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As transformações no campo sob o imperativo do Capitalismo e da Ditadura

2. O MST E A LUTA PELA TERRA

2.1. Contextualização do surgimento do MST

2.1.1. As transformações no campo sob o imperativo do Capitalismo e da Ditadura

A história recente do Brasil tem mostrado que, diferentemente de apostar na agricultura familiar ou na democratização da propriedade da terra, o desenvolvimento do capitalismo no campo deu-se pela manutenção de sua estrutura fundiária, pautada no grande latifúndio.

Desse modo, o processo de modernização da agricultura, fase em que o capitalismo se desenvolveu no campo de forma imperativa, ocorreu sem que sua estrutura fundiária fosse alterada, prevalecendo um forte caráter concentracionista de terra.

Esse fenômeno esteve fortemente ligado aos governos militares que, ao assumirem o Estado por meio do golpe militar de 1964, atuaram em favor da aliança entre terra e capital, reforçando o projeto de modernização da agricultura.

O avanço das forças produtivas no campo brasileiro deu-se pela intocabilidade das terras em mãos de já antigos proprietários e, incrivelmente, promoveu ainda mais essa concentração. Por isso, também ficou conhecida como modernização conservadora (Graziano da Silva, 1981).

Graziano da Silva (1981, 1994) destaca duas características fundamentais dessa modernização: a primeira, que aconteceu de forma bastante desigual, permitindo uma forte concentração na aquisição de créditos e de insumos, seja por regiões do país, seja para grandes latifundiários em detrimento dos pequenos agricultores11 e uma substituição das culturas tradicionais de plantio por produtos modernos com vistas à exportação.

A segunda característica dessa modernização foi a geração de uma forte exclusão dos pequenos trabalhadores rurais dessa política, dificultando o avanço produtivo de sua lavouras, inviabilizando seus projetos e lançando-os numa miséria profunda e num êxodo rural sem precedentes, contribuindo para um crescimento assombroso da população urbana no país.12

Guattari (1997) comenta que o avanço do capital deu-se por meio de um processo de transformação dos territórios existentes, ocorrido tanto em extensão, "ampliando seu domínio sobre o conjunto da vida social, econômica e cultural do planeta," quanto em intenção, "infiltrando-se no seio dos mais inconscientes estratos subjetivos" (p. 33).

Para o autor, há uma estreita relação entre território e subjetividade, uma vez que aquele funciona em estreita ligação com uma ordem subjetiva específica, tanto individual quanto coletiva. Em suas palavras

O território é sinônimo de apropriação, de subjetivação fechada sobre si mesma. Ele é o conjunto dos projetos e das representações nos quais vai desencadear, pragmaticamente, toda uma série de comportamentos, de investimentos, nos tempos e nos espaços sociais, culturais, estéticos, cognitivos (Guattari, apud Silva, 2003, p. 6).

Assim, a máquina capitalista provocou uma desterritorialização de tais ordens subjetivas, investimentos e representações que tinham como base a organização camponesa, o trabalho familiar e os laços comunitários.

12 Linhares & Silva (1999) destacam o crescimento populacional de grandes cidades brasileiras,

atribuindo tal fenômeno aos problemas oriundos da concentração de terra, condições de vida no campo e falta de trabalho no setor agrícola. Se na década de 1940, a população urbana era de 31.2%, em 1990, registrou 75.4%.

Dentre tais alterações provocadas por essa desterritorialização, destacaram-se as relações de trabalho e de moradia, fato que culminou, conforme Silva (1996), no fim da

terra de permissão: espécie de impedimento feito pelos proprietários aos trabalhadores

que moravam e trabalhavam para si nas terras daqueles. Este fato deu-se, notadamente na região Nordeste, com a expansão das faixas de terra das usinas canavieiras e com o processo de mecanização do campo. Assistiu-se, com isso, a substituição do trabalho assalariado13 permanente para o trabalho assalariado temporário, fazendo surgir a figura do volante.14

Em reflexo ao cenário nacional, no Estado do Rio Grande do Norte, inúmeras questões ligadas ao desenvolvimento do capitalismo no campo fomentaram as ações de luta e resistência entre os trabalhadores.

