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A “ VOZ ” DAS MULHERES E DOS EXCLUÍDOS NA C ÂMARA DOS D EPUTADOS

I NTRODUÇÃO “[ ] na democracia representativa, a

A COLETA DOS DADOS

3. P RÁTICAS E REPRESENTAÇÕES SOBRE A AÇÃO POLÍTICA A atuação dos parlamentares no Congresso Nacional dá-se de diversas maneiras:

3.2. B ASES ELEITORAIS , DISCRIMINAÇÃO E SOCIALIZAÇÃO POLÍTICA

3.2.1. A “ VOZ ” DAS MULHERES E DOS EXCLUÍDOS NA C ÂMARA DOS D EPUTADOS

O relacionamento dos políticos com suas bases tende a ser freqüente, com espaço durante todo o exercício do mandato parlamentar. Uma vez iniciada a legislatura pra a qual foi eleito, o deputado procura agir, também, segundo a racionalidade político- eleitoral, direcionando suas atividades para onde se encontram aqueles que lhes confiaram votos e para onde acredita que possa ampliar sua base eleitoral.

Se, para Bezerra,249 o relacionamento entre representante e representados envolve

muito mais uma relação regional, no caso das deputadas, o que pôde ser percebido a partir das entrevistas realizadas foi a sua preocupação em atuar em benefício de grupos sociais específicos. Ainda que permaneça a idéia de compromisso com o eleitor, esse tipo de atuação remonta à noção de pertencimento e contribui para criar um sentimento de cumplicidade, de partilhamento de experiências de vida comum.

Alguns pontos importantes podem ser extraídos das falas das deputadas. Inicialmente, ressalte-se que explicitam uma tendência em atender à população mais carente e mais excluída do centro econômico do país, que tem pouco acesso à renda produzida ou aos direitos sociais. As noções de partilhamento de experiências, nesse caso, colocam as mulheres – um dos grupos que vivenciam processos fortes de exclusão, especialmente no campo político – em situação de proximidade daqueles grupos que vivenciam tal situação a partir de outro ponto no espaço social. Constituem-se, assim, em defensoras de seus interesses e necessidades na Câmara. “Na condição de porta- voz dos oprimidos, as mulheres trariam a autenticidade do sentimento de exclusão

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247 BEZERRA, 1999, p. 29. 248 PRÁ, 1992, p. 229. 249 BEZERRA, 1999.

partilhado.”250 Nesse caso, a participação em movimentos sociais constitui-se em um

fator de reforço da preocupação com a população “excluída”. Para as parlamentares com capital político de movimentos, portanto, a motivação para atuar voltada para esses grupos vai além da questão de gênero e constitui-se, também, em uma resposta a ser dada àqueles para as quais, ao menos em tese, trabalharam como militantes de organizações populares.

Política é prestar serviço à comunidade, ter um compromisso com as pessoas que nos colocaram aqui, esse é meu pensamento. Meu eleitorado é mais assim voltado para o pessoal da área de Educação, população mais carente, assim pessoal da deficiência física, muito idoso, mas é mais voltado pra essa área carente mesmo.. [Para] incluir os excluídos até, do processo né? Eu acho que de uma maneira geral eu trabalho pra toda essa camada... Criança, jovem, jovem e adolescente e idoso. [Esses grupos], eles querem espaço pra eles... E eu assumi um compromisso com eles que eu vou ajudar (Deputada federal – PFL).

[Meu eleitorado] é muito misturado, mas tem uma parte que eu reconheço que é aquele que luta por moradia, que quer abrir o espaço pra lutar pelos seus direitos, quer seja da sua categoria, quer seja... Então a sociedade que clama ela se identifica mais comigo, ela me acha porta-voz dessas desigualdades, né? Essa parte da sociedade que não tem ainda todos os seus direitos confirmados e reconhecidos, essa se identifica muito comigo. Na primeira eleição foi uma eleição que era uma voz da mulher na Constituinte, né? E na verdade era a voz do povo, eu diria, porque eu não tinha a menor condição de chegar aqui. Pelos que chegaram, eu era a pessoa diferente, eu tava vindo pelo voto popular. Então é evidente que eu fui porta-voz de todos os anseios dessas reivindicações, dessas lutas e tal, continuo sendo (Deputada federal – PMDB).

