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A COLETA DOS DADOS

1. A PARTICIPAÇÃO POLÍTICA FEMININA NO B RASIL A partir da década de 1990, avolumaram-se os estudos que tinham por objetivo

1.1. O QUE A TEORIA TEM A DIZER SOBRE AS DESIGUALDADES DE GÊNERO NA ESFERA POLÍTICA

1.1.5. B ASES POLÍTICAS FEMININAS

A literatura existente sobre bases políticas tem, em geral, abordado a questão do ponto de vista da localidade, ou seja, da destinação de recursos ou do atendimento a pleitos que deputados e senadores fazem por seus municípios ou estados.44 Apesar da

pouca atenção dispensada a esse tema, Bezerra destaca que a atuação de deputados ou senadores voltada para o atendimento das demandas de suas bases não se constitui em uma parcela menor, ou menos importante, de sua atuação parlamentar. Os parlamentares estão submetidos a uma enorme quantidade de atividades que devem desenvolver no âmbito de sua atuação, e mobilizam parte expressiva de suas energias para o atendimento de pedidos de caráter particularista, proveniente do que chamam de suas bases eleitorais. Os parlamentares, ao descreverem o trabalho que realizam no Congresso, costumam estabelecer distinção entre duas frentes básicas de atuação: as atribuições legislativas e o atendimento às bases, o que mostra a importância e a magnitude dessa última atividade no cotidiano parlamentar.

Para Bezerra, a idéia de bases está ligada muito mais ao compromisso com determinadas localidades do que com grupos particulares. Aqui, o voto se apresenta, não apenas como a expressão da vontade de um indivíduo, mas também “remete a uma relação moral entre pessoas, expressa na noção de um compromisso”.45 A idéia de

compromisso remete, portanto, ao vínculo moral que se estabelece entre políticos e eleitores, fundando uma espécie de lealdade política entre esses grupos. Assim, o eleitor promete seu voto a um político que, por sua vez, promete atender a suas demandas e necessidades.

44 BEZERRA, Marcos Otávio. Em nome das “bases”– política, favor e dependência pessoal. Rio de Janeiro:

Relume Dumará, Núcleo de Antropologia da Política, 1999.

45 PALMEIRA; GOLDMAN, 1996, p. 132.

Há outros tipos de campanhas, porém, em que se busca construir candidatos identificados com um determinado grupo ou categoria profissional, que se constituirá em sua base fundamental. Essa identificação cria a idéia de pertencimento nos eleitores e é fundamental para proporcionar reconhecimento do candidato ao eleitor. Nesse caso, o principal elo entre essas duas pontas é a existência de uma cumplicidade que se dá por meio de experiências de vida comum. Palmeira e Goldman destacam que candidatos que se utilizam desse partilhamento de experiências como forma de conquistar votos já apresentam uma preocupação em mostrar que a conquista do mandato pode significar avanços legislativos na defesa dos interesses da categoria profissional ou do grupo em questão, indo além da simples concessão material.

Existem pouquíssimos estudos no Brasil que tratem da questão das bases eleitorais femininas. Alguns estudos – que muitas vezes se contrapõem – podem ser encontrados em âmbito internacional, como o de Smith e Fox,46 no qual se conclui que as mulheres

com alto nível de escolaridade (e não todas as mulheres) favorecem fortemente as candidatas do mesmo sexo no caso das eleições para a Câmara nos Estados Unidos, ou seja, que votam em mulheres simplesmente pelo fato de serem mulheres. As explicações para tanto variam. Alguns autores argumentam que pessoas com menor nível educacional tendem a carregar maiores doses de preconceito contra mulheres candidatas.47 Já outros

defendem que isso se deve ao fato de que o movimento feminista é mais forte entre aquelas com mais escolaridade.48 Conclusão semelhante é apresentada por Dolan,49 ao

afirmar que as mulheres têm maior tendência para apoiar mulheres candidatas à Câmara dos Deputados dos EUA e não ao Senado. Além disso, descobre que as mulheres são mais influenciadas pelas ideologias e pela divisão sexual de temas se uma mulher é candidata.

46 SMITH, Eric. e FOX, Richard. The electoral fortunes of women candidates for Congress. Political Research

Quarterly, v. 54, n. 1, p. 205-221, March 2001.

47 BENNETT, Linda; BENNETT, Stephen. Changing views about gender equality. In: politics: gradual changes

and lingering doubts. In: DUKE, Lois L. (ed.). Women in politics: outsiders or insiders? 2a ed. Englewood Cliffs,

NJ: Prentice Hall, 1996.

48 CONOVER, Pamela Johnson. Feminists and the gender gap. Journal of Politics, n. 50, 1988, p. 985-1010.

KLEIN, Ethel. Gender politics. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1984.

49 DOLAN, Kathleen. The impact of candidate sex on evaluations of candidates for the U.S. House of

Representatives. Social Science Quarterly, v. 85, n. 1, Mar. 2004. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Mas alguns estudos chegam a resultados diversos, como os de Seltzer, Newman e Leighton50, que encontram maior vantagem das candidatas entre as eleitoras do mesmo

sexo no caso nas eleições para o Senado e governos estaduais. Outros, ainda, como o de Queiroz,51 elaborado para os cargos municipais brasileiros, e o de Plutzer e Zipp,52 não

chegam à conclusão de que mulheres candidatas têm maior vantagem entre as eleitoras. O tema é ainda bastante controverso, sendo merecedor de estudos mais aprofundados.

