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2. MADRE DE DEUS: UM TERRITÓRIO DE RISCO

2.2 O RISCO AMBIENTAL TECNOLÓGICO EM MADRE DE DEUS

2.2.1 A Conformação do Risco

Com a decadência da agroindústria açucareira, a chegada da energia elétrica e ações do Conselho Nacional do Petróleo – CNP na década de 30 e posterior implantação da Petrobras em 1953, novos ciclos de atividades foram implementados no Recôncavo Baiano. Em 1941 a abertura do primeiro campo comercial de petróleo do Brasil, em Candeias – BA fomentou uma reconfiguração urbano-industrial que vinculou o desenvolvimento local aos interesses nacionais em função das atividades petrolíferas. (BRITO, 2008).

Conforme Peso (1995), praticamente todo óleo e gás produzido no Brasil até 1966 eram originário dos campos do Recôncavo Baiano. Até 1988, cerca de 4.025 poços já haviam sido perfurados e uma vez iniciadas as atividades, provocavam toda a sorte de destruição do que estava instalado sobre o solo: poluição das águas com o óleo e produtos químicos utilizados na perfuração dos poços; destruição parcial de canaviais, roças e pastos, dentre outras. (BRITO, 2008, p. 72).

Segundo Pinto (1998):

Na busca dos cumprimentos dos seus objetivos, em qualquer lugar que apresentasse a possibilidade de existência de petróleo no subsolo (das fazendas produtivas ou não, o que gerava sempre destruição e/ou contaminação do que estava na superfície da terra e que desagradava os proprietários pelos baixos valores recebidos por indenização), este órgão não media esforços para pesquisá-lo e, a partir da constatação de sua existência, passar a explorar o óleo e/ou o gás natural (p.93).

Assim, diante da crescente produção, como da necessidade de processar o produto extraído no Estado foi construído, em 1956 o Terminal Marítimo Almirante Alves Câmara (TEMADRE), o primeiro do país. A opção locacional foi a mais recomendada por “facilitar o recebimento e expedição de materiais para a construção e matérias-primas utilizando o transporte de cabotagem” da BTS, bem como pela condição de segurança nacional das atividades estratégicas determinada pelo regime militar. (BRITO, 2008).

Conforme Brandão (1998), estas vilas cresceram exponencialmente com a chegada da indústria petrolífera, tornando-se área residencial dos novos operários e base de operação das inúmeras firmas subcontratadas. Nesse processo, estradas foram abertas e a navegação de cabotagem fluvial e costeira da região reduzida frente à nova dinâmica econômica. As rotas para navios petroleiros passaram a impor limites náuticos, dificultando o acesso das pequenas embarcações, “[...] arreiam-se as velas dos saveiros” (BRANDÃO, 1998, p. 44), interrompendo um ciclo de atividades de transporte de pessoas e produtos que até então representava a única forma de comunicação e desenvolvimento da região.

Comprar, transportar, embarcar, velejar; descarregar, vender ou entregar e recomeçar, indefinidamente, esse circuito, eis a tarefa do embarcadiço do Recôncavo, que faz isso nos quatro cantos da baía.

A natureza rudimentar das operações, dos instrumentos e da técnica utilizada no trabalho, permite que o mesmo homem, amanhã, saia para pescar, ou vá catar marisco no mangue, ou se engajar numa olaria, numa pedreira ou numa caieira, ou apanhar coco, cortar lenha ou piaçava – ou fazer qualquer coisa que ele ali encontre como atividade remunerada – sucessiva ou simultaneamente, uma atividade complementando a outra, todas exigindo dele pouco mais do que ter força física e ser um cabra disposto. (...). (PINTO, 1998, p.111-112)

Embora a atividade pesqueira pareça eventual enquanto atividade econômica, Pinto (1998) afirma que no Recôncavo era de fundamental importância para o sustento dos que a ela se dedicavam, bem como para o abastecimento aos consumidores, e que o aparecimento de resíduos de petróleo no fundo da baía, a ocupação de certas áreas de pesca e mariscagem por atividades de exploração do lençol petrolífero submarino, além do lançamento de esgotos e resíduos urbanos e industriais no mangue e às margens da baía comprometeram o equilíbrio do ambiente, tornando o problema crônico para a região. (AZEVEDO 1998; PINTO 1998; BRANDÃO 1998).

