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2. MADRE DE DEUS: UM TERRITÓRIO DE RISCO

2.2 O RISCO AMBIENTAL TECNOLÓGICO EM MADRE DE DEUS

2.2.3 As Vulnerabilidades Diante das Ameaças Tecnológicas

Embora seja imprescindível uma abordagem integrada, transdisciplinar e multirreferencial das diversas dimensões interdependentes que compõem as vulnerabilidades em um território de risco, para efeito de melhor identificação, neste trabalho, suas dimensões foram fragmentadas em categorias e relacionadas às identificadas em Madre de Deus.

Quadro: VULNERABILIDADES EM MADRE DE DEUS A PARTIR DA CLASSIFICAÇÃO DE WILCHES CHAUX (1993)

VULNERABI-

LIDADES CARACTERÍSTICAS OCORRÊNCIA EM MADRE DE DEUS

Física (ou locacional)

Refere-se à ocupação e ao

adensamento populacional de áreas perigosas, provocadas em alguns casos pela falta de opção.

- Presença de equipamentos industriais em mais de 50% do território e próximos a área urbana;

- Elevada densidade demográfica; - Ocupação irregular.

Econômica

Falta de diversificação da base econômica, entre outros. Existe uma relação inversa entre renda per capita em níveis nacional, regional ou local, e internamente a uma comunidade, e o impacto dos fenômenos físicos extremos, isto é, a pobreza aumenta o risco de desastre.

- Sobreposição da atividade petrolífera sobre as demais atividades econômicas;

- Dependência econômica municipal aos impostos e royalties da Petrobras/Transpetro e subsidiárias.

Social

Baixo grau de organização e coesão interna das comunidades em risco, que perdem a capacidade de prevenir, mitigar ou responder a situações de risco.

- Desarticulação e desmobilização das entidades da sociedade civil;

- Incipiente participação em Conselhos Municipais, principalmente no de Meio Ambiente e no Plano de Contingência de Madre de Deus-PCMD.

VULNERABI-

LIDADES CARACTERÍSTICAS OCORRÊNCIA EM MADRE DE DEUS

Política

Alto grau de centralização na tomada de decisão com baixa autonomia de decisão local e comunitários, além da falta de participação, impedindo uma maior adequação das ações aos problemas locais diagnosticados.

- Frágil autonomia política;

- Dependência das decisões da empresa para implementação de medidas e ações de segurança;

- Difícil acesso à empresa

- Ausência de mobilização e participação popular

Técnica

Relacionada às técnicas construtivas inadequadas de edificações e de infraestruturas básicas em áreas de risco, sem as medidas devidas de preservação e estabilização; Incapacidade e/ou indisponibilidade de técnicos e/ou equipamentos específicos para avaliar e propor alternativas compatíveis para as situações de risco.

- Ineficiência na aplicação de critérios urbanísticos para a prevenção de risco; - Limitado quadro de pessoal com qualificação específica, para planejar, avaliar, executar projetos e procedimentos necessários a prevenção e mitigação de risco, especialmente nas áreas de saúde, meio ambiente, defesa civil.

Ideológica

Reflete as concepções de mundo e de meio ambiente, em que

passividade, fatalismo e prevalência de mitos limitam a capacidade de agir adequadamente em relação aos riscos a que está exposta.

- Percepção superficial quanto às ameaças e vulnerabilidades pela falta de transparência da empresa;

- Existência do mito do barril de pólvora15, que estimula o sentimento de fatalidade, passividade e submissão;

Cultural

Ausência de cultura de autodefesa promovida, em parte, pelos meios de comunicação que produzem informações estereotipadas sobre meio ambiente e situações de risco, obscurecendo a realidade.

- Ilusão da melhoria da qualidade de vida em função dos benefícios sociais, sem considerar os prejuízos ambientais e à saúde;

- Ausência de cultura de autodefesa, ao acreditar que o contexto de risco em que vivem é imutável e por isso aceitável.

Educacional

Ausência de elementos informativos e debates nos programas de educação que tratem dos temas meio ambiente e risco no contexto local. Além do baixo grau de preparação da população sobre as formas

adequadas de comportamento diante de ameaças ou acidentes.

- Inexistência de informação sobre a situação de risco local nos currículos e programas de educação formal ou informal no município; - Demanda para o envolvimento da escola na abordagem do tema risco, conforme evidenciado nas entrevistas.

Ecológica

Forma de ocupação e uso do solo a partir da dominação, desequilíbrio ecológico e destruição do ambiente.

- Contaminação crônica da fauna e flora por hidrocarbonetos e metais;

- Poluição atmosférica; - Contaminação do solo;

- Elevação dos problemas crônicos de saúde.

Institucional

Reflete-se na obsolescência e rigidez das instituições, especialmente as jurídicas, nas quais prevalecem a burocracia e os critérios personalistas eleitoreiros, inviabilizando medidas e ações eficientes e rápidas.

- Desarticulação entre os órgãos municipais e destes com a comunidade e setor privado; - Desorganização interna, principalmente da Coord. Municipal de Defesa Civil-COMDEC em relação à elaboração, organização e arquivamento de documentos;

- Despreparo dos funcionários e membros dos grupos de atendimento e resposta a acidente; - Desinformação por parte de gestores e técnicos da prefeitura e população quanto aos principais cenários de ameaça e planos de fuga;

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Refere-se ao sentimento de fatalidade de que nada pode ser feito diante do estabelecido, tendo em vista a probabilidade de total destruição desta área em caso de acidente.

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LIDADES CARACTERÍSTICAS OCORRÊNCIA EM MADRE DE DEUS

- Despreparo da população para uma ação de emergência;

-Dependência da COMDEC em relação à PETROBRAS/TRANSPETRO para a realização de simulados e atualização do PCMD.

