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2.2. Desenvolvimento Urbano e Sustentabilidade – Uma síntese retrospectiva

2.2.2. As Unidades de Vizinhança de Perry (1929)

O esboço do conceito de “Unidade de Vizinhança” esteve patente, inicialmente, no planeamento de algumas aldeias industriais, como Bournville, no Sul de Birmingham, ou Port Sunlight, na Península de Wirral, ambos em Inglaterra. Estes casos representam o protótipo de aldeias-modelo (“model villages”), com o objectivo de tornar a aldeia o mais auto-suficiente possível para os trabalhadores industriais das (longínquas) cidades. Foi no Reino Unido, no séc. XVIII, que surgiram os primeiros lugares industriais através dos próprios industrialistas que construíram aldeias para os seus trabalhadores, tanto o edificado habitacional como os principais equipamentos. (Cardoso, 1958, 13).

Em 1929, o conceito de Unidades de Vizinhança é reconhecido devido a Clarence Perry aquando da sua divulgação no Plano Regional de Nova Iorque (exemplo na Figura 11), sendo que seriam Clarence Stein e Henry Wright os primeiros a aplicarem o conceito para o Plano Urbano de Radburn, Nova Jersey (1929).

Para Perry, uma Unidade de Vizinhança é “a área dentro das proximidades da habitação, que reúne as instalações de interesse geral e todas as condições exigidas pela família média, para o seu conforto e desenvolvimento conveniente. (…) Da satisfação física destas exigências surgiu (…) a forma básica da unidade de vizinhança, actualmente conhecida. Esta assenta num certo número de elementos e princípios.” (Cardoso, 1958, p.13). Barcellos refere-se às mesmas como a “área residencial que dispõe de relativa autonomia com relação às necessidades quotidianas de consumo de bens e serviços. Os equipamentos de consumo colectivo teriam assim a sua área de atendimento coincidindo com os limites da área residencial (2001, 5).”

Figura 11 – Diagrama de uma Unidade de Vizinhança de Perry. Fonte: Perry (1929) em EVStudio

Neste contexto, Perry apresentava duas grandes preocupações: a distribuição dos equipamentos colectivos, em especial os equipamentos escolares, e também a preocupação com o enfraquecimento das relações de vizinhança com o desenvolvimento industrial e urbano das cidades. Aliás, a importância dos equipamentos está bem patente no conceito de Perry, já que é a partir dos equipamentos escolares primários/básicos que se dimensiona toda a unidade de vizinhança, tanto em área como em número de residentes (Figura 11).

No Plano de Nova Iorque (Perry, 1929), o conceito de Unidade de Vizinhança é constituído por seis pilares:

Tamanho – uma UV deve prover habitações para determinada densidade populacional de acordo com a população infantil ao qual a escola básica dá resposta;

Limites – uma UV deve ser limitada por todos os lados por ruas largas para facilitar o tráfego em vez de ser atravessada por trânsito de passagem;

Espaços Públicos – devem existir um sistema de pequenos parques e espaços de recreio, planeados para o encontro e para as necessidades da população;

Cap. II – Cidades Sustentáveis – Dos Princípios à Acção

Áreas institucionais – locais para escolas e outras instituições devem estar num lugar central e comum;

Comércio Local – os locais de comércio devem estar na junção das ruas de tráfego e adjacente a outra UV;

Sistema Interno de Ruas – a UV deve possuir um sistema de ruas, cada uma proporcional ao seu tráfego. A rede de ruas deve facilitar a circulação interior e desencorajar o tráfego de passagem.

Cardoso sintetiza na publicação “Aspectos sociais da Unidade de Vizinhança como elemento de urbanização” (1958, 142-147), publicado pelo Centro de Estudos de Urbanismo da Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização (Ministério das Obras Públicas). Os elementos fundamentais a considerar nas Unidades de Vizinhança em contexto português encontram-se em anexo (Anexo 1). Apesar da importância da forma urbana, o autor refere que “é a atitude da população que, em última análise, determina o sucesso ou fracasso da Unidade de Vizinhança” (1958, 88).