Eu tenho um engajamento com as lutas populares, eu tenho uma participação. Eu tenho uma empatia, uma empatia muito grande com os movimentos sociais, então eu sou vista assim como a representante desses movimentos sociais organizados, trabalhadores... Aquela pessoa que vai tá buscando uma vaga no Parlamento, mas que vai nos ajudar sim, vai ser a nossa porta-voz (Deputada federal – PCdoB).

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Interessante notar que, para o caso das deputadas que construíram uma trajetória profissional diferente daquela tradicionalmente construída pelas mulheres, a possibilidade de formar bases políticas menos ligadas à população excluída e aos temas estereotipicamente tidos como femininos se torna maior. É o caso daquelas que, tendo conhecimento especializado em áreas não tradicionalmente femininas, apresentam bases diferenciadas das suas companheiras, o que lhes possibilita ação mais orientada para temas diferentes dos mais tradicionais. Desse modo, o discurso de identidade com os excluídos pode dar lugar a outro, tal como foi apontado por uma das entrevistadas, que apresentou atuação menos focada em temas estereotipicamente associados às mulheres:

Eu tenho voto em todas as classes de renda, em todas as classes de educação, espalhadas por todo o estado. Mas, sem dúvida, há um predomínio de classe média, de jovens e de centros urbanos (Deputada federal – PSDB).

As deputadas sentem que o perfil do seu eleitorado vem se ampliando ao longo do tempo, mas pôde se observar que dificilmente ele ultrapassa a linha das áreas tradicionais de atuação e interesse femininos. Há pouca menção ao aspecto regional da base eleitoral, característica típica da política brasileira.251 No caso das mulheres, portanto, a defesa

das bases refere-se mais a grupos específicos, o que as colocaria em uma terceira categoria, além das propostas pelo autor, que remete à idéia de política e de pertencimento.

[Meu eleitorado] não tem um perfil hoje único, porque como eu trabalhei com projetos em todos os estados, Santa Catarina e no país, o perfil da candidatura ele é nas pessoas que acreditam na mudança dos valores, da cultura, das relações sociais, econômicas e políticas e a sucessão da democracia no país, acho que passa por aí. Agora, ele traz a questão da reforma agrária, da agricultura familiar, a questão das mulheres, aí pega agricultoras, donas de casa, trabalhadoras doméstica, maricultoras, pescadoras, todas as mulheres que não têm direitos, que nós estamos lutando e as que estão conseguindo seus direitos. É um perfil bastante grande de

251 Tal como indica Bezerra, uma das formas de atuação dos parlamentares – mais característica da elite

política brasileira, na qual as mulheres não se encontram – os aproxima da idéia de políticos nacionais, que participam das discussões e tomadas de posição diante dos principais problemas do país. Uma outra possibilidade refere-se aos chamados políticos locais – representantes dos estados, municípios, comunidades –, a quem cabe a defesa dos interesses de suas bases.

mulheres trabalhadoras, que a gente tá lutando pra inclusão de direitos sociais, por respeito à sua cidadania, e as pessoas com deficiência, portadores de deficiência, que através da Comissão de Direitos Humanos eu venho trabalhando já há muito tempo. Então eu entrei bastante na questão dos direitos humanos, né? (Deputada federal – PT/SC).

Educação é um grupo forte, mulheres também, porque eu desenvolvo bastante trabalho voltado pra questão das mulheres, mas eu não posso dizer só que esses dois grupos me elegeram. Hoje a atuação, por exemplo, na questão da frente parlamentar pela livre expressão sexual, são atuações focadas, os direitos das comunidades GLBT, as mulheres, a educação. Esses são grupos que eu atuo que eu sei que vai ter repercussão inclusive em termos de voto, mas a questão regional também conta, e conta muito (Deputada federal – PT/SP).

