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4. Antagonismo entre a “loira felpuda” e a “anta nordestina”

4.4. Nazaré e Maria do Carmo: duas forças na história

4.4.1. Ascensão social

A oposição entre Nazaré e Maria do Carmo é construída ainda nos três primeiros capítulos correspondentes à primeira fase de Senhora do Destino: ela está baseada no modo diferenciado como as duas vivenciam a sua pobreza e almejam a ascensão social – Nazaré através do casamento, Do Carmo através do trabalho –, mostrando o que estão dispostas a fazer para melhorar de vida.

A história de Maria do Carmo é apresentada como a de mais uma brasileira: sem notícias do marido há um ano e sem perspectivas de um futuro para os seus cinco filhos, ela só vê a opção de deixar para trás a pobreza de sua terra natal. Desde o início, sua força é mostrada, pois ela não teme o trabalho e não tem medo de se impor quando acha necessário. Por onde passa, Do Carmo acaba conquistando as pessoas com seu jeito alegre e ético, sempre disposta a ajudar quem precisa sem preconceitos, especialmente o povo de Vila São Miguel, lugar que ela ajudou a fundar. O senso de justiça de Maria do Carmo é tamanho que chega a ameaçar a perda definitiva da filha, quando Isabel/Lindalva implora que Do Carmo não faça nada contra Nazaré e ela diz que o mais importante é que a vilã seja posta diante da justiça para pagar por todo o sofrimento que ela lhe causou.

A consequência para suas atitudes, embora não seja o que Maria do Carmo almeja, aparece espontaneamente em momentos chave da trama: muitos moradores de Vila São Miguel comparecem à sua casa para comemorar seu aniversário no capítulo 7 – o que é uma boa oportunidade para apresentar algumas personagens da segunda fase; desfilando pela primeira vez entre as escolas de samba do grupo principal do Rio de Janeiro, a Unidos de Vila São Miguel teve como samba enredo a história da Senhora do

Destino, homenageando-a77 entre os capítulos 185 e 188; os moradores da Comunidade da Pedra Lascada se unem, no capítulo 193, para protestar em frente à cadeia quando Do Carmo é presa.

Já Nazaré é apresentada desde a primeira fase como uma mulher desesperada e aproveitadora que não mede esforços para conseguir o que quer. Desde os primeiros capítulos de Senhora do Destino, ela já mostra ter certo quê de loucura ao insistir com a ideia fixa de que quer se tornar a mulher oficial de José Carlos. Interpretada por Adriana Esteves78 nesse momento da história, já estão implantadas ali as principais armas de Nazaré: as mentiras, as chantagens e o sexo – o que, afinal, acaba por lhe garantir que José Carlos trocaria a família por ela.

O interessante é que Nazaré realmente parece ser a primeira a se convencer das mentiras que cria, como quando ela chega a dizer à Madame Berthe que Isabel, ainda bebê, é a cara do pai, José Carlos. A fascinação em relação à menina começa ainda quando Lindalva está nos braços de sua mãe verdadeira. Nazaré, então, não consegue sequer desviar os olhos da criança, como se desde ali tivesse passado a amá-la, embora só fosse fazer de fato a promessa de ser a melhor mãe do mundo para a filha já no bordel, prestes a encenar estar recém parida. Entre as mentiras que conta, o amor por sua filha parece ser aquela em que ela põe mais verdade: ela de fato valoriza o papel de mãe, mostrando ter dedicado sua vida à Isabel.

Nazaré promete que será uma excelente mãe

77 A letra do samba enredo está no material anexo.

78 A escolha da atriz Adriana Esteves para interpretar Nazaré na primeira fase é interessante: antes de ser

a protagonista de A Indomada, ela já tinha interpretado Marina, filha da personagem de Renata Sorrah em

Não há remorso como consequência de suas ações, pois Nazaré não demonstra aflição ou arrependimento pelo que faz, não importa quem ela atinge no caminho – e se chega a demonstrar culpa é fingimento para enganar alguém. Ela faz o que acha necessário para sobreviver a mais um percalço da vida e segue adiante, planejando o novo passo, mesmo quando é para consertar algum movimento em falso, já que nem todas as suas ações saem de acordo com o que ela planeja. Isso não quer dizer que o passado não a assombre de alguma forma.