Tabela 1Tipologia de vulnerabilidades, segundo WILCHES-CHAUX (1993), adaptada pela autora

Pode-se observar que as vulnerabilidades elencadas evidenciam a fragilidade de uma política pública de gestão de risco16 que desde a implantação da indústria na década de 50 do século passado tem sobreposto os interesses nacionais ao local, ao permitir a coexistência de atividades incompatíveis à área urbana como dutovias, parques e tanques de armazenamento de produtos inflamáveis e explosivos, correspondendo a um modelo de desenvolvimento e gestão que têm ampliado os riscos no território.

Para que se tenha uma noção do histórico de acidentes em Madre de Deus serão citados a seguir apenas dois casos especiais, um muito antigo e que faz parte das lembranças assustadoras dos moradores mais antigos do lugar, e outro bem recente, mas também presente na lembrança dos moradores e trabalhadores que passaram por momentos de desespero, conforme relatos apresentados abaixo.

O acidente de 1967, ocorreu quando da colisão do navio petroleiro Quererá com um dos píeres do Temadre. Segundo os meios de comunicação da época, um desastre que devido às suas proporções (explosão, incêndio e fumaça), pôde ser acompanhado da cidade do Salvador.

[...] a explosão rompeu toda a tubulação condutora de óleo cru, gasolina, óleo diesel e gás natural, irrompendo então o incêndio, cujas chamas cobriram uma área de quatrocentos metros quadrados, em cima do mar, sendo que nas saídas (partidas) dos tubos, a força do fogo foi muito mais forte. [...] (Jornal A TARDE, 02 de junho de 1967, p. 3).

[...] O Terminal Marítimo de Madre de Deus poderia ter sido totalmente destruído se a maré não estivesse de vazante, o que concorreu para que o material inflamável fosse levado para distante. Aliás, toda a região correu o perigo de completa destruição caso as válvulas que conduzem gás não fossem imediatamente bloqueadas. [...] (Jornal A TARDE, 02 de junho de 1967, p. 3).

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Neste caso trata-se de medidas que englobam diversas ações governamentais e não governamentais, relacionadas a prevenção, mitigação e resposta aos riscos ambientais tecnológicos.

De acordo com matéria do JORNAL DA BAHIA, “[...] O acidente, além de causar sérios prejuízos à ponte de atracação do terminal, contaminou grande área da Baía de Todos os Santos. [...]” (JORNAL DA BAHIA, 02 de junho de 1967, p. 2).

Pânico no Terminal Marítimo de Madre de Deus: incêndio mata 11 e fere 18. [...] A Cidade (Salvador) foi alertada para o sinistro, em virtude da grande nuvem de fumaça – que se levantava por volta das 11h no fundo da Baía de Todos os Santos. As janelas dos edifícios da Cidade Alta e da Cidade Baixa apinharam-se de espectadores inquietos, mais os pontos de maior aglomeração foram às balaustradas do Elevador Lacerda e da Praça Castro Alves. Havia muita gente também no Cais do Porto[...] Além de ocasionar grandes danos à ponte de atracação do TEMADRE e ao petroleiro “Quererá” [...] O incêndio contaminou as águas de uma parte da baia de Todos os Santos, levando as autoridades a advertirem os navegantes e os banhistas. (JORNAL DA BAHIA, 02 jun. 1967).

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Recentemente, em 23 de setembro de 2015, um incêndio no parque de gás liquefeito de petróleo (GLP) da Transpetro - Parque Maria Quitéria provocou grande pânico na população de Madre de Deus, sendo noticiado em jornais televisivos, impressos e redes sociais. O incêndio provocou a evacuação de moradores dos bairros de Suape, Quitéria Velha, Cururupeba e adjacências, além de alunos, docentes, gestores e demais funcionários da Escola Municipal Antônio Carlos Magalhães, também vizinha ao local.

[...] Moradores informaram que passaram por momentos de pânico por conta da fumaça e das “fortes labaredas” que saíam do tanque, além do cheiro forte de gás que exalou do local. [...] O susto de ontem, para eles, deve ser encarado como um alerta. “Não queremos virar peixe frito” [...]. [...] Segundo o encanador [...] morador da comunidade, o odor de gás estava mais forte do que o normal. “minha filha passou mal essa semana várias vezes. Hoje, teve que ser internada por causa do cheiro. As crianças aqui sofrem, precisam ser hospitalizadas constantemente” afirmou. [...] [...] Por morar perto do terminal, a pequena Ketllin, de um ano, começou a desenvolver problemas respiratórios. “Isso é um problema para nós. Vivemos sob tensão, principalmente por nossos filhos”, disse a estudante Tainá Salustiano, 18, mãe de Ketllin.

[...] Os estudantes da Escola Municipal Antônio Carlos Magalhães, no bairro do Suape, também tiveram de deixar a unidade às pressas. [...]

[...] Segundo o prefeito de Madre de Deus, Jeferson Andrade (PP), 60% do perímetro de Madre de Deus são de área petrolífera, enquanto o restante é composto pela zona urbana do município. “Somos classificados como uma cidade dentro da Petrobras. É uma área rodeada por tubos e canos, e por isso há perigo”, afirmou. (A TARDE, 24/09/2015, A4).

Neste sentido, pensar os currículos desses territórios requer uma compreensão do risco sustentada no paradigma da complexidade, contemplando os processos

históricos condicionantes dos modelos de desenvolvimento, considerando que as percepções sobre os problemas ambientais e o risco são diferentes (e até divergentes) conforme valores, interesses, modo de produção e relações intersubjetivas de cada grupo social. Afinal, o risco, assim como o currículo, é uma construção social e corresponde à possibilidade de perda ou ganho de algo que tem valor.