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2. PRINCÍPIO DA IGUALDADE NO TRABALHO DA MULHER

2.3. As discriminações de gênero e a proteção do trabalho da mulher no sistema

2.3.3. Execução do contrato

2.3.3.2. Condições de trabalho

2.3.3.2.3. Ascensão profissional

No que diz respeito à ascensão profissional, o art. 373-A, III, da CLT, com redação dada pela Lei 9.799/99, proíbe considerar o sexo como “variável determinante para fins de remuneração, formação profissional e oportunidades de ascensão profissional”.

A progressão funcional dos empregados, comumente chamada de promoções, pode ocorrer de forma voluntária ou obrigatória. No primeiro caso, decorre da iniciativa do empregador, que com a concordância do empregado, resulta em alteração qualitativa da obrigação de trabalhar. Na segunda hipótese, transcorre automaticamente em razão da previsão em instrumentos normativos ou regulamentação empresarial, dependendo apenas da implementação, por parte do empregado, dos requisitos formais que, geralmente, alternam critérios de antiguidade e merecimento.

O princípio da igualdade, nesse contexto, se revela essencial porque, de um lado, não permite que os critérios objetivos que provocam a promoção automática se mostrem, eles próprios, injustos e discriminatórios, corroborando, assim, a própria atuação do princípio em questão como limitador do poder de regulamentação do empregador. E, de outro lado, limita a discricionariedade e subjetivismo do empregador na escolha do empregado a ser promovido por sua iniciativa.

Ainda que apoiada na autonomia privada e na liberdade de gestão empresarial288, as promoções voluntárias devem alcançar os trabalhadores objetivamente mais qualificados, respeitando, de qualquer modo e pelo menos, o princípio da igualdade no seu viés de não discriminação. Isto é, não é admissível excluir qualquer trabalhador de uma promoção voluntária em razão do sexo289.

2.3.3.2.4. “A trabalho igual, salário igual”

O art. 7º, XXX, da CF, assegura aos trabalhadores a proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, dentre outros fatores arbitrários.

O dispositivo constitucional além de albergar o conhecido princípio “a trabalho igual, salário igual”, que será tratado na sequência, objetiva evitar a divisão sexista do trabalho que, historicamente, imputa aos homens o trabalho produtivo, com apropriação das atividades com maior valor social agregado, e às mulheres o trabalho reprodutivo e toda a gama de afazeres

288 Sobre o controle do poder discricionário do empregador o seguinte aresto de jurisprudencia: “CORSAN. PROMOÇÕES. (...). Ainda, com relação às promoções por merecimento, considera-se que não é dado ao julgador analisar os critérios para a concessão de promoção por merecimento, uma vez que este exame depende da aferição de critérios subjetivos, os quais se incluem nos limites do poder discricionário do empregador”. TRT da 04ª Região, 8ª Turma, Processo 0001112-32.2013.5.04.0771 RO. Relator: Des. Juraci Galvão Júnior. Data do julgamento: 21/08/2014. Disponível em: < http://www.trt4.jus.br/portal/portal /trt4/consultas/jurisprudencia > Acesso em: 09.09.15.

domésticos, contribuindo, assim, para maior igualdade de oportunidades e, consequentemente, o acesso da mulher ao mercado de trabalho.

A questão não se limita às atividades que usualmente são desempenhadas por certo tipo de trabalhador, geralmente diferenciadas em função do sexo por convicções sociais, como é o caso da trabalhadora doméstica ou do pedreiro da construção civil. A proposição vai além, pois procura transformar as relações sociais que, ou tentam integrar as diferenças biológicas na formação da ideia de gênero, com imposição masculina, trazendo a força física ou a construção social de incompetência técnica das mulheres como parte de sua supremacia, ou negam a compleição para melhor questionar aqueles que naturalizam as diferenças sexuais. O princípio da igualdade no exercício das funções tem a exegese de erradicar essa peculiar forma de divisão do trabalho baseada na noção de gênero, que o subjuga ao sexo biológico e restringe as práticas sociais a “papéis sociais”290 sexuados que remetem ao destino natural da espécie.

O propósito do dispositivo constitucional é trazer ínsita a ideia de complementaridade entre os sexos, isto é, a noção de divisão entre homens e mulheres do trabalho doméstico e profissional e, dentro deste, a divisão entre tipos e modalidade de empregos que possibilitam a reprodução dos papeis sexuados. Em termos mais práticos, não pode o empregador, deixar de erigir uma trabalhadora do sexo feminino ao cargo de direção simplesmente por ser mulher.

Uma vez proibida a diferença de funções em razão do sexo, há que perscrutar acerca da isonomia salarial.

A conformação infraconstitucional do princípio da igualdade no âmbito da retribuição pelo trabalho prestado é feita, a princípio, pelo art. 5º da CLT, ao referir que “a todo trabalho de igual valor corresponderá salário igual, sem distinção de sexo”.