As bases de parlamentares mulheres são, majoritariamente, formadas por movimentos ou grupos sociais ligados às áreas de atuação tradicional feminina. Isso porque, em função da socialização diferenciada, tais parlamentares concentraram-se em carreiras ligadas à área social antes de ingressarem na vida política formal, especialmente àquelas que remetem ao seu papel na vida privada, tais como educação e saúde. Tal fato, certamente, limita as possibilidades de atuação dessas mulheres eleitas, que, por deverem satisfação aos seus grupos e por tradicionalmente contarem com baixo capital político que lhes permita ampliar suas bases, mantêm-se “presas” à atuação em áreas consideradas femininas.

Nesse sentido, a forte ligação entre o tipo de atuação das parlamentares e o tipo de base que possuem se dá, sobretudo, pela noção de que cabe ao parlamentar agir em favor de seus representados, os quais diretamente constituem a sua própria base eleitoral. A percepção negativa do eleitor, ou seja, a crença de que o “seu parlamentar” não age em sua defesa ou na defesa de seus interesses, o faz ser reconhecido como ineficiente, incapaz, ou até mesmo ingrato (pelo fato de ter recebido seu voto), o que resulta, obviamente, na perda de eleitores, que representam votos e que podem ameaçar a obtenção de um novo mandato. Por contarem com uma base que, em geral, as associa aos temas sociais, a preocupação com a manutenção e a ampliação dos seus eleitores as faz atuar em áreas mais tipicamente conhecidas como femininas.

50 SELTZER, Richard A.; JODY, Newman; LEIGHTON, Melissa Voorhees. Sex as a political variable: women

candidates and voters. In: U. S. Elections. Boulder, Co: Lynne Riennner, 1997.

51 QUEIROZ, Cristina Monteiro de. Mulheres nas eleições municipais do Brasil (1996-2004). 2005. 91 p. Monografia

(Graduação em Ciência Política) – Instituto de Ciência Política, Universidade de Brasília, Brasília, 2005.

52 PLUTZER, Eric, and ZIPP, John, F. Gender Identity and Voting for Women Candidates. Public Opinion Quarterly, n.

60, p. 30-57, 1996.

Outra questão importante a ser destacada é que a relação direta que se faz entre mulheres e sua atuação em áreas consideradas femininas leva a que mesmo parlamentares que não foram eleitas sob essa bandeira acabem tendo que defender os interesses “femininos” como forma de adquirirem credibilidade, reconhecimento e maior quantidade de capital político que se traduza em votos. Pode-se supor que até mesmo pessoas que não votaram em mulheres esperam que sua atuação no Parlamento seja direcionada para assuntos femininos e de interesse maior para as mulheres. “Muitos atores – eleitores, dirigentes partidários, candidatos, jornalistas – transferem suas expectativas estereotipadas sobre homens e mulheres para os candidatos e candidatas. O resultado destes estereótipos é que certas características pessoais e o conhecimento de algumas áreas passa a ser considerado como ‘femininas’ e outras como ‘masculinas’”.53 Como as mulheres eleitas, assim como qualquer político, dependem da

opinião pública para se reelegerem, há uma pressão da sociedade para que elas concentrem-se em determinados espaços.54

De fato, essa expectativa social pode ser usada, segundo Hernson, Lay e Stokes,55

em favor da eleição de mulheres. Para os autores, se as mulheres competem “como mulheres”, ou seja, defendendo e associando sua atuação àqueles temas tradicionalmente reconhecidos como de sua competência,56 então as chances de que

mais mulheres votem nelas aumenta consideravelmente. “Nossos resultados mostram que ser uma candidata pode ser um bem. Quando as mulheres escolhem capitalizar em cima dos estereótipos de gênero, focando os temas que são mais favoravelmente

53FOX, Richard; OXLEY, Zoe. Gender stereotyping elections: candidate selection and success. The Journal

of Politics, v. 65, n. 3, p. 833-850, aug. 200, p. 834.

54 Interessante a análise que Dolan (2004) faz da utilização dos estereótipos como percepções que as

pessoas utilizam para orientar seus votos. Para ele, o uso desses pré-conceitos é usualmente uma forma que as pessoas encontram para economizar tempo e esforço que iriam investir se resolvessem entender o mundo político ao seu redor. Assim, podem decidir não votar em mulheres porque estas não foram “feitas” para a política, e também podem acreditar que cabe a elas tratar de temas relacionados aos cuidados e aos assuntos femininos.

55 HERNSON, Paul; LAY, J. Celeste; STOKES, Atiya Kai. Women running “as women”: candidate gender,

campaign issues, and voter-targeting strategies. The Journal of Politics, v. 65, n. 1, p. 244-255, Feb. 2003.

56 Para os autores, os eleitores vêem as mulheres como mais competentes para lidar com assuntos femininos,

tais como cuidados com crianças e educação, mas menos capazes de lidar com assuntos masculinos, como economia e guerra.

associados às candidatas e tendo como alvo mulheres e outros grupos sociais, elas melhoram suas chances de sucesso eleitoral”.57 No entanto, essa estratégia, ao mesmo

tempo em que pode ampliar a votação das mulheres, contribui para a construção de uma base eleitoral que certamente irá reivindicar sua atuação nesses temas dentro do Parlamento, ou seja, constitui-se em outro fator que molda e condiciona a participação das parlamentares.