Sua terceira vítima fatal, Djenane, também trabalhava no bordel de Madame Berthe e foi, portanto, testemunha do golpe que Nazaré deu em José Carlos. Na última cena do capítulo 61, uma mulher reconhece Nazaré quando ela consegue um cliente na porta de um cinema. Após uma breve cena que mostra sua transformação da primeira para segunda fase, o público fica sabendo que essa mulher é Djenane e que ela reconheceu sua antiga colega. Esse é o gancho para, logo no início do capítulo 62, após a retomada da cena até o momento em que Djenane reconhece Nazaré, ser exibido um

flashback que a mostra no dia em que Nazaré chega ao bordel com Lindalva nos braços

e diz a Madame Berthe que ela vai ajudá-la a convencer José Carlos a ficar com ela. Curiosa para saber se o golpe deu certo e o que aconteceu com a criança, Djenane acompanha os passos de Nazaré até o momento em que ela se despede do cliente. No banheiro feminino, Djenane se dirige a Nazaré como velhas conhecidas, mas essa se faz de desentendida, diz ser outra pessoa – Maria do Carmo – e vai embora. Isso apenas instiga a curiosidade de Djenane que, ao dizer que “não adianta renegar o passado, porque ele sempre volta. Ainda mais pra quem tem o rabo preso!”, segue Nazaré para descobrir o que ela esconde.

No capítulo 65, Djenane bate na porta da casa de Nazaré e entra, ainda que Nazaré continue negando o passado. No entanto, Nazaré tem que dar o braço a torcer, pois Djenane sabe tudo sobre seu passado – sabe, inclusive, que ela não pode ter filhos e que “uma vez pegadeira, pegadeira até morrer”, fazendo referência ao fato de saber que ela segue se prostituindo – e ela se vê obrigada a dar dinheiro à antiga colega. Djenane recebe o pagamento pelo seu silêncio no capítulo 66, mas é obrigada a voltar no capítulo 72, pois um grupo de pivetes a roubou na rodoviária. Essa é a deixa para que ela continue aparecendo na casa de Nazaré, se passando por uma grande amiga do seu passado e, mais importante, sendo confidente da vilã.

É ouvindo, escondida, trechos dessas confidências que Cláudia começa a investigar o passado da madrasta, o que inicia sua derrocada, pois a jovem toma para si

a missão de desmascará-la para vingar a morte dos pais e se une a Dirceu para ajudar Maria do Carmo – até porque, embora não desista nunca de encontrar a filha, outras preocupações surgem no caminho de Do Carmo, como a prisão de Viriato no capítulo 89 (fato que será comentado nas páginas a baixo). Enquanto cresce o número de cenas em que o plano de Leonardo para separar Duda e Viriato, fazendo com que ele seja preso, Cláudia encontra, no capítulo 83, Dr. Artur, o médico que guarda o laudo que comprova a esterilidade de Nazaré e que lhe arranjou o uniforme de enfermeira – ele fez isso porque era apaixonado por ela e tem mágoa por ter sido preterido na escolha dela por José Carlos. Já convencida de que as mentiras de Nazaré escondem a verdade sobre o sequestro da filha de Maria do Carmo, Cláudia procura Dirceu no capítulo 87 para contar sua história e comparar dados – nesse mesmo capítulo, o jornalista vai ao restaurante para ver Isabel/Lindalva e, pela semelhança, não tem dúvidas de que está diante da menina que vem procurando todos esses anos. Somente no capítulo 89 a dupla consegue colocar as mãos na prova de que Nazaré é estéril, após o atropelamento de Dr. Artur, que foge dele – o que Cláudia interpreta como não tendo sido uma morte vã, pois “seu Artur morreu pra que a justiça fosse feita”.

Nazaré percebe que o cerco está se fechando, inclusive, chega a tratar Edgard mal ao saber que ele é o neto de Madame Berthe – ela acredita que ele se aproximou de Isabel/Lindalva para lhe contar a verdade e passa a boicotar o relacionamento deles. Infelizmente, ela não tem mais dinheiro e, pesando em se dar bem, marca um novo encontro com Maria do Carmo em troca de informações sobre Lindalva. O problema é que Do Carmo já tinha as informações que queria graças a Dirceu e Cláudia.

Ao se encontrarem, no final do capítulo 100, ela está em posse de dólares falsos para entregar a Nazaré e seus aliados estão do lado de fora do galpão. Antes mesmo que a abertura seja exibida no capítulo seguinte, Do Carmo dá uma surra em Nazaré, colocando para fora a angústia de todos os anos sem saber onde a filha estava. Questionada por Cláudia se o gesto foi por justiça, ela responde: “não, minha querida, era uma questão de vingança, porque justiça eu vou ter mesmo no dia que conseguir o amor de minha filha e o dia que aquela cachorra parar atrás das grades”.

Ao perceber que Djenane pode apressar a revelação da verdade, pois a antiga colega compreende que o cerco está se fechando ao encontrar Nazaré toda machucada, elas têm uma discussão em que Djenane garante que não irá pagar pelos crimes de

Nazaré. Djenane aparece já morta no capítulo 103, após cair da escada da casa de Nazaré79.