Foi no Plano Urbano de Radburn, Nova Jersey, que as ideias anteriores foram colocadas em prática. Barcellos (2001, 6) evocando Stein (1956, 41-44), refere que “a ideia de Radburn responde ao enigma de “como viver com automóvel” ou de “como viver apesar dele”, resolvendo estas dificuldades com uma radical revisão do relacionamento entre casas, ruas, caminhos, parques (…). A sua inovação foi a integração dos super-blocos, vias de circulação separadas e especializadas, os parques traseiros às casas com duas frentes.”

Barcellos refere também que, até ao final da II Guerra Mundial, esta concepção urbana ficou restrita aos EUA, aparecendo na Europa com a reconstrução pós-guerra, especialmente no Reino Unido, onde se viriam a cruzar os pressupostos das Unidades de Vizinhança e das Cidades-Jardim (ficariam conhecidas como as “Cidades Novas”).

Nota-se também que, consoante as necessidades locais, os pressupostos sofrem algumas alterações. Exemplos disso foram as cidades de Stevenage (construída em 1946), em que a necessidade de residências foi em número bastante superior ao pressuposto por Perry, ou a cidade de Harlow, planeada e construída com base em preocupações sócio-culturais, na procura de uma identidade local e com preocupação na distribuição dos equipamentos colectivos. Estas experiências acabaram por ter repercussões tais que acabaram por ser aplicadas em vários países fora da Europa (Israel, Irão, Canadá, Índia, Brasil, entre outros) (Barcellos, 2001, 6-7).

Para uma melhor compreensão destas Unidades de Vizinhança foram seleccionados dois exemplos: Mark Hall North (Inglaterra) e Blackberg (Suécia) (Cardoso, 1958, 125-135).

Os Exemplos de Mark Hall North (Inglaterra) e Blackeberg (Suécia)

O primeiro exemplo é uma Unidade de Vizinhança integrada na cidade de Harlow. A Cidade Nova de Harlow era composta por quatro Unidades de Vizinhança principais com cerca de 20.000 residentes, sendo cada uma auto-suficiente para as necessidades básicas (Figura 12). Todas possuem um centro principal bem como uma rede de equipamentos sociais, religiosos, recreativos e culturais. As unidades estavam divididas por estradas principais em torno da escola primária. As Unidades de Vizinhança apresentavam entre 150 a 400 habitações.

Ao nível da circulação, existiam faixas próprias para ciclistas e peões, criadas a pensar na

segurança dos mesmos. Como referido nos pressupostos teóricos, os cruzamentos das vias davam-se de forma desnivelada e as tipologias de habitação eram variadas, com predominância de casas individuais de dois pisos agrupadas em fila. Esta Unidade de Vizinhança estava servida por um centro que concentrava os correios, bancos, escritórios, livrarias, cervejarias, salão de dança, igreja, centro de saúde, centro comunitário e cerca de sessenta lojas. Apesar da aproximação da realidade aos pressupostos teóricos, Cardoso identifica, em 1958, vários problemas, entre eles a falta de “sentido urbano” tanto pela baixa densidade como pela disposição das habitações.

