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As vertentes geradoras das CEBs

CAPÍTULO I ORIGEM DAS CEBs NO BRASIL

1.1 As vertentes geradoras das CEBs

Não são muitos os trabalhados acadêmicos que se dedicaram a estudar as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) no Brasil25. Do ponto de vista da gênese destas Comunidades, o trabalho de Macedo (1986), focando as CEBs num bairro da periferia de São Paulo, é uma referência obrigatória. Mas, certamente a tese de doutorado de Teixeira (1988), que analisa a gênese das CEBs no Brasil, constitui-se em outra referência importante. Ambos observam as CEBs como um movimento de recriação da Igreja Católica no Brasil, chamando-o de eclesiogênese. Dado a sua relevância esses dois autores são privilegiados singularmente no diálogo com esta investigação.

CEBs é um fenômeno sócio-religioso multifacetado, de modo que precisar sua origem é uma tarefa extremamente complexa, uma vez que como objeto das ciências sociais da religião, encontra-se em criação e recriação permanente. Melhor observar as CEBs como processo em curso, não classificadas em molde, mas focadas no movimento e na diversidade, movidas por impulsos dependentes ou relacionados com cada tempo e lugar onde se encontram. Torna-se necessário discorrer sobre alguns elementos históricos da ação da Igreja Católica para encontrar as possíveis relações existentes entre suas duas principais vertentes: o “catolicismo brasileiro” e o “catolicismo romano”, tomadas aqui na perspectiva analisada por Teixeira (1988), e perceber a partir daí, como as CEBs emergiram e reinventaram “o catolicismo das comunidades eclesiais de base” a partir da segunda metade do século XX. Como enfatiza Steil (2004), “o catolicismo se torna compreensível na medida em que é visto no horizonte de sua trajetória histórica” (p.12). E quando faz sua tipologia desde o contexto do catolicismo

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Mauês (2005) faz um inventário da literatura acadêmica recente sobre Comunidades Eclesiais de Base. Rodrigues et alli (1997) afirma que “a partir do final dos anos 1970 e na década de 1980 muitos estudos sobre religião no Brasil abordaram as Cebs e seu impacto social. Na década seguinte outras experiências religiosas foram privilegiadas na literatura analítica, especialmente o Pentecostalismo e a Renovação Carismática Católica. Recentemente as Cebs voltam a ser referidas na literatura acadêmica sobre religião no Brasil, mas sempre em comparação a estas expressões religiosas. Veja-se por exemplo, Mariz (1994), Mariz e Machado (2000), e Ramalho et alii (2001). Estudos específicos sobre as Cebs constituem quase exceções, como Boff et alii (1997), uma análise baseada nas pesquisas realizadas pelo Iser/Assessoria e Memória e Caminhada, uma revista eletrônica para os estudos sobre as Cebs criada em 2001 pela Universidade Católica de Brasília”.

no Rio Grande do Sul, enumera “o catolicismo moderno de origem ibérica”, “o catolicismo de imigração”, “o catolicismo romanizado”, “o catolicismo libertador”, “o catolicismo carismático”, “o catolicismo difuso e cultural”, uma classificação que poderia ser estendida para Santa Catarina, resguardadas as diferenças e as características peculiares de cada contexto histórico.

Historiadores da Igreja Católica no Brasil, como Azzi (1977) e Hoornaert (1980), costumam traçar duas grandes vertentes do catolicismo desenvolvido no Brasil: a vertente do “catolicismo popular” datado do período da colonização até meados do século XIX, quando ocorre em Roma o Concílio Vaticano I (1870); e a do “catolicismo romanizado” imposto pelas diretrizes centralizadoras de Roma derivadas deste Concílio até hoje. Essas vertentes podem ser identificadas nas Diretrizes e Orientações da Ação Evangelizadora da diocese de Lages (DOAE, 2005), aí designadas de “modelos de igreja”. Portanto, são reconhecidas e consideradas naqueles mesmos termos ou significados por toda a região da Serra Catarinense. Elas tornam-se relevantes quando se deseja identificar em quais afluentes do modo de ser católico as CEBs têm origem no país e seus correlatos, como é o caso de Lages.

