conselheiro está numa ata da sessão do Conselho do Governo da Província, de 27 de março de 1828, que se posiciona pela conservação e criação de instituições escolares em número que chegava a 87, uma delas em Uberaba (MOURÃO, 1959, p. 04 e 06).

Na tentativa de organizar a educação na Província de Minas Gerias, em 28 de Março de 1835, foi criada a primeira lei orgânica do ensino primário, a Lei nº 13, “[...] completada pelo regulamento nº 3, que fixava as normas para sua execução”, o que evidencia que a instrução

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pública primária em Minas ficou, pelo menos, 13 anos sem uma organização escolar, ou seja, desde a Independência, em 1822, até 1835 (MOURÃO, 1959, p. 08). Em seu artigo 7, a Lei nº 13 dizia: “O Governo estabelecerá quanto antes uma Escola Normal para a Instrução primária”34. Essa preocupação mostra que o governo de Minas almejou a criação da Escola

Normal da Província na mesma época da criação da Escola Normal de Niterói. O quadro 01 mostra que a lei de criação, datada de 1835, só foi efetivada, em 1840. Essa legislação, além de assinalar o início da escolarização da Província, é um dos desdobramentos do Ato Adicional de 1834. A Lei nº 13 também fixou “normas para a verificação da competência dos candidatos aos cargos de magistério, exigindo que, depois de certo prazo, o provimento das cadeiras se fizesse pelos que fôssem aprovados no curso da Escola Normal”, a referida lei também “exigia prova de habilidades dos professores particulares” (MOURÃO, 1959, p. 09). Assim, o professor primário, para exercer sua atividade docente, deveria ser certificado pela Escola Normal de Ouro Preto.

Segundo Walquíria Miranda Rosa (2004, p. 21),

Esta instituição teve uma grande importância para a instrução elementar no século XIX, sendo considerada como o local de transmissão de um saber pedagógico que foi sendo construído na confluência de diversos discursos. Foi o espaço legitimado de produção e circulação de um saber pedagógico que tentava racionalizar as práticas educativas, tendo como papel principal a formação dos sujeitos que seriam autorizados a formarem as novas gerações, através de transmissão de métodos de ensino. Esse espaço produziu aquilo que estamos chamando de modelo de professor e, ao mesmo tempo, desqualificou os mestres de primeiras letras.

De modo geral as Escolas Normais eram locus de formação e transmissão de um saber pedagógico, de normatização e racionalização das práticas educativas. Nelas eram transmitidos aos alunos normalistas, conhecimentos contidos em manuais e regulamentos sobre a educação. Além de realizar a instrução profissional dos novos professores, fornecendo-lhes conhecimentos para a formarem as novas gerações, substituindo os antigos mestres-escolas. As Escolas Normais examinavam os sujeitos que seriam autorizados ao exercício do magistério público e particular. Para se tornar professor, em Minas, o indivíduo deveria ser licenciado ou frequentar a “Escola Normal, dominar os conhecimentos exigidos na Lei e os métodos de ensino, além de ter a moral exemplar, de encarar a profissão como um sacerdócio e de ter uma

34 Disponível em:

<https://www.almg.gov.br/consulte/legislacao/completa/completa.html?tipo=LEI&num=13&comp=&ano=1835 >. Acesso em jul. 2017.

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sólida formação religiosa” (ROSA, 2004, p. 13). Mais adiante refletiremos sobre a questão da “moral exemplar” e da “sólida formação religiosa”.

Numa tentativa de racionalizar os assuntos ligados ao ensino, a Lei nº 13 dividiu a Província em 15 Círculos Literários, aos quais, posteriormente, foi acrescido mais um, chegando ao número de 16. Cada um desses Círculos Literários era chefiado por um Delegado do Governo35 e seu território abrangia uma extensão mais ou menos ampla, de acordo com a

densidade populacional da região. As sedes dos Círculos Literários ficavam nas cidades ou vilas mais importantes (MOURÃO, 1959, p. 11).

Ao comentar o relatório que o cidadão Francisco de Assis Peregrino36 fez ao presidente

da Província de Minas, opinando sobre métodos e modificações a serem adotadas para melhor organizar a instrução na Província, Paulo Krüger Corrêa Mourão (1959, p. 24) revela que o mesmo reconhecia “[...] que os delegados dos círculos literários concorreram para a criação de escolas novas”, mas “que pouco mais fizeram do que os juízes de paz”.