Apesar da exponencial arrecadação do Estado e dos municípios “beneficiados” pela gigantesca estrutura industrial petrolífera, de seu papel catalisador na ampliação e geração de intensas transformações no sistema viário, no mercado de trabalho e nos mercados bancário e imobiliário, o novo modelo desenvolvimentista se mostrou insensível e incapaz de revitalizar e articular as novas atividades econômicas aos processos tradicionais da região. (BRANDÃO, 1998, p. 45).

Consequentemente, com a instalação da indústria petrolífera na Bacia Sedimentar do Recôncavo, teve início um processo de drásticas alterações na dinâmica da Região Metropolitana de Salvador – RMS, intensificado nas décadas subsequentes com a implantação do Centro Industrial de Aratu – CIA e da indústria petroquímica, motivada dentre outros fatores locacionais pela abundância dos recursos hídricos, redefinindo com isso o espaço urbano da RMS. (SEBRAE/BA, 1999, p.29).

Esse novo processo de uso e ocupação do solo, idealizado enquanto política pública na perspectiva do desenvolvimento econômico do Estado, baseado em interesses mercadológicos, não considerou as dinâmicas das relações e inter- relações socioeconômicas e ambientais e suas variáveis formadoras de redes que extrapolam os limites da gestão formal e da sustentabilidade socioambiental, que em função de um planejamento de uma região ou município deve considerar todas as possibilidades, limites, ameaças e vulnerabilidades, frente a situações de desequilíbrio que possam se materializar no espaço e no tempo e degradar o ambiente socioespacial e natural.

Neste contexto a busca por melhores condições de vida fez com que a ilha de Madre de Deus, pacata “vila de pescadores e veranistas crescesse à sombra dos tanques de petróleo e derivados, dos grandes navios petroleiros , dos inúmeros dutos que cruzam seu pequeno território” (BAHIA, 2001, p.246) e sofresse um acentuado processo migratório. Parte deste contingente, composto por trabalhadores braçais, de baixa escolaridade, com pouco ou nenhum conhecimento técnico para a nova atividade que se instalava, foi absorvido apenas na fase de edificação, sendo ao final dispensados, somando-se a outro contingente até então desempregado ou que passou a desenvolver atividades terciárias cuja demanda surgiu em função da indústria.

A inobservância destas questões culminou numa explosão demográfica que, sem o acompanhamento da infraestrutura urbana necessária e legislação que disciplinasse o uso e ocupação do solo, resultou na ocupação das áreas de encosta, manguezal, vias de circulação e áreas próximas a equipamentos perigosos como a dutovia e áreas de armazenamento de substâncias de fácil combustão, construindo, assim, o “binômio perigo para a segurança da Petrobras e risco para a população”. (SALVADOR, 1985)13.

Apesar das características aprazíveis de sua baía, a sensação de quem visita Madre de Deus é a de estar adentrando num polo industrial, haja vista estar boa parte da paisagem tomada por tanques, esferas de estocagem de GLP e dutovias (fotos abaixo) que circundam toda a ilha, transportando simultaneamente até dez tipos de produtos derivados do petróleo. Acidentes crônicos de menores impactos e proporções, como vazamentos de óleo, são recorrentes e divulgados pela mídia e relatórios oficiais como eventos que comprometem seriamente o ecossistema local, interferindo principalmente na pesca e na mariscagem, atividades econômicas da população de baixa renda.

Figura 2: Dutovias em área residencial.

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Figura 3: cilindros de GLP e parque de tancagem consecutivamente.

A estas questões acrescenta-se a intensa ocupação irregular, que, atrelada à proximidade das habitações, comércio e demais equipamentos públicos à área industrial e seus equipamentos, amplia a vulnerabilidade no território.