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4. Antagonismo entre a “loira felpuda” e a “anta nordestina”

4.4. Nazaré e Maria do Carmo: duas forças na história

4.4.2. Vida em família

Da mesma forma que se diferenciam pela forma como encaram o desejo de ascensão social, Nazaré e Maria do Carmo têm relações diferenciadas dentro do contexto da vida em família.

Ao mesmo tempo em que demonstra ser uma mãe carinhosa com suas crianças – é para Lindalva, durante o banho da bebê, que ela conta os planos da viagem –, Maria do Carmo também cobra deles o cumprimento de seu código moral – como quando Reginaldo, ainda criança, rouba uma broa de milho na feira dizendo ter fome e ela responde que “nem a fome é desculpa para pegar o que é dos outros”. Ela fala alto, com voz firme, e não tem receio de interferir na vida dos filhos para cuidar deles, mesmo quando eles já são adultos – é ela, por exemplo, que se senta para conversar com Yara, no capítulo 121, quando esta bate na porta dos Ferreira da Silva com o filho que teve com Plínio.

A família é, definitivamente, um elemento que provem força a essa personagem. Os filhos, mesmo quando pequenos, na primeira fase de Senhora do Destino, ao tempo em que lhe fortalecem, também a amparam, como quando Lindalva some e Do Carmo cai no chão desesperada. Até Reginaldo, que não corresponde às expectativas da mãe em relação a sua moral, deseja ter a sua aprovação – até o ponto em que percebe que nunca terá seus esforços reconhecidos e rompe de vez com a mãe na reta final da novela. Netos e noras reconhecem o seu posto de matriarca da família, respeitando-a como tal – a única que apresenta resistência é Viviane, que prefere agir em proveito próprio. O cenário de sua casa é local de encontro, especialmente a cozinha, onde uma mesa ampla expõe os quitutes preferidos dos Ferreira da Silva, que constantemente aparecem durante alguma refeição.

79 Embora, na versão original, exibida pela Rede Globo em 2004-2005, a cena da morte de Djenane tenha

ido ao ar, na versão da Globo Internacional em mãos, ela já aparece morta ao pé da escada quando

Alberto e Shirley a encontram. No entanto, a cena está disponível no YouTube:

Os Ferreira da Silva reunidos para o café da manhã

É exatamente pelo fato de a família representar tanto na vida de Maria do Carmo que faz todo o sentido que a sua determinação seja direcionada para encontrar a filha roubada. O momento em que ela se vê Isabel/Lindalva pela primeira vez é, portanto, trabalhado para proporcionar grande emoção.

Passados os momentos de tensão com a prisão de Viriato, Dirceu conta a Maria do Carmo que tem absoluta certeza de que encontrou Lindalva no capítulo 89. A cena em que eles marcam de se encontrar e conversam são intercaladas com os momentos que Leandro passa na casa de Isabel/Lindalva, com quem cogita iniciar um romance após a separação com Nalva por sentir uma ligação especial. Leandro vê fotos de Nazaré na casa e a acha familiar, mas só tem certeza de que ela é a sequestradora de sua irmã ao encontrar Cláudia no bar ali perto e começar a conversar com a jovem – é ela que lhe revela que ele e Isabel/Lindalva são irmãos.

Do Carmo não resiste e, ao final do capítulo, entra no Monsieur Vatel para ficar cara a cara com a filha. O capítulo seguinte retoma exatamente a partir desse instante, quando Do Carmo, aos prantos, abraça a filha sem conseguir dizer uma única palavra. Enquanto isso, Nazaré se aproxima do restaurante e Dirceu rapidamente faz com que ela se afaste, dizendo que quer tirar uma foto dela para o jornal com um depoimento sobre a prisão de Viriato.

Em seguida, Dirceu entra no restaurante e sai com Do Carmo, que ainda chora. Esse é o início da amizade entre Isabel/Lindalva e sua amiga Maria, como Do Carmo se apresenta, pois ela percebe que não pode simplesmente dizer a verdade para a filha por conta do seu forte relacionamento com a mulher que a criou. Leandro só conta a Do Carmo que descobriu toda a verdade no capítulo 97 – e Josivaldo, que escutou a conversa, corre para tirar alguma vantagem ao contar para Naldo e Viviane, que pensam como podem aproveitar o fato na campanha à prefeitura dele.

Já o amor que Nazaré dedica a Isabel/Lindalva não é demonstrado em relação a nenhuma outra personagem, especialmente Cláudia, a enteada com quem ela se desentende a todo instante e com quem troca insultos. Os vizinhos e a empregada são destratados sem motivo e há poucas cenas dela com José Carlos para que se possa dizer que ela encontrou a felicidade no casamento.

O público só começa realmente a acompanhar as artimanhas de Nazaré para manter a verdade oculta a partir do capítulo 25, quando ela aparece pela primeira vez após a passagem dos anos. A cena que revela o rosto atual80 de Nazaré é a mesma em que José Carlos descobre que foi enganado. Ela entra no quarto onde ele assiste

80 Djenane e Maria do Carmo, ao ficarem frente a frente com Nazaré pela primeira vez, insinuam que ela

poderia ter feito algumas plásticas ao longo dos anos, mas que, mesmo assim, ainda era possível reconhecê-la.

televisão – especificamente, o programa que exibe a história de Maria do Carmo –, mas só tem o rosto revelado quando o apresentador anuncia como seria o rosto, no presente, da sequestradora de Lindalva. As imagens, então, se alternam entre o rosto chocado de José Carlos, o que é exibido na televisão e as costas de Nazaré, até que a foto mostrada na televisão da falsa enfermeira hoje dá lugar ao giro da câmera que permite ver o rosto de Nazaré ao lado de José Carlos.

