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2. O MST E A LUTA PELA TERRA

2.2. A Formação, Consolidação, Institucionalização e a Atuação do MST

2.2.2. Territorialização e consolidação do MST

Corresponde à sua fase de expansão nacional, em que se criaram as estruturas básicas para seu funcionamento: coordenação, direção, secretaria e setores que atuam com o apoio de entidades previamente contactadas nos Estados (Fernandes, 2000). Para o autor, o processo de territorialização deu-se pelas conquistas das áreas desapropriadas

e a constituição dos assentamentos,19 primeira vitória do MST. Tais territórios conquistados deram fôlego ao movimento, possibilitaram a experimentação de suas propostas (Poker, 1997) para as questões de organização da produção, educação, saúde e organização social e permitiram novas espacializações de sua luta.

Navarro et al. (1999) destacam que o período de 1986 a 1993 foi uma fase em que o movimento optou por ações de confronto, num claro processo de busca de autonomia em relação à orientação pastoral. A esse respeito, Poker (1997, p. 78) comenta:

O MST descrê por antecipação na vontade dos órgãos públicos em interferir por si mesmos na estrutura fundiária. Assim, organiza práticas de ocupação de terras públicas ou privadas, tidas como improdutivas, colocando o Estado e seus representantes num impasse radical: reprimir ou ceder".

Navarro et al. (1999) acrescentam, ademais, que foi um período de forte institucionalização do movimento, que passou a privilegiar a formação de quadros, com um novo trabalho de formação política de sua militância. Ocorreu, ainda, a transferência da sede do MST, anteriormente no Sul, para São Paulo.

A chegada do MST no Estado do Rio Grande do Norte deu-se no início dessa fase. Em 1989, chegaram ao Estado os primeiros militantes, por meio de articulações entre a direção nacional do MST e o Sindicato dos Trabalhadores rurais do município de São Rafael (Dantas, 1996).

Segundo Dantas (1996), o MST surgiu no Estado em virtude de um vácuo nos discursos das instâncias de representação dos trabalhadores rurais, que adotavam “palavras e práticas já esgotados” (p. 28). Assim, a característica de confronto do MST

19 Os assentamentos são definidos como “unidades de produção agrícola, criados por meio de políticas

governamentais, visando o reordenamento do uso da terra, em benefício de trabalhadores rurais sem terra ou com pouca terra” (Bergamasco & Norder, 1996, p. 07).

acabou gerando um certo conflito entre o movimento e outras entidades organizativas presentes no Estado, a exemplo da Federação dos Trabalhadores da Agricultura no Rio Grande do Norte (FETARN) e o SAR.

O trabalho de base do movimento iniciou-se na região oeste do Estado. As tentativas de ocupação do MST foram respondidas com o despejo20 das famílias e a prisão de lideranças do movimento.

Ao criar uma secretaria regional do MST no Estado, seus integrantes buscaram apoio de entidades sindicais do Estado e do PT. Com isso, os trabalhos de base se intensificaram, o movimento mudou sua área de atuação para Mato Grande, conquistando, por meio de ocupação, seu primeiro assentamento do Estado no município de João Câmara: o Assentamento Marajó (Morissawa, 2001).

No Rio Grande do Norte, as ocupações de terra e a desapropriação de áreas para criação dos assentamentos tiveram um crescimento significativo a partir da chegada do MST. Para o período entre 1990 e 1994, ocorreram 16 ocupações com participação de 2.010 famílias, e entre 1995 e 1999, 60 ocupações, envolvendo 5.913 famílias (Fernandes, 2000).

Atualmente, o MST acompanha cerca de 40 áreas de assentamento em praticamente todas as regiões do Rio Grande do Norte e grande parte desses assentamentos se deram por meio das referidas práticas de ocupação de terra.

Ainda nessa fase, Fernandes (2000) destaca que diversas das atividades realizadas pelo movimento passaram por um processo de formalização, ou seja, a estrutura organizativa do movimento começou a ser desenhada a partir de uma série de

20 As ações de despejo são justificadas pela reintegração de posse da área ocupada, concedida

judicialmente. É nacionalmente conhecido o Massacre na Fazenda Santa Elina, município de Corumbiara- MS, onde, no cumprimento de uma ação de despejo, policiais assassinaram dez trabalhadores. Ver: Poker, 1997.

atividades já postas em prática pelos seus militantes, nos níveis regional, estadual e federal.

Foi desse processo de formalização que surgiram os chamados Setores do MST. Os principais são: a) O Setor de Frente de Massas; b) Setor de Educação; c) Setor de Formação; d) Setor de Produção; e) Setor de Gênero.

Ao Setor de Frente de Massas compete a função de realizar reuniões tanto nas comunidades rurais, quanto nas periferias da cidade, apresentando os princípios gerais do movimento e arregimentando trabalhadores com fins de ocuparem uma área anteriormente eleita pelo movimento para a constituição do acampamento. É o setor que atua diretamente com a chamada base do movimento, promovendo “a travessia das pessoas de fora para dentro do MST” (Fernandes, 2000, p. 173).

Segundo Caldart e Schwaab (1991), no interior da luta pela terra, há uma luta por escolas para as crianças filhas dos trabalhadores sem-terra. Tal luta tem-se ampliado, no âmbito do Setor de Educação, que vem desenvolvendo uma proposta pedagógica popular que engloba a Educação Infantil, Ensino Fundamental, Médio, Universitário e de Jovens e Adultos. 21

O Setor de Formação é encarregado de realizar e coordenar cursos de formação política para sua militância, para que estes passem a ter uma compreensão de questões históricas, econômicas e sociais concernentes ao problema da terra, da organização da sociedade capitalista, etc. (Morisawa, 2001) de modo a poderem articular os fundamentos teóricos com sua prática militante.22

O Setor de Produção surgiu da necessidade de organizar a produção das áreas de assentamentos conquistadas pelo movimento. Este setor buscou implantar uma forma de

21 Além da existência de um Programa de Alfabetização de Jovens e Adultos nos Assentamentos do MST

no Rio Grande do Norte, em convênio com a UFRN, iniciou-se em 2002 a primeira turma, no Estado, do Curso de Pedagogia da Terra, a nível de graduação e em regime especial, direcionado para professores das áreas de assentamento acompanhadas pelo movimento.

gestão da produção a partir da Cooperação Agrícola (Bonavigo, 1998), de modo que os assentados pudessem evoluir do modelo individualizado de produção ao modelo coletivo desde o plantio, a comercialização, a gestão do crédito.

O Setor de Gênero foi criado a partir da idéia de que a luta pela terra necessita incorporar toda a unidade familiar (Fernandes, 2000). Assim, tem-se, na esfera interna do movimento, estimulado a participação das mulheres na luta, tanto por meio da conquista do direito de receber lotes em seu nome, quanto na distribuição de cotas de participação nas instâncias de representação do movimento.