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3. O MODELO DE PROTEÇÃO DA MULHER NO CONTRATO DE TRABALHO E

3.3. Análise de compatibilidade material com o texto da Constituição de 1988 dos

3.3.1. Entendimento doutrinário e jurisprudencial

3.3.1.2. Elemento histórico

O fator histórico consubstancia-se na reiterada discriminação que a mulher sofreu ao longo dos tempos, sendo que a distinção no que tange à concessão de intervalo obrigatório antes do início do trabalho extraordinário, da proibição de elastecimento do intervalo intrajornada máximo de duas horas e da coincidência da folga semanal aos domingos de modo quinzenal, decorre da obrigação de o Estado implantar políticas públicas de natureza protetora no âmbito do direito do trabalho.

A primeira crítica é no sentido de que tais preceitos, ao contrário de implementar normas de proteção, na verdade criam empecilhos à contratação da mão de obra feminina, por revelarem ônus empresariais não encontrados na contratação de trabalhadores do sexo masculino.

Numa empresa de transporte escolar, por exemplo, em que para ajustar o horário de trabalho à demanda é conveniente dilatar o intervalo intrajornada máximo de duas horas para três, é obviamente mais interessante contratar um motorista do sexo masculino a uma trabalhadora mulher por conta de o art. 383 da CLT proibir tal elastecimento para elas.

Também em qualquer empresa que, por vezes, se vê obrigada a exigir trabalho além do normal, é natural a preferência pelo trabalho masculino que não exige, nessa hipótese, a concessão de intervalo de 15 minutos antes do início do labor extraordinário, cuja inobservância implica no pagamento do período correspondente como extra, a teor do art. 71, §4º, da CLT.

Por fim, nas atividades que por exigências técnicas ou de interesse público se faz necessário o trabalho aos domingos, é evidente a facilidade de organizar uma escala de revezamento cujo descanso semanal coincide com o domingo apenas uma vez por mês, em

detrimento de outra que estipula que tal seja proporcionado, no mínimo, a cada quinze dias. Ademais, a observância da escala de revezamento quinzenal para concessão do descanso semanal aos domingos é incompatível com a garantia de repouso após o sexto dia de trabalho, como exige a OJ nº 410 da SBDI-I do TST376. Sendo garantido à mulher o descanso ao domingo em uma semana sim outra não, tem-se que poderá ser descumprido o lapso máximo para a concessão do repouso naquelas atividades que exigem trabalho ao domingo. Assim, para elaborar a escala de revezamento, por exemplo, o empregador concederia na primeira semana o descanso ao domingo, na segunda concederia ao sábado e na terceira, obrigatoriamente, recairia no domingo, fazendo com que este último seja concedido de forma extemporânea, após sete dias de trabalho, violando o art. 7º, XV, da CF. Logo, não há como aplicar somente à trabalhadora mulher o “melhor de dois mundos”377.

É prescindível qualquer estudo, pesquisa ou levantamento técnico para a constatação de que há falsa proteção, ou melhor, que os citados dispositivos legais prejudicam o mercado de trabalho da mulher, já que os entraves saltam aos olhos. Aliás, há que admitir que a preferência na contratação de homens ao invés de mulheres, para não se dizer discriminação, não revelará a verdadeira razão. A influência desses empecilhos, invariavelmente, restará velada. Nesse sentido, o Ministro Luiz Fux ao proferir seu voto no RE 658312, que examinou a recepção do art. 384 da CLT pelo atual texto constitucional, ressaltou essa ilação subjacente ao referir que o STF, quando analisou a (im)possibilidade de penhora de imóvel do fiador, à luz do direito social da moradia, também enfrentou argumento dessa ordem, ou seja, de que se a penhora não fosse permitida haveria majoração dos alugueis. Todavia, a questão foi enfrentada sem nenhum dado empírico, apenas levando em conta a “avaliação objetiva da situação jurídica que poderia ser gerada por uma regra desse teor”378, porquanto o Direito não vive tão distante da realidade.