Mas, não se pode mais simplificar a discussão quando se trata do fenômeno do catolicismo brasileiro denominando-o simplesmente de romano ou popular. Welter (2007) ao tratar, por exemplo, da categoria “religião popular” demonstra por diferentes autores o dilema epistemológico e daí a dificuldade operacional da categoria “popular” para classificar religiões – motivo de acalorados debates acadêmicos, sobretudo, a partir da década de 60, do século XX. Em função disso, faz ver que alguns investigadores optam por utilizar religião “popular” entre aspas, especificando sua aplicação. E que, outros investigadores optam por falar de “religião no cotidiano”, “religião vivida”, “religião local”, “religiões do povo”, enfatizando os referenciais culturais, históricos e geográficos da religião vivida e administrada pelos sujeitos. Nesta celeuma os conceitos de “religião popular” gozam de uma ampla gama de possibilidades, considerados desde a vivência religiosa do sujeito oposta à religião instituída até a afirmação de que toda religião é popular. Entre as diferentes saídas apontadas para o dilema do uso do conceito de “religião popular” nos diferentes autores analisados, pareceu-me plausível, ainda que haja optado por uma nomenclatura mais geral, a recomendação de levar em consideração a questão da contextualidade da religião. Ou seja, segundo Welter (2007), o antropólogo deveria delimitar, como unidade de análise, o grupo no qual se concretiza o exercício da conduta religiosa, dentro da qual suas estruturas, lideranças, funções,

crenças e suas relações com os demais grupos podem explicar os significados de tais condutas. O autor utiliza o argumento de Mateos para afirmar que “o fenômeno religioso não é um eixo estático nem imutável, mas submetido aos processos da dinâmica social do grupo humano que o constituiu (p.28). Portanto, a análise interpretativa ao se referir ao fenômeno do catolicismo deve caracterizar o “catolicismo” que está em foco.

Teixeira (1988)26, ao analisar a vertente do catolicismo em âmbito de país, designado por ele de popular, mostra um caráter predominante leigo, porque se encontra vinculado à instituição do Padroado Régio, por isto está mais dependente dos Estados Ibéricos e goza de uma relativa autonomia em relação a Roma. Nesse contexto os padres ocupam um lugar secundário, pois são poucos e com mínima formação teológica no trabalho da evangelização. Desde o início do período colonial, precisa Teixeira (1988), emerge um catolicismo predominantemente leigo, mas não separado da hierarquia. A relação entre os leigos e o clero sempre foi muito valorizada. Ela se dava em ocasiões muito especiais na denominada “visita pastoral”, nas “missões populares”, ou ainda através da presença do clero nos santuários, no período das romarias. Evidentemente que são contatos esporádicos, mas contatos que ocorrem em momentos fortes, de intensa vivência religiosa, sistemáticos e por isso, o suficiente para garantir e manter a unidade religiosa entre os fiéis.

Agregam-se ainda outras características àquilo que é definido como popular por Teixeira (idem) como o culto aos santos27, a presença de ermidas, culto e festa, organização de Irmandades, Ordens Terceiras, peregrinação a santuários, capelas construídas pelas beiras de estradas, muitas vezes sem pedir licença ao padre ou ao bispo28. A presença de um oratório doméstico29 ao redor do qual a família se reúne, tanto na casa da grande fazenda como na propriedade rural familiar, constituem as principais características desse catolicismo popular. Entretanto, o que se deseja enfatizar

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Teixeira (1988) descreve detalhadamente, com exaustivo inventário bibliográfico, as características dos “modelos do Catolicismo Popular e do Catolicismo Romanizado”.

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Welter (2007) ao analisar a prática devocional ligada a João Maria no contexto religioso do universo cultural da Serra Catarinense demonstra as diferentes alianças e relações de reciprocidade que se estabelecem entre o devoto e o santo.

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Caso histórico em Lages é o da Igreja Santa Cruz, construída pelos leigos organizados em irmandade. A paróquia da catedral anexou à sua organização somente na década de 1930. Hoje se observa em seu interior uma cruz de madeira toda revestida em vidro, “trazida por São João Maria”, como se ouve por ali.

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Em meu trabalho de campo realizado no município de São José do Cerrito, distante trinta quilômetros de Lages, tive a oportunidade de identificar na maioria das casas dos “agricultores” a presença de um “oratório”, diversas imagens de santos, geralmente localizadas na “sala de visita” e utilizadas para as práticas religiosas familiares.