Silva (1995, 1996) elenca três períodos que destacam os conflitos de terra no Estado:

x Em meados da década de 50, grande parte dos conflitos de terra no Estado deram-se pelo fim da terra de permissão, com o alargamento do processo usineiro, aumentando os dias de trabalho para os moradores e redução de suas áreas de plantio de culturas de subsistência.

x Na década de 60, com o processo de modernização do campo, aumentaram as grilagens15 de terra e a conseqüente expulsão dos posseiros16 dessas áreas. Aconteceu

13Trabalhador assalariado: trabalhador que vende seus dias de serviço a um fazendeiro qualquer,

destituído totalmente dos meios de produção, contando apenas com sua força de trabalho (Ver: MST, 2001; Moreira, 1997).

14Volante: identificado ainda com o bóia-fria, trata-se de trabalhador assalariado temporário na agricultura

que atua, em especial, no corte da cana-de-açúcar e geralmente habita as periferias urbanas.

15Grilagem: prática de fraudação de título de posse de terras públicas.

16 Agricultores que ocupam com sua família uma determinada área de terra, cultivando-a, criando

animais, mas não possuem título de propriedade. Geralmente são terras pertencentes a terceiros ou ao Estado (Moreira, 1997).

ainda o fim das práticas de arrendamento17 em virtude da implantação das monoculturas de cana-de-açúcar. Muitos conflitos estiveram ligados à quebra desses contratos de arrendamento de terra.

x Nas décadas de 70 e 80, houve um aumento das lutas em função da implantação de projetos desenvolvimentistas governamentais e particulares, acentuando a expulsão das famílias dessas áreas tomadas pelo capital. Nos anos 80, surgiu a modalidade de ocupação de terras anteriormente cultivadas pelos trabalhadores expulsos.

Silva (1995) nos informa que os agentes de mediação no Rio Grande do Norte foram basicamente a Igreja Católica e, em menor expressão, o Partido Comunista Brasileiro, por meio das Ligas Camponesas18.

A Igreja criou, no Rio Grande do Norte, uma forma de assessoria aos trabalhadores denominada Serviço de Assistência Rural (SAR) que, de acordo com Silva (1995), teve uma forma inicial de atuação nos moldes tradicionais da Igreja, alterando sua perspectiva de serviço com a criação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em meados dos anos 70.

Essa atuação foi direcionada, principalmente em torno dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais, com a promoção de intensas campanhas de sindicalização, tanto para salvaguardar os trabalhadores nos processos de despejos e da quebra dos contratos de arrendamento, como para garantir os direitos trabalhistas para a população assalariada rural.

Durante o regime militar, as organizações de trabalhadores sofreram forte perseguição, que segundo Silva (1995), levou os grandes proprietários a tomarem

17 Prática pela qual um agricultor trabalha com sua família numa área arrendada por um preço fixo a um

proprietário, mediante contrato verbal que estabelece um pagamento anual em forma de dinheiro ou produto (MST, 2001; Moreira, 1997).

18 Sobre a atuação das Ligas Camponesas e do Partido Comunista no tema da questão agrária no Brasil,

proveito da onda repressiva para coibirem as ações dos trabalhadores e dos sindicatos rurais.

Com o crescente avanço das grilagens de terra, que no Rio Grande do Norte estiveram ligadas a especulações imobiliárias, extração de petróleo e implantação de megaprojetos agro-industriais, Silva (1996) assinala que os movimentos sociais no campo se intensificaram por meio das ocupações de terra.

Segundo o autor, tais ocupações se deram tanto em terras devolutas, que não se identificavam os proprietários como naquelas em que os posseiros foram expulsos pelos grileiros. Aconteceram em várias regiões do Estado: agreste, litoral, sertão e seus desdobramentos foram marcados por muita violência contra os trabalhadores, que sofreram forte perseguição e tiveram suas lideranças assassinadas.

Assim, com vistas a controlar as tensões sociais no campo, a estratégia dos governos militares visou realizar um plano de reforma agrária de caráter limitado e militarizado. Para Martins (1986), tal modelo de reforma agrária apareceu enquadrado nos moldes institucionais e visou administrar os conflitos no campo, sendo realizada, por meio de desapropriações de terras nas áreas marcadas por forte tensão social.

2.1.2. A inserção da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no processo de luta dos