A segunda crítica que merece o argumento histórico é que ele olvida o novo contexto constitucional no tocante à igualdade de direitos e deveres de homens e mulheres. O artigo 5º, I, da Carta Magna preceitua que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”.

376 “Repouso semanal remunerado. Concessão após o sétimo dia consecutivo de trabalho. Art. 7º, XV, da CF. Violação”. Disponível em: < http://www.tst.jus.br/consulta/ojs > Acesso em: 07.10.2015.

377 Nesse sentido, TST Processo: ARR - 135300-92.2012.5.21.0004. Data de Julgamento: 25/02/2015, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 06/03/2015. Disponível em: < http://www.tst.jus.br/consulta-unificada > Acesso em: 07.10.2015.

378 STF - RE 658312 RG / SC – Repercussão Geral no Recurso Extraordinário. Relator(a): Min. Dias Toffoli. Julgamento: 08/03/2012. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/ listarConsolidada.asp > Acesso em: 08.09.15.

A propósito, o Ministro Marco Aurélio, no mencionado RE 658312, enfatiza que o preceito constitucional que proíbe a discriminação é exemplificativo no que se refere à cor, à idade e ao sexo, tendo o condão de afastar do cenário jurídico toda e qualquer discriminação. Isso porque o caput do art. 5º da Constituição de 1988 é direto, preciso e cristalino no sentido de que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, vindo o “inciso I a revelar a necessidade de observância – e os preceitos constitucionais são imperativos e não simplesmente dispositivos – da festejada premissa de que ‘homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações’”. Assim, naturalmente, conclui que o art. 384 da CLT “gera algo que a Carta afasta, a discriminação, e no mercado de trabalho, no que as mulheres buscam a fonte do próprio sustento, e a realização pessoal, profissional”379.

Tais diferenças desarrazoadas de tratamento entre homens e mulheres contrariam a lei maior, não tendo como tais dispositivo legais serem recepcionados pelo atual ordenamento jurídico. Não já justificativa plausível para tamanhas diferenciações.

3.3.1.3. Elemento social

O argumento social é traduzido pelo discurso de que é comum a mulher estar submetida à chamada dupla jornada ao acumular atividades do lar e da profissão, sendo que em função dessas “circunstâncias próprias” é que se insere a ideia de concessão de vantagens específicas.

Chama atenção a importância dada a esse fator social. Praticamente em todos os julgados380 aparece o argumento de que a mulher está submetida a um maior desgaste natural em face da dupla jornada, merecendo o tratamento diferenciado em termos de jornada de trabalho e de períodos de descanso.

A manutenção da citada dupla jornada da mulher decorre, em boa parte, da arraigada cultura sexista. Mesmo após a atual Constituição prossegue o entendimento de que a mulher não pode ficar mais tempo do dia vinculada ao contrato de trabalho (CLT, art. 384) porque

379 Refere, ainda, que a possibilidade de exceção está estabelecida na própria Carta da República, por isso é que se tem a cláusula final no inciso: “nos termos desta Constituição”. STF - RE 658312 RG / SC – Repercussão Geral no Recurso Extraordinário. Relator(a): Min. Dias Toffoli. Julgamento: 08/03/2012. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/ listarConsolidada.asp > Acesso em: 08.09.15.

380 Nesse sentido: TST - RR - 121100-07.2010.5.13.0026. Data de Julgamento: 07/03/2012, Relator Ministro: Ives Gandra Martins Filho, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 09/03/2012; TST E-RR - 5100- 23.2002.5.12.0028. Data de Julgamento: 16/04/2009, Redator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT07/08/2009; e STF - RE 658312 RG / SC – Repercussão Geral no Recurso Extraordinário. Relator(a): Min. Dias Toffoli. Julgamento: 08/03/2012.