Destacamos que a Lei de nº 13 e a fala de Francisco de Assis Peregrino apontam para uma racionalização do ensino na Província e que os Círculos Literários buscavam cumprir esse papel. Nossas leituras nos levaram a conclusão que os indivíduos indicados para delegados dos Círculos Literários eram homens com inúmeros afazeres. Muitos deles, além de grandes proprietários de terra, fato comum no Brasil da época, estavam envolvidos em política e outros negócios. Tomemos o exemplo de Domingos da Silva e Oliveira, o primeiro delegado literário de Uberaba, que também atuou como juiz, delegado de polícia, vereador e presidente da Câmara da cidade. O livro Administração Municipal em Uberaba, confeccionado pelo Arquivo Público de Uberaba (APU, 2011, p. 15), diz que ele foi responsável pala instalação da primeira escola pública provincial, em 1838, na então vila de Uberaba. Outro delegado literário foi Antônio Borges Sampaio que, segundo o mesmo livro, dedicava-se ao comércio, sendo proprietário da firma “Eloy & Sampaio”, e a diversas outras atividades como “[...] agente do correio, farmacêutico, advogado, promotor, subdelegado de polícia, jornalista e historiador”. Ele também foi um dos diretores da Escola Normal.

Dentre as atribuições dos delegados literários estavam a de instalar escolas de primeiras letras, como fez Domingos da Silva e Oliveira, em Uberaba; inspecionar professores e emitir

35 Segundo Paulo Krüger Corrêa Mourão (1959, p. 68), “os funcionários que chefiavam os Círculos Literários

chamavam-se, em certa época delegados, passando depois a serem denominados diretores”.

36 Esse nome merece uma atenção especial, pois Francisco de Assis Peregrino viajou à França para obter

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pedido de pagamento para os mesmos. Assim, os delegados literários tinham que fazer viagens para inspecionar as escolas de sua circunscrição. Viagens que, devido às condições da época, eram longas e duras. Uma vez realizada a inspeção, cabia-lhes providenciar os relatórios a serem enviados ao governo37. A partir das informações de Paulo Krüger Corrêa Mourão (1959,

p. 11-15) fizemos um quadro (02) com os respectivos Círculos Literários instituídos pela Lei nº 13, de 28 de Março de 1835.

Quadro 02 – Círculos Literários da Província de Minas Gerais em 1835

1º Círculo Sede em Ouro Preto

2º Círculo Sede em Mariana

3º Círculo Sede em Sabará

4º Círculo Sede em Tamanduá

5º Círculo Sede em Diamantina

6º Círculo Sede em Minas Novas

7º Círculo Sede em Formiga

8º Círculo Sede em Barbacena

9º Círculo Sede em São João Del Rei 10º Círculo Sede em Baependi

11º Círculo Sede em Campanha

12º Círculo Sede em Uberaba

13º Círculo Sede em Paracatu 14º Círculo Sede em Pitangui 15º Círculo Sede em Pouso Alegre 16º Círculo Sede Sant’Ana dos Turvos*

* O autor não tem precisão da localidade do 16º Círculo Literário e diz que a Sede provavelmente era em Sant’Ana dos Turvos.

Fonte: MOURÃO, 1959, p. 11-15.

37 “Para que o professor pudesse receber pagamento dos seus vencimentos, o delegado de Instrução Pública deveria

dar o respectivo atestado de freqüencia que possibilitava a recepção do ordenado” (MOURÃO, 1959, p. 114). Situação evidenciada na edição do dia 12/07/1880, p. 02, do jornal Gazeta de Uberaba, quando Thomaz Pimentel de Ulhôa, responsável pelo Círculo Literário de Uberaba a época, prevenia “a todos os interessados que as guias ou ordens para pagamentos de ordenados dos professores” passariam por ele.

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Destacamos, na tabela anterior, o 12º Círculo Literário por se tratar de nosso local de estudo, sendo seus primeiros delegados Domingos da Silva e Oliveira e Antônio José da Silva38.

