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Limitação do poder empregatício

2. PRINCÍPIO DA IGUALDADE NO TRABALHO DA MULHER

2.3. As discriminações de gênero e a proteção do trabalho da mulher no sistema

2.3.3. Execução do contrato

2.3.3.1. Limitação do poder empregatício

Um dos efeitos mais importantes decorrente do contrato individual do trabalho é o poder empregatício, que nas suas diversas dimensões – diretiva, fiscalização, disciplinar e regulamentação – concentram várias prerrogativas, em regra, em favor do empregador.

A ocorrência do poder, em suas diversas áreas e projeções, se constitui um dos fenômenos mais relevantes na experiência humana. Em qualquer relação minimamente não- eventual entre dois ou mais sujeitos ele aparece com elemento nuclear.

No âmbito da relação individual de trabalho o poder empregatício impõe, na esfera jurídica do trabalhador, um estado de subordinação e um dever de obediência. Evidentemente que esse poder empregatício não é absoluto. Ele pode e deve ser delimitado.

O fundamental dessa delimitação está no próprio contrato individual do trabalho e na sua regulamentação, legal ou convencional – coletiva ou individual. O princípio da igualdade exige do empregador, de um lado, tratamento isonômico a todos os trabalhadores, quer na interpretação e integração dos contratos, quer na aplicação das leis, instrumentos normativos e regulamentos internos. De outro lado, essa noção de tratamento igualitário, proíbe a criação de regulamentos internos que criem distinções injustificáveis, atentatórias do princípio da igualdade. Em outras palavras, na dimensão regulamentar, que não deixa de ser uma manifestação do poder diretivo, o princípio da igualdade impõe que o regulamento empresarial contenha regras gerais, designadamente lícitas, abstratas, impessoais e de cumprimento obrigatório no contexto empregatício. Isso porque, apesar desses diplomas serem tratados como cláusulas contratuais de aplicação restrita, têm as qualidades inerentes às normas jurídicas.

Nesse sentido, o parágrafo único do art. 391 da CLT dispõe que: “não serão permitidos em regulamentos de qualquer natureza contratos coletivos ou individuais de trabalho, restrições ao direito da mulher ao seu emprego, por motivo de casamento ou de gravidez”.

Os incisos I, II, III, IV e V do art. 373-A da CLT, com redação dada pela Lei 9.799/99 reforçam a proibição de distinção em função do sexo, do estado familiar da mulher ou da sua condição de gestante.

O mesmo ocorre na dimensão de fiscalização. Isto é, o poder de controle do empregador, de vigilância sobre a atuação, seja da organização do trabalho estabelecida, seja

das funções confiadas a cada trabalhador, se submente aos ditames superiores do princípio da igualdade.

A própria Constituição Federal rejeitou práticas fiscalizatórias e de controle de prestação de serviços que acometem à liberdade e dignidade, pois tem como fundamento, além dos valores sociais do trabalho, a própria dignidade da pessoa humana, e como objetivos a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, bem como a promoção do bem de todos, sem preconceitos de qualquer espécie. Além disso, o art. 5º, X, da Constituição assegura o direito à intimidade. Dessa forma, não é o fato de um trabalhador estar juridicamente subordinado ao empregador ou deste deter o poder empregatício que se descuidará da tutela à intimidade no ambiente de trabalho.

A Lei 9.029/95, no art. 2º, considera crime a exigência de “teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de gravidez”, bem como a adoção de quaisquer medidas, de iniciativa do empregador, que configurem: “indução ou instigamento à esterilização genética” ou “promoção do controle de natalidade, assim não considerado o oferecimento de serviços e de aconselhamento ou planejamento familiar, realizado através de instituições públicas ou privadas, submetidas às normas do Sistema Único de Saúde (SUS)”.

Algumas disposições da mencionada lei foram transplantadas para a CLT, por meio da Lei 9.799/99, como se infere do art. 373-A, IV, que proíbe o empregador de “exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego”. A mesma lei insculpiu preceito proibitivo expresso de revista íntima em empregadas (art. 373-A, VI).

Em outros termos, não se admite a ingerência da esfera íntima da pessoa do trabalhador, sob pena de violação do princípio da dignidade da pessoa humana.

A consequência para o empregador que realizar revista íntima é o pagamento de indenização por dano moral275, sem prejuízo de rescisão indireta do contrato de trabalho276. É de salientar, por oportuno, que a doutrina e a jurisprudência distinguem revista íntima de

275 “INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. REVISTAS ÍNTIMAS. No âmbito da relação de emprego, há dano moral praticado pelo empregador quando se tratar de ação dolosa ou culposa deste e que atente contra a honra, a intimidade, a vida privada ou a imagem do trabalhador (CF, art. 5º, V e X). Caso em que o procedimento de revista às empregadas envolvia a necessidade de levantar a blusa e a bainha das calças, expondo-as à situação vexatória e humilhante, em clara ofensa à sua intimidade, vida privada e imagem, extrapolando o poder diretivo do empregador e a previsão do art. 373-A, VI, da CLT. Recurso ordinário da reclamada desprovido”. (TRT/4ª Região. Processo n. 0020528-98.2014.5.04.0011 (RO), Relator: Des. Wilson Carvalho Dias. Data do Julgamento: 27.08.2015. 7ª Turma. Disponível em < www.trt4.jus.br > Acesso em 02.09.215.

276 A rescisão indireta do contrato de trabalho no ordenamento jurídico brasileiro significa a resolução contratual por ato culposo do empregador e está prevista no art. 483 da CLT.

revista pessoal. Alice Monteiro de Barros leciona que revista íntima consiste na imposição para se “despir ou qualquer ato de molestamento físico que exponha o corpo”277. Sérgio Pinto Martins, em comentário do artigo 373-A, VI, da CLT, explica que a revista íntima se caracteriza quando o empregado tem que se despir ou mostrar partes íntimas do corpo278. A revista íntima exige, para sua configuração, procedimento invasivo e agressivo ao trabalhador, com contato físico ou visual com o corpo do empregado. De outra parte, a revista pessoal é aquela realizada nos pertences dos empregados, sem que haja qualquer contato físico com os mesmos e/ou seus pertences. Nesse contexto, não há cogitar em dano moral quando a revista consistir na inspeção de bolsas, sacolas e outros objetos do empregado, e for realizada de maneira generalizada e sem a adoção de qualquer procedimento que denote abuso do direto do empregador de zelar pelo próprio patrimônio, porquanto não resulta violação à intimidade, à vida privada, à honra ou à imagem do trabalhador279.