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A ESCOLA NORMAL E O INÍCIO DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM UBERABA

“Neste estabelecimento importante que se denomina Escola Normal, mas que podia chamar-se – Pequena Academia –, formadora de professores para a divulgação do ensino primário e Uberaba póde ufanar- se de possuir; devendo sua creação á patriotica Assembleia Legislativa Mineira, o desenvolvimento ao congresso do Estado e os bons resultados á sua illustrada Corporação docente; Delle quase fui o installador e o dirigi em seus começo por mais de dous annos” (Antônio Borges Sampaio – APM, códice SI 4.2, 1094).

No capítulo anterior nossa perspectiva foi a história num campo macro, neste a abordagem assume um viés micro, ou seja, a história vista de baixo ou vista como a ponta do iceberg. Referenciados na Escola dos Annales, em especial no historiador Giovanni Levi (1992, p. 139) entendemos que o “[...] princípio unificador de toda pesquisa micro-histórica é a crença em que a observação microscópica revelará fatores previamente não observados”, alguns plenamente não observados.

Assim, esse segundo capítulo tem por objetivo analisar a criação e instalação da Escola Normal de Uberaba. Para entender esse processo e elucidar um dos problemas dessa pesquisa julgamos necessário, num primeiro momento, traçar um panorama da formação do município, buscando compreender as razões de sua escolha para sede de uma instituição normalista. Posteriormente, faremos uma imersão na Escola Normal de Uberaba, tomando como ponto de partida sua criação e instalação. Refletiremos sobre a euforia do primeiro momento e de como o embate entre membros dos Partido Liberal e do Partido Conservador permearam a existência da escola. A parte final deste capítulo é dedicada a anállise da estrutura administrativa e pedagógica da instituição.

2.1 Uberaba: uma cidade primaz num vasto sertão

Trabalhamos com a tese de que é impossível pensar a instalação do modelo de formação docente, abordado no capítulo anterior, sem analisarmos a dinâmica da sociedade e da região onde ele fora instalado. Ademais, vimos que não se tratava de qualquer escola e sim de uma instituição de formação de professores que atuava na profissionalização de uma categoria, uma

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pequena academia, segundo a fala de Antônio Borges Sampaio que serviu de epígrafe a este capítulo. Fato é que analisamos a criação de uma estrutura que tinha um maior grau de complexidade, se comparada às escolas de primeiras letras, por exemplo. Estas últimas passaram, cada vez mais, a ter seus mestres formados ou licenciados pelas pelas Escolas Normais, num movimento iniciado na Europa que chegou ao Brasil em 1835, intensificando-se a partir de 1870. Sobre a instalação dessa escola em Uberaba, uma questão nos intrigou. Quais teriam sido as razões da escolha desse município?

Vimos, no capítulo anterior, que a Escola Normal de Uberaba era a que se localizava mais a oeste no território mineiro. Mas outra cidade da região, dado a sua população, poderia ter recebido a Escola Normal. Trata-se de Sacramento, que segundo o censo de 1872, contava com uma população de 11.153 pessoas, superior a de Uberaba, que tinha 10.598. Assim, indagamos sobre o porquê Uberaba e não Sacramento ou Araxá, outro expressivo município do Triângulo Mineiro?

Nossa resposta para a escolha de Uberaba encontra fundamentos em elementos de ordem econômica e geográfica. Para entendê-los, sentimo-nos na obrigação de traçar um panorama da evolução social e política desse município, bem como de sua inserção na economia regional. O crescimento e sua importância comercial da cidade, na segunda metade do século XIX e início do século XX, deu-lhe a alcunha do Princesa do Sertão45, numa alusão à

polarização exercida por ela na região do Triângulo Mineiro, bem como em todo o oeste de Minas, incluindo Paracatu; sul de Goiás e partes do Mato Grosso. Por isso Uberaba foi denominada cidade primaz46. A edição de número 59 do jornal Gazeta de Uberaba, p. 01,

publicada no dia 06 de junho de 1880, noticia que o município tinha por mercado consumidor, além das cidades do Triângulo Mineiro, “[...] grande parte da de Goyaz, uma parte da de Mato- Grosso e até mesmo a parte mais occidental da de S. Paulo”.