Chama-nos atenção o fato de que já em 1835, Uberaba ter sido escolhida como sede, pois tratava-se de uma Freguesia, que só seria elevada à condição de Vila, em 6 de fevereiro de 1836 (GUIMARÃES, 2010, p. 46). Tal fato evidencia que, já naquela época, Uberaba projetava-se regionalmente, afinal as sedes dos Círculos Literários ficavam nos locais mais importantes. Em 25 de dezembro de 1868, uma portaria reorganizou os Círculos Literários de Minas, nela Uberaba continuou como sede, passando a ser o 13º Círculo Literário, sendo seu inspetor, nesse ano, Antônio Borges Sampaio (MOURÃO, 1959, p. 124). Por esse decreto, a Província passou a ter 22 Círculos Literários, que foram elevados a 25, em 1880. Sobre o assunto a edição de número 65 do Gazeta de Uberaba, de 18 de junho de 1880, p. 02, assim noticiou:

Circulo Literario – Por acto da presidencia, de 16 do mez proximo passado,

foi dividida a provincia em 25 circulos literarios, sendo o 21º composto das comarcas do Paranahyba, Prata e Uberaba, com sua sede nesta cidade. Para este circulo literario foi nomeado inspector o dr. Thomaz Pimentel de Ulhoa.

Em 1882 houve uma nova reconfiguração pois, Antônio Borges Sampaio (1971, p. 382) aponta que uma “Circular da Presidência da Minas de 7 de junho de 1882” trazia Uberaba como sendo a 8ª Circunscrição Literária. É importante observar que a circular citada traz uma informação quanto à mudança de nomenclatura, de Círculo Literário para Circunscrição Literária. Paulo Krüger Corrêa Mourão confirma essa informação ao dizer que em 1884, a Província de Minas foi dividida em nove “[...] circunscrições literárias, tendo por sede as cidades em que havia escolas normais” (MOURÃO, 1959, p. 144).

Certamente a nova reorganização deu-se em 1882 e não em 1884. Dizemos isso a partir da data da circular citada por Antônio Borges Sampaio. Essa nova divisão reduziu os Círculos Literários de 25, em 1880, para 09 Circunscrições Literárias (Quadro 03).

Quadro 03 – Circunscrições Literárias da Província de Minas em 1884 1º Circunscrição Sede em Ouro Preto

38 Domingos da Silva e Oliveira, denominado de Capitão Domingos da Silva e Oliveira, nasceu em Ouro Preto,

em 1778, era irmão de Antônio Eustáquio da Silva e Oliveira, o Major Eustáquio. O fato de ter recebido uma educação de qualidade para os padrões da época abriu-lhe as portas para significativos cargos públicos e administrativos, como o de juiz, em Desemboque. Em Uberaba, além de responsável pelo 12º Círculo Literário, atuou como juiz, delegado de polícia e vereador. Ele foi o primeiro presidente da Câmara da cidade (APU, 2011, p. 15).

65 2º Circunscrição Sede em Campanha 3º Circunscrição Sede em Diamantina 4º Circunscrição Sede em Montes Claros 5º Circunscrição Sede em Paracatu 6º Circunscrição Sede em Sabará 7º Circunscrição Sede em Juiz de Fora 8º Circunscrição Sede em Uberaba

9º Circunscrição Sede em São João Del Rei Fonte: MOURÃO, 1959, p. 144.

O presidente da Província, Antônio Gonçalves Chaves, em sua fala a Assembleia Legislativa, menciona as nove cidades e as escolas citadas na tabela anterior,

Passo a referi-vos o que se tem dado de mais importante nas Escolas Normaes desta Província. Possuimos nove escolas normaes. As da capital e Campanha, creadas em 1871; a da Diamantina, em 1878; as de Montes Claros e Paracatu, em 1879; as de Uberaba, Sabará e Juiz de Fora, em 1881 e a de São João D’El Rey, em 1883 (UC, FALA DO PRESIDENTE DA PROVÍNCIA, 01/08/1884, p. 21)39.

A partir da tabela anterior elaboramos um mapa para auxiliar numa melhor visualização espacial de como as Escolas Normais estavam dispostas e dispersas pelo território mineiro.

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