é a presença do agente leigo protagonizando, como mostra este autor, a “organização da religião nos níveis familiar, comunitário e de sociedade” (p.23). Essa configuração terá forte influência na composição das CEBs no Brasil. Já a expansão do catolicismo romano brasileiro explica-se por dois fatores, um externo e outro interno.

Por um lado verifica-se como a romanização relaciona-se com o processo de restauração católica na Europa, com ênfase na centralização do poder religioso da Santa Sé. E, por outro lado, com a reestruturação interna do “aparelho eclesiástico” brasileiro, caracterizada pela ação dos bispos reformadores da segunda metade do século XIX, no sentido de impor um maior controle sobre os leigos e suas associações. Este controle visava impor um modelo universalista de adequação do catolicismo brasileiro às diretrizes centralizadoras de Roma (TEIXEIRA, 1988, p. 24).

A ênfase nesta abordagem enfoca a dinâmica interna responsável pela implantação do catolicismo romano no Brasil. Lembra Teixeira que dos onze bispos brasileiros existentes na época, sete participaram do Concílio Vaticano I realizado em 1870 sob o pontificado de Pio IX (1846-78), período em que se intensificou o processo centralizador do poder religioso da Santa Sé. Estes bispos retornaram com a “missão” de executar as diretrizes do conclave pautadas na centralização e fidelidade ao papa; na criação de seminários onde os jovens pudessem encontrar uma sólida formação que os capacitasse para enfrentar as “ameaças” do mundo e qualquer tentativa de renovação (p.25). Não se pode subestimar também o fato da criação, em 1858, do Colégio Pio Latino-Americano, em Roma, onde a partir de então, grande parte do clero nacional recebia sua formação filosófica e teológica, evidentemente, sob inspiração das diretrizes romanas30.

O processo de romanização constitui-se, em parte, no Brasil, numa estratégia contra a autonomia do catolicismo. Mas no fundo a Igreja pretendia recuperar o seu espaço de poder uma vez que tudo concorria para a futura separação da aliança trono/altar prevista na constituição de 1824. Essa questão na época era ponto de discórdia e conflito entre as correntes de pensamento, pois cabia ao Estado nomear os sacerdotes e pagar suas despesas. Portanto, na prática, as bulas papais ordenando padres e bispos e outras providências teriam efeito somente se o imperador assim o permitisse. Nesse contexto emerge o conflito conhecido por “Questão Religiosa”, entre 1872 e

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Atualmente entre os critérios que pesam na indicação de um candidato a bispo no Brasil, esta o fato do mesmo ter passagem por algum estudo em Roma ou algum curso promovido pelo Conselho Episcopal Latino Americano - CELAM.

1875, envolvendo a Igreja Católica e a Maçonaria31. Pio IX, que iniciara seu pontificado em 1848, presidiu o Concílio Vaticano I de 1870 quando foi aprovado o dogma da infabilidade papal e a implementação de uma reação contra todos os valores da modernidade. Desse modo o papa passa a reivindicar a autonomia da Igreja frente ao Estado, manifestando seu total apoio ao episcopado brasileiro. Como recorda Teixeira (1988),

indício claro de uma tomada de posição contra o regalismo. Essa presença romana crescerá consideravelmente com a República, onde a tutela do Estado sobre a Igreja cederá lugar ao estrito controle por parte de Roma. A entrada maciça de ordens e congregações religiosas européias reforçará, no plano ideológico, o projeto de romanização do catolicismo brasileiro (p.24).

Com a Proclamação da República em 1889, a Igreja Católica Romana investe numa nova tarefa: a romanização. Do ponto de vista do catolicismo popular descrito por Teixeira (1988), a romanização pautou-se pela descaracterização da produção religiosa católica popular, suprimindo as pequenas capelas rurais, as confrarias e irmandades. Impôs o controle clerical sobre todas as atividades religiosas. Líderes religiosos locais são atacados ou combatidos como rezadores, beatos, organizadores de romarias, benzedores, capelães, buscando destituí-los de suas funções religiosas32.