O preceito não proíbe toda e qualquer diferença salarial no âmbito do contrato de trabalho para um mesmo empregador291. São admitidas distinções de remuneração em função

290 Conforme HIRATA, Helena e KERGOAT, Danièle. Novas configurações da divisão sexual do trabalho. Tradução: Fátima Murad. Cadernos de Pesquisa, v. 37, n 132, p. 595-609, set. / dez. 2007, p. 599. Para as sociólogas francesas, a divisão sexual do trabalho tem dois princípios organizadores: “o princípio de separação (existem trabalhos de homens e trabalhos de mulheres) e o princípio hierárquico (um trabalho de homem ‘vale’ mais que um trabalho de mulher)”. E apesar dessa divisão estar arraigada na sociedade não significa que a forma de divisão do trabalho seja imutável. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/cp/v37n132/a0537132.pdf > Acesso em: 09.09.15.

291 A jurisprudência vem admitindo a equiparação salarial entre trabalhadores de empresas do mesmo grupo econômico, como se pode observar do seguinte aresto: “EQUIPARAÇÃO SALARIAL. GRUPO ECONÔMICO. É possível a equiparação salarial entre empregados de empresas diversas pertencentes ao mesmo grupo econômico, quando preenchidos os pressupostos do art. 461 da CLT, porquanto o grupo econômico enseja solidariedade ativa e passiva entre os seus integrantes, formando um empregador único”. (TRT/4ª Região. Processo 0001044-19.2013.5.04.0016 (RO). Rel. Des. Maria Helena Lisot. Data do Julgamento 21.05.15). Disponível em: < http://www.trt4.jus.br/portal/portal/trt4/consultas/jurisprudencia/ > Acesso em: 10.09.2015.

de certos fatores objetivamente determináveis como a antiguidade, experiência, qualidade e perfeição técnica do trabalho, habilitação profissional e produtividade.

O art. 461 do mesmo diploma legal regula os critérios pelos quais a equiparação salarial é observada pelo ordenamento jurídico, assim dispondo: “Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade”. E o seu §1º reza que: “Trabalho de igual valor, para os fins deste Capítulo, será o que for feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço não for superior a 2 (dois) anos”.

A equiparação salarial só deve ser invocada se ambos os trabalhadores, independentemente do sexo, desempenharem os mesmos misteres ou atividades – identidade de funções em relação aos serviços prestados –, com igual responsabilidade na estrutura e funcionamento da empresa. Assim, importante não confundir cargo e função. Dois empregados podem ter o mesmo cargo, mas desempenham funções distintas. Exemplo, chefes de seção de um frigorífico de abate de aves: um trabalhador é chefe da seção de cortes especiais e comanda cerca de cinquenta subordinados; outro é chefe da seção de expedição e lidera aproximadamente 15 empregados. Embora ambos sejam chefes de seção, as funções efetivamente são diversas, assim como são diferentes as responsabilidades de cada um na estrutura da empresa. O inverso também é verdadeiro, isto é, executar as mesmas atividades sem que os respectivos cargos tenham a mesma denominação, autoriza a equiparação, pois o que releva é identidade de funções292.

De salientar a dificuldade prática de equiparação salarial de trabalho intelectual ou artístico pela impossibilidade de aferição objetiva do valor das prestações dos serviços, como é o caso de dois advogados de um escritório de advocacia, de dois apresentadores de uma emissora de televisão293.

Há que ressalvar, todavia, que vantagens salarias de caráter personalíssimo, como é o caso do adicional por tempo de serviço, não devem ser consideradas para efeito de criar o direito à isonomia salarial294.

292 Nesse sentido, Súmula n. 06, III, do TST. “A equiparação salarial só é possível se o empregado e o paradigma exercerem a mesma função, desempenhando as mesmas tarefas, não importando se os cargos têm, ou não, a mesma denominação”.

293 Nada obstante, o TST, na Súmula 06, VII, entende que: “Desde que atendidos os requisitos do art. 461 da CLT, é possível a equiparação salarial de trabalho intelectual, que pode ser avaliado por sua perfeição técnica, cuja aferição terá critérios objetivos”.

294 Conforme Súmula 06, VI, do TST, que reza: “Presentes os pressupostos do art. 461 da CLT, é irrelevante a circunstância de que o desnível salarial tenha origem em decisão judicial que beneficiou o paradigma, exceto se

O trabalho de igual valor caracteriza-se pela igual produtividade e perfeição técnica entre os serviços prestados pelo paradigma e equiparando. A igualdade de trabalho demanda absoluta correspondência, tanto em relação à qualidade, quanto no que tange à quantidade.295

No tocante à experiência, reconhece a lei que, nada obstante a ocorrência de trabalho de igual valor pode o empregado mais antigo perceber maior salário, sendo que o fator tempo de serviço concerne à função e não ao emprego296.

Enfim, o que não se admite é salário diferente para trabalho igual. Quando as diferenças se fundam em situações passíveis de confirmações objetivas, nas estritas hipóteses legais, não há cogitar em violação do princípio da igualdade.