Outro aspecto importante, ainda, diz respeito ao sentimento de obrigação de atuar em defesa dos direitos das mulheres. A idéia de uma política da presença parece fazer sentido para as deputadas entrevistadas. Desse modo, elas reconhecem em si uma condição feminina que deve ser defendida em suas atividades no Parlamento. E parecem assumir para si a responsabilidade exclusiva pela defesa dos interesses das mulheres brasileiras, contribuindo para naturalizar a divisão sexual dos trabalhos e a percepção de que as mulheres devem votar em outras mulheres252 porque são as únicas que irão

representá-las e defendê-las. Na verdade, esse é o grande perigo da defesa única da política da presença, no lugar da tentativa de associá-la a uma política de idéias, na qual todos os deputados – homens e mulheres – seriam responsáveis por representarem os interesses femininos.

[Meu mandato serve] pra representar as mulheres. Eu sempre coloco isso no meu discurso, que eu tenho uma obrigação e coloco isso pra bancada feminina. [Obrigação] de representação das mulheres brasileiras. [Sinto essa obrigação] porque somos poucas. Eu procuro sempre, como uma das coordenadoras da bancada feminina, incentivar que as deputadas tenham esse pensamento. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

252 “[Mulher deve votar em mulher] por causa do trabalho que a mulher faz, até pela representatividade

dela aqui no Congresso. Se elas reunissem e exigissem da mulher: ‘não, a senhora vai lá e você tem que fazer isso lá. Nós queremos que faça lá’. Aí a gente não sente isso... Não sentia isso. Hoje [...] que eu já viajo, já vou pra município maior, eu trabalho, conversando.... a gente já vê mulheres com outras idéias.... porque tá lá, porque vai ajudar, e isso e aquilo, não são só aqueles homens lá mandão, nós também temos que ter nosso espaço... é isso” (Deputada federal - PFL).

Somos pouquíssimas, portanto somos nós que representamos as mulheres brasileiras aqui. E com tanta diferenciação que existe na sociedade ainda nós temos que trabalhar com enfoque de gênero. Não dá pra deputada fugir disso, acho que não dá... Eu acho que é obrigação da deputada trabalhar com essa questão de gênero e penso que há esse pensamento quase que consensual na bancada feminina. De que pra nós, inclusive, é positivo e produtivo trabalhar de forma unificada aqui, a gente consegue aprovar leis, consegue fazer projetos, caminhar mais depressa, consegue defender questões voltadas à mulher brasileira. Acho que as deputadas entenderam que essa causa feminista é importante pro mandato de cada uma, pelo menos a maioria (Deputada federal – PT/SP). Então eu nunca esqueço que eu tenho aqui uma condição feminina, que é a questão do meu gênero mesmo que eu não quero deixar nunca de falar por ele. Essa coisa da condição de mulher e da luta em favor daquele processo inverso da sociedade que coloca uma grande parte da sociedade marginalizada, essa não dá pra você largar, é como você renegar a sua própria história, então você tem mais coragem, mais capacidade de lutar, você vai, não fica esperando que outro faça (Deputada federal – PMDB).

Acho que na questão de gênero porque é algo que nós não podemos escapar” (Deputada federal – PCdoB).

Assim, o modo como a atuação feminina se constrói no Parlamento passa pela relação das deputadas com suas bases eleitorais que, como se apresentou, associa-se a características específicas que as fazem orientar-se para determinadas áreas. Além da atuação para grupos vulneráveis, bastante destacada pelas parlamentares e confirmada pela análise da produção legislativa e pela presença nas comissões, essas mulheres atuam em resposta às bases que construíram conforme suas carreiras profissionais. A condição da mulher como porta-voz daqueles que não têm vez na sociedade acaba por naturalizar os atributos de uma forma de representação descritiva. Ademais, além de aplicarem sobre si mesmas as representações dominantes na sociedade patriarcal, ao entender como sua responsabilidade o cuidado com a área social e com os grupos excluídos, essas mulheres têm que lidar com uma sociedade que age orientada pelos mesmos padrões dominantes e que tem expectativas de quais serão as atividades que irão desenvolver no Parlamento. A relação eleitor-representante configura-se, assim, em mais um fator que condiciona a atuação das mulheres na Câmara dos Deputados.