Os agentes da romanização utilizam diversas estratégias para atingir todos os âmbitos do catolicismo popular compreendido sempre na perspectiva analítica de Teixeira (1988): urbano, rural, regional, local e doméstico. No urbano desmantelam-se as antigas confrarias substituindo-as pela Congregação Mariana, a Cruzada Eucarística e o Apostolado da Oração. Outro componente foi a substituição das devoções tradicionais (Santo Antônio, São Sebastião, São Benedito), por novas devoções sob o controle clerical. Seguindo a mesma estratégia ocorrerão também tentativas de substituição das antigas festas religiosas, onde a iniciativa leiga era e continua sendo determinante. No âmbito rural, os sacerdotes de congregações religiosas estrangeiras que chegam ao Brasil tentam assumir o controle dos santuários, centros significativos de romarias; no nível local realiza-se a incorporação da capela rural à administração paroquial. E as capelinhas de beira de estrada, afirma Teixeira, quando não se ordenou o fechamento, o

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Sobre o conflito que envolveu a Igreja Católica e o Estado denominado de “Questão Religiosa” (1872- 1875) remeto o leitor para a análise de Oro (2006, p. 78).

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Ver Queiroz (1986), Dickie (1996) e Welter (2007), sobre repressão aos milenarismos/messianismos rurais no século XIX e início do século XX, na Guerra do Contestado (SC), Mucher (RS) e Canudos (BA).

seu uso ficou condicionado à autorização do vigário. No nível doméstico, os oratórios também são visados pela romanização, mas muitos deles ficam preservados e até se fortalecem, pois, como afirma Teixeria (1988), estes católicos “sem espaço na organização paroquial, acabam refugiando-se na esfera doméstica, e privada, sem uma dimensão pública e coletiva; ou então abrigam-se noutros sistemas religiosos populares, sobretudo a umbanda” (p. 29).

Com a estratégia da romanização, altera-se substancialmente o lugar e o papel do leigo e dos membros da hierarquia no campo religioso católico. De um lado, o leigo ocupa gradativamente uma posição menos ativa ao deslocar-se das inúmeras iniciativas de que era protagonista para assistir o padre ascender e controlar todas as instâncias de poder e práticas da religião católica romana.

Não obstante a imposição virulenta do catolicismo romano, não sucumbiram na base do laicato os valores e práticas desse catolicismo popular. Embora o primeiro tenha conquistado visibilidade e hegemonia no discurso e na direção do clero, o segundo manteve-se latente, na esfera privada e doméstica. Ali na região da Serra Catarinense coexistiram as duas formas de catolicismo, conforme as próprias diretrizes atuais da diocese de Lages reconhecem e como refletem alguns pesquisadores da região33. Em nível nacional, ainda hoje, observam-se práticas do catolicismo devocional em um nível profundo, primário no sentido sociológico nos termos de Teixeira, enquanto que em nível secundário, têm-se muitos elementos do catolicismo romano mesclados com outros que provém das mudanças advindas do Concílio Vaticano II (1962-1965), corrente atualmente denominada de “Igreja Povo de Deus”34.Segundo Teixeira (1988), o conflito entre o processo de romanização e a corrente devocional “vai explicar, em parte, como de repente explode uma iniciativa popular incubada: as CEBs” (p.30). “De repente” pode não soar a percepção mais correta, uma vez que, o que se constata ao longo de sua abordagem, é um longo processo histórico no qual um conjunto de fatores, experiências, práticas religiosas e sociais adensadas constituir-se-ão num legado que as CEBs incorporarão e re-significarão.

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Ver, por exemplo, DOAE (2005); Serpa (1997) e Welter (2007).

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Os dois catolicismos, romano e popular, nas características descritas por Teixeira encontram-se iconizados na cidade de Lages. Em frente ao Convento Franciscano, localizado no centro da cidade, o governo municipal construiu um monumento a Frei Rogério Neuhaus, quando seus restos mortais foram transladados do Rio de Janeiro para Lages na década de 1980. E, no interior da Igreja Santa Cruz, pode-se observar enorme cruz de cedro, toda revestida em vidro servindo de proteção contra “ameaças” de fiéis que buscariam lascas para fazer chás ou as terem como relíquias, pois como se conta, esta cruz foi “conduzida por São João Maria”.