Desmascarada pelo programa, Nazaré ainda mantém a pose, se faz de vítima e tenta fazer piada com a situação:

NAZARÉ: Ainda bem que essa não parece tanto comigo, porque a outra mais nova... olha lá, Zé Carlos, é a minha cara! Gente, ainda mais desse jeito, grávida e com roupa de enfermeira. Lembra, meu amor? Que loucura... [...] Será que pegaram uma foto minha, Zé Carlos, e fizeram uma montagem? Bom, se foi isso, eu vou processar todo mundo, porque veja só, tão achando, tão falando que eu sou uma ladra de crianças! Estão me confundindo com uma bandida, uma sequestradora!

É só depois de perceber que suas mentiras não têm mais efeito sob José Carlos que ela procura tomar uma atitude: Nazaré se coloca de joelhos aos pés dele. Após tentar convencê-lo com novas mentiras, reforçar o fingimento de que fez tudo por amor a ele, quando a verdade o torna imune a qualquer coisa que ela diga, aí, sim, Nazaré empurra José Carlos do alto da escada, cometendo o primeiro assassinato para garantir que a verdade não seja revelada.

Quando Isabel/Lindalva chega a casa, no capítulo seguinte, já é tarde: ele está morto e não há anda que a equipe de atendimento de emergências possa fazer. A Nazaré cabe o papel de viúva sofredora, além da preocupação por descobrir que Maria do Carmo está à sua procura e de sua filha. A morte de José Carlos só faz aumentar o ódio entre Nazaré e a enteada, se transformando no gancho para a vingança de Cláudia contra a madrasta, levando-a a investigar Nazaré e fomentando o desejo de que ela pague por seus crimes.

É realmente o amor que sente por Isabel/Lindalva que move Nazaré no desenrolar da história na segunda fase. É para impedir que o roubo e a identidade da filha sejam revelados que ela age, mente, mata. Quanto mais Maria do Carmo se aproxima da verdade, mais Nazaré tem que usar a sua criatividade para impedir que a “anta nordestina” se aproxime de Isabel/Lindalva. Ainda que ame muito a filha, nem mesmo ela é poupada das suas mentiras.

É o que acontece em uma única ação que movimenta diversas personagens entre os capítulos 129 e 131: é quando Maria do Carmo decide contar a verdade a Isabel sobre o sequestro, mas Josivaldo se apressa em ir contar à Nazaré que a sua farsa está para ser desmascarada. Boa parte do capítulo 130 envolve a movimentação das personagens mais próximas à Do Carmo para a casa de Nazaré, havendo apenas algumas inserções da primeira apresentação de Crescilda em uma churrascaria. Como foi avisada, Nazaré tem tempo de contar uma nova mentira à Isabel e quando Maria do Carmo finalmente tem a chance de conversar abertamente pela primeira vez com a filha ela prefere acreditar nas mentiras contadas pela mulher que a criou.

A sequência de cenas que levam Do Carmo, os filhos, Duda, Viviane, Dirceu e Edgard à casa de Nazaré não seria possível sem a ajuda de vários telefonemas: com um conjunto de ligações, as personagens que estavam em suas casas e no restaurante Monsieur Vatel são informadas de que algo está prestes a acontecer no Bairro Peixoto. O dinamismo desse momento é fornecido pelo telefone, pois uma personagem sempre tem algo a acrescentar quando liga para outra e, dessa forma, o público se prepara para o derardeiro encontro entre Maria do Carmo e Isabel. Além da família de Do Carmo, os agregados de sua casa e os vizinhos de Copacabana estão envolvidos na ação.

Antes do encontro com a filha, entretanto, Maria do Carmo vai ao quarto de Lindalva em sua casa e dá uma demonstração de fé, fazendo uma oração e pedindo a benção de sua santa com uma imagem religiosa ao fundo. Durante a angústia da espera pela filha na casa de Edgard, ela reforçou a reza, pedindo para que Isabel aceitasse a verdade.

Nazaré, mais uma vez, se coloca de joelhos, dessa vez, para impedir que Josivaldo contasse de uma vez a verdade à Isabel. Em poucos minutos ela cria a versão de que José Carlos a obrigou a sequestrá-la e que fez tudo por amor a ele e, mais tarde,

pela filha. A confusão de Isabel é mostrada com closes em seu rosto angustiado, lágrimas, música instrumental de tensão e Nazaré na sua frente desfocada, tendo a e voz de Djenane com comentários maldosos sobre o seu nascimento (a verdade em tom de ironia), enquanto a câmera passa pelas fotos de família. As imagens em flashback ajudam Isabel a montar o quebra cabeças que a permite concluir que ela é Lindalva, a filha desaparecida de sua amiga Maria. Do torpor em que se prosta após tanta informação, Isabel parte para a raiva, primeiro com os olhos, ao fitar Edgard, e, depois, contra todos os que já sabiam a verdade e não lhe contaram.

Nazaré engana Isabel/Lindalva dizendo que foi obrigada a roubá-la

É nesse estado que ela recebe Maria do Carmo em seu quarto, sem sequer olhar para a mãe verdadeira e mal falando algo, disposta a defender Nazaré. Cabe a Do Carmo se justificar, explicar porque levou tanto tempo para dizer a verdade, mantendo a distância que a filha pede no momento de dor em que seu mundo se desfaz. Sempre otimista, Do Carmo ainda revela a alegria do momento ao dizer: “olhe só, depois de tanto tempo, meus cinco filhos debaixo do mesmo teto”. Embora arrasada pela recusa da filha em lhe dar um abraço, ela sai da casa de Nazaré com a confiança de que, com o tempo, “o sangue irá falar mais alto” para Isabel/Lindalva – o que de fato acaba acontecendo.