A Unidade de Vizinhança de Blackeberg é uma das cinco que em conjunto formam a área de Vällingby (criada para diminuir o congestionamento da cidade de Estocolmo, localizada a 15 Km de distância). O seu modelo urbanístico aproximava-se das Cidades Novas inglesas (com excepção da ausência de autonomia administrativa). Esta Unidade de Vizinhança possuía, em 1956, 12.000 habitantes, repartidos em três sub-unidades de 4.000 habitantes. Cada sub- unidade possui um centro menor e, no conjunto, Blackeberg era auto-suficiente, apresentando um centro local e instalações escolares rodeados de amplos espaços livres para recreio. Cardoso (1958) caracteriza positivamente a distribuição dos edifícios habitacionais bem como a rede de circulação para os vários tipos de modos de deslocação. Quanto às habitações, verifica-se uma grande variedade de forma a satisfazer as diferentes necessidades dos vários

Figura 12 - Mark Hall North (1951) Fonte - Cardoso (1958, 125-135)

Cap. III – Cidades Sustentáveis – Princípios, Movimentos e Políticas em torno da sua configuração

agregados, variando de moradias isoladas a blocos de elevada densidade até 10 pisos, com predomínio de habitações colectivas de blocos de 3 pisos.

CAP. III. CIDADES SUSTENTÁVEIS – PRINCÍPIOS, MOVIMENTOS E POLÍTICAS

EM TORNO DA SUA CONFIGURAÇÃO

Os processos anteriormente enumerados e, em particular, o mais recente fenómeno de expansão urbana difusa, têm marcado claramente a evolução do território, gerando um conjunto de problemas listados por vários autores e instituições. Estes problemas são comuns à realidade americana (cujo crescimento urbano está inequivocamente marcado pelo automóvel e por uma rica rede viária que aumenta os níveis de acessibilidade dos territórios), à realidade europeia, nomeadamente a partir da década de oitenta, e estendem-se agora às urbes da América Latina e Ásia, também associadas às acessibilidades, ao transporte individual e à revolução da relação custo/tempo a estas associadas.

Neste contexto, urgia encontrar respostas em termos de intervenção no território, o que deu lugar ao surgimento de vários movimentos e orientações, que ganham maior expressão em finais da década de oitenta, enquadrados nos movimentos associados à Sustentabilidade.

Em 1983, as Nações Unidas convocaram uma Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento2 - Comissão de Brundtland, organismo que, quatro anos depois, publicou o relatório “Our common future” ou “Relatório de Brundtland”. Neste, o conceito de “Ecodesenvolvimento” é substituído por “Desenvolvimento Sustentável” (DS) e ganha a sua definição mais usual: " desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades". Em 1992 ocorre a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento ou Conferência do Rio (Brasil), contexto em que surgiu um plano de acção estratégico global, de actuação local – Agenda 21 Local3, onde é atribuído um papel fundamental aos governos locais na sua implementação (Dias, 1998, 13). Até ao momento, o conceito de Desenvolvimento Sustentável referia-se somente às vertentes de protecção ambiental e do desenvolvimento económico, e só na Cimeira Social de Copenhaga, em 1995, se dá a integração do terceiro pilar – o pilar Social (IA, 2002).

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World Commission on Environment and Development (WCED)

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Nos EUA surge a Carta do Novo Urbanismo, de 1996 (CNU, 2001), onde se destaca o princípio de concentração urbana – Smart Growth; o multifuncionalismo dos locais, as deslocações pedonais, urbanismo amigável à população e de acordo com a sua história e cultura;

Apesar da discussão teórica na qual ainda se debate o conceito de Sustentabilidade e o Desenvolvimento Sustentável, a realidade é que os mesmos já estão integrados em vários documentos e programas da União Europeia. Relativamente ao planeamento urbano, foi na década de 1990 que, tanto na Europa como nos EUA, surgiu a noção de Cidades Sustentáveis, contrariando os princípios funcionalistas do Urbanismo Moderno e a expansão desmedida das áreas urbanas, que provocaram problemas aos centros urbanos já existentes, a nível social, ambiental, económico e urbanístico. Alguns factores resultantes do Urbanismo Moderno tais como a ocupação urbana monofuncional, dependência excessiva do automóvel, falta do sentimento de pertença aos locais de residência dificultando a existência do sentido de comunidade, teriam então de ser contrariados.

3. Desenvolvimento Sustentável e o Planeamento Urbano no contexto