É pertinente apontar a discussão teológica realizada por autores que não chegam a uma posição unânime em relação ao afluente histórico do catolicismo popular caracterizado por Teixeira (1988) constituído ao longo do período da Colônia e do Primeiro Império nos séculos XVIII e XIX pelo qual emergiram as CEBs. Teixeira (1988) lembra que Libânio identifica a emergência e dinamismo das CEBs como decorrente da prática de organização da Igreja durante toda a longa experiência que antecedeu a romanização, quando predominava um catolicismo de influência muito mais relacionado com o catolicismo ibérico. Naquele contexto, afirma que “as CEBs recuperam, de certa forma, aquela liberdade que os fiéis gozavam no interior da Igreja antes do processo de romanização. Não surgem do nada. Reencontram as fontes tradicionais e profundas de um catolicismo tradicional naquilo que tinha de original, popular, autônomo, livre” (p.30). É, então, que aparecem líderes leigos que assumem papel relevante na vida eclesial popular, respondendo a outras exigências e condições sócio-culturais.

Esta reflexão sugere que nas Comunidades Eclesiais de Base recuperam-se – sob novos moldes – uma experiência de catolicismo onde o leigo pode assumir uma posição ativa na comunidade religiosa, uma posição de sujeito, de produtor, de líder, de animador. Contudo, Teixeira recorda que Clodovis Boff levanta a hipótese de que as CEBs encontraram âncora no catolicismo romanizado:

As CEBs, antes de se vincularem com o catolicismo colonial, se vinculam com o catolicismo romanizado. Foi essa Igreja romanizada que, liberta do Estado, conseguiu passar para o povo, em função de sua libertação (daí as CEBs). Os animadores das CEBs e seus membros vieram não das velhas irmandades já existentes, mas justamente das “novas” (então) associações religiosas paroquiais romanizadas: Legião de Maria, Apostolado da Oração (BOFF, 1979; in TEIXERIA, 1988, p. 53).

Boff está se referindo à Igreja após sua separação do Estado em 1889, portanto mais autônoma dentro do país, mas agora sob o controle de Roma, tendo nas associações religiosas paroquiais romanizadas a sua mais forte expressão. Na sua visão, elas teriam sido as sementeiras de lideranças para constituírem as CEBs. Este dado será importante quando se considerar as “CEBs” em Lages, uma vez que, muitas delas tiveram origem na valorização de estruturas das associações romanas tradicionais.

Mas, é com o impulso do Vaticano II e posteriormente pela Conferência de Medellín (1968), que se elabora uma reflexão da fé a partir da realidade do continente latino-americano, conhecida por Teologia da Libertação. Neste contexto, sobretudo sob

direção do papa Paulo VI, dá-se um processo de descentralização do governo eclesiástico e a conseqüente valorização das conferências episcopais continentais e de países no sentido de se aplicar as diretrizes do Concílio Vaticano II35. Contudo, na sucessão dos pontificados de João Paulo I (1978)36 e João Paulo II (1978-2005), se sucede um movimento para dentro, a volta do centralismo, o controle sobre as conferências episcopais, inclusive com efetivas ameaças de condenação da Teologia da Libertação e de “desconfiança” e “distanciamento” das comunidades eclesiais de base por parte de Roma, não obstante a afirmação das conferências episcopais continentais de Puebla (1979) e Santo Domingo (1992). Teixeira (1988) tece alguns comentários recusando a posição de Boff, de que as CEBs provieram do catolicismo romanizado pela difícil comprovação empírica, argumenta (p. 54).

Todos estes discursos são datados e elaborados no interior da instituição por agentes institucionalizados, que podem estar utilizando determinadas estratégias no sentido de legitimar projetos, “modelos de igreja” no curso histórico. Neste caso estão em questão as CEBs, manifestações privilegiadas da Igreja Progressistas, cujo projeto embute “um novo modo de toda a igreja ser”, pela “democratização do poder” tendo em vista a “transformação da sociedade”, mas que tem sempre Roma como seu calcanhar de Aquiles. Mas, afinal, Roma não é uma só. A exemplo de outras instituições sociais, esta sofre fissuras e vive contradições em suas práticas e relações de poder. O movimento não linear da história entre avanços e recuos, ambigüidades e contradições também ocorre por lá.

A observação sobre o campo empírico onde as CEBs se encontram na região da Serra Catarinense permite sustentar a perspectiva de que os dois modos históricos de viver o catolicismo tiveram influência sobre o nascedouro dessas Comunidades. Sem ignorar a relação com as Comunidades urbanas de Lages, posso afirmar pela convivência no universo cultural existente que no meio rural apresentam significativas