Salientamos, referenciados em Eduardo Nunes Guimarães (2010, p. 09) que entender a história de Uberaba e do Triângulo Mineiro, pressupõe entender e refletir sobre uma sequência histórica delimitada por interesses combinados entre o geral e o regional, num esforço de

45 Em muitas narrativas de sua história, Uberaba é intitulada dePrincesa do Sertão. O termo faz referência a um

dos elementos do Brasão do município, que tem ao centro um quadrilátero de estrelas com uma quinta, de dimensões maiores, ao centro. Tais estrelas representam as maiores cidades da região, sendo que a estrela central, em destaque, representa Uberaba, trazendo sobre si uma coroa, evidenciando ser a cidade a Princesa do Sertão. Tal título deve-se à primazia econômica desempenhada pelo munícipio no século XIX e na primeira metade do século XX.

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apreensão de condições gerais dominantes, nacionais e até internacionais que não necessariamente se originam e se esgotam no interior da própria região. Nessa perspectiva, Uberaba beneficiou-se com o declínio da mineração, com o crescimento de centros urbanos como Rio de Janeiro, São Paulo e Campinas, bem como com a expansão da cafeicultura no oeste paulista e da malha ferroviária. A região ganhou relevância econômica num processo de interiorização do capitalismo brasileiro que, ao desenvolver internamente, consolidou regiões como a aqui elencada (GUIMARÃES, 2010, p. 11). Essa situação foi posterior ao esgotamento das minas, numa sistemática denominada por Augusto Bustamante Lourenço (2005, p. 130) de geralismo, ocorrido “na primeira metade do século XIX, e que foi o grande motor da transformação de uma região indígena numa região de unidades rurais agropastoris, integrada ao mercado interno da Colônia e do Império”. Dessa forma com o

[...] declínio da mineração do ouro, em geral, e da economia de Desemboque, em particular, atividade agropecuária passou como em várias áreas do país e da província, a ser condição de sobrevivência na região. Assim, a partir do final do século XVIII, embora sem grande impulso econômico, novas áreas foram sendo ocupadas pela produção agropecuária, em distintas direções e sem grandes diferenciações produtivas (GUIMARÃES, 2010, p. 39).

Dentro dessas novas áreas alguns núcleos urbanos destacaram-se enquanto produtores e distribuidores de gêneros de interesse comercial. Concomitantemente com a decadência do núcleo urbano de Desemboque, e da mineração em geral, ocorreu a ocupação de áreas mais a oeste, na região do Triângulo, tendo como atividade básica a agropecuária. Em uma delas formou-se, a partir de 1808, o Arraial da Capelinha que, entre os anos de 1816 e 1817 foi deslocado cerca de 15 quilômetros na direção sudoeste de sua localização originária, dando origem ao Arraial da Farinha Podre, mais tarde transformado no município de Uberaba, elevado à condição de Freguesia, em 20 de março de 1820 e de Vila, em 6 de fevereiro de 1836. Alçado à condição de vila, ganhou prerrogativa de jurisdição independente, separada de Araxá, com nome definitivo de Vila de Santo Antônio de Uberaba (GUIMARÃES, 2010, p. 45-46)47.

47 Para Eduardo Nunes Guimarães (2010, p. 46), a “[...] explicação fundamental para o dinamismo diferencial da

economia de Uberaba [...] nas primeiras décadas do século XIX”, tem como ponto de partida o deslocamento geográfico que experimentou o Arraial da Capelinha. Em segundo lugar temos a “[...] subsequente emergência econômica e polarização comercial de Uberaba na região do Triângulo e nos confins do Centro-Oeste”. Devemos ressaltar também que pela ocasião da Guerra contra o Paraguai, a cidade tornou-se um importante entreposto comercial entre o litoral e o Mato Grosso. Assim, faz-se necessário primeiro resgatar os motivos que levaram o assentamento populacional do Arraial da capelinha a deslocar-se, cerca de 15 quilômetros, na direção sudoeste de sua localização originária, entre os anos de 1816 e 1817. Esta mudança deu origem, por volta de 1817, ao Arraial da Farinha Podre, que rapidamente e de forma muito diferenciada de seus vizinhos,

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Luís Augusto Bustamante Lourenço, pontua que o município beneficiou-se de sua localização-chave, na intersecção entre dois importantes eixos econômicos; um, situado a leste, onde se encontravam as regiões mais antigas e povoadas da capitania de Minas e outro, na estrada que ligava São Paulo à Goiás e ao Mato Grosso, esse sistema fazia de Uberaba um ponto de convergência entre essas duas rotas, conforme demonstra o mapa 03. De acordo com esse autor, “[...] na primeira metade do século XIX, formou-se uma rede de estradas inter-regionais e interprovincial sobre o Sertão da Farinha Podre, tendo Uberaba como nó central” (2005, p. 339 e 2010, p. 60)48.