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CAPÍTULO I – INTRODUÇÃO E OBJETIVOS

I.1. INTRODUÇÃO

I.1.1. ASFALTENOS

Os asfaltenos são os principais constituintes da fração pesada e polar do petróleo. Do ponto de vista estrutural, são macromoléculas contendo domínios poliaromáticos condensados a anéis naftênicos, além de possuírem cadeias alifáticas ligadas aos ciclos e grupos funcionais contendo enxofre, nitrogênio e oxigênio.[9] A Figura I.2 apresenta quatro estruturas propostas para os asfaltenos de petróleo. Em virtude do elevado grau de polidispersividade da fração asfaltênica, cabe ressaltar que as estruturas abaixo são apenas algumas das inúmeras espécies distintas de asfaltenos, que podem estar presentes no fluido.

Figura I.2 – Estruturas moleculares propostas para algumas das inúmeras moléculas de

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A estrutura complexa dos asfaltenos determina a existência de interações intermoleculares que resultam na formação de agregados. A principal forma de

interação entre as suas moléculas ocorre através do fenômeno de interação π,

decorrente das deslocalizações eletrônicas nos planos dos anéis aromáticos presentes na estrutura dessas espécies. Este fenômeno promove o empilhamento de moléculas asfaltênicas por meio de atrações intermoleculares do tipo dipolo induzido-dipolo induzido.[11,12] O empilhamento das moléculas pode provocar a floculação da fração asfaltênica. Spiecker et al.[13] propuseram que interações polares e ligações de hidrogênio também contribuem, em menores proporções, para a desestabilização da fração asfaltênica no petróleo. A terminologia estabilidade utilizada nessa tese e em diversos trabalhos da área, refere-se a capacidade do óleo em manter os asfaltenos dispersos no meio, evitando assim a sua floculação.

Existem três modelos clássicos coloidais que representam a estabilidade da fração dos asfaltenos nos petróleos. No primeiro deles, Nellensteyn[14] considera os asfaltenos como macromoléculas dissolvidas no óleo em um sistema coloidal termodinamicamente estável. A diminuição do poder de solvência das outras frações que constituem o petróleo, durante a produção, causaria a floculação dos asfaltenos. No segundo modelo, Pfeiffer e Saal[15] consideram os asfaltenos como compostos intrinsecamente insolúveis que são mantidos dispersos pela ação peptizante da fração resina. Neste caso a floculação de asfaltenos é interpretada como o resultado da dessorção das resinas da superfície das partículas.

Um terceiro modelo, proposto por Yen e Dickie,[16] faz proveito dos dois modelos coloidais anteriores e sugere a formação de micelas, de forma hierárquica. O empilhamento das moléculas asfálticas, resinas e asfaltenos, daria origem ao que os autores chamaram de partículas. Um outro nível de auto-organização das moléculas de asfaltenos e resinas, com número de agregação maior do que aquele observado na formação das partículas, conduziria à formação das micelas mistas de material asfáltico. Yen descreve que a estrutura molecular das resinas é similar à dos asfaltenos, diferindo na quantidade de anéis aromáticos condensados que compõem as moléculas dessas espécies.

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Técnicas analíticas modernas de difusão molecular e de espectrometria de massas permitiram atualizar o modelo de Yen, discretizando o número de moléculas de asfaltenos que formam um nanoagregado (no modelo de Yen, as partículas formadas pelas moléculas de asfaltenos auto-organizadas seriam análogas aos nanoagregados) e o número de agregados que formam um cluster (grau de organização similar à da micela proposta por Yen), Figura I.3.[17] O papel da resina, fazendo parte da nanoestrutura, estabilizando-a ou dificultando a sua formação, não é evidenciado no modelo mais recente de estruturação coloidal dos asfaltenos, conhecido como Yen- Mullins. A não participação das resinas na formação dos nanoagregados contrasta com outros estudos,[18,19] cuja a interação entre as resinas de alta massa molecular e os asfaltenos é tida como um fator relevante para manter a fração asfaltênica dispersa no meio óleo. Segundo Mullins, o empilhamento das moléculas de forma discretizada é resultado do compromisso entre as atrações intermoleculares, que ocorrem nos asfaltenos por interação π, e das repulsões ocasionadas pelo impedimento estérico proveniente das ramificações alquílicas periféricas.

Figura I.3 – Modelo de Yen-Mullins.[17] (Esquerda) A arquitetura molecular do asfalteno tem um

único hidrocarboneto poliaromático com cadeias laterais alifáticas. (Centro) Moléculas de asfaltenos formam nanoagregados com número de agregação em torno de 6, com empilhamento desordenado dos anéis aromáticos e com cadeias alifáticas periféricas. (Direita) Nanoagregados de asfaltenos podem formar clusters, com aspecto fractal contendo aproximadamente 8 nanoagregados. Moléculade asfalteno 1,5 nm CLUSTER de nanoagregados de asfaltenos 5,0 nm Nanoagregado de asfaltenos 2,0 nm

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Uma crítica corriqueira da comunidade científica ao modelo de Yen-Mullins envolve justamente a discretização das quantidades de espécies participantes em cada nível hierárquico da auto-associação das moléculas de asfaltenos, além dos estreitos tamanhos médios definidos para os nanoagregados e os clusters de nanoagregados. Considerando a natureza polidispersa e a complexidade estrutural dos asfaltenos, a existência de um tamanho médio estreito desses níveis de organização não é plausível. Segundo Gray et al.,[20] os tamanhos médios dos nanoagregados relatados na literatura compreendem valores entre 2 e 20 nm, já diferentes daqueles propostos no modelo de Yen-Mullins. A participação de outros tipos de interação distintas da atração

intermolecular por empilhamento π na formação dos nanoagregados, como as

interações ácido-base, as ligações de hidrogênio e a complexação de grupos contendo V e Ni, poderiam ser responsáveis pela formação de agregados com tamanhos maiores que a média de 2 nm, preconizada no modelo de Yen-Mullins.

Sob a ótica da produção de petróleo, os dois principais fatores que desestabilizam a fração asfaltênica são: (i) a despressurização que ocorre durante a produção dos fluidos e (ii) a injeção de gás com vistas à recuperação avançada de

petróleo.[21] Outros processos presentes na produção podem desestabilizar os

asfaltenos, destacando-se (iii) a mistura entre diferentes correntes de óleo produzido e (iv) a indução de precipitação de asfaltenos pela presença de íons Fe3+, gerados à partir da corrosão de materiais metálicos que compõem os sistemas de produção.

A despressurização do óleo durante a elevação do fluido do reservatório à superfície pode causar uma desestabilização dos asfaltenos antes dispersos e a sua consequente floculação e deposição. Essa desestabilização ocorre devido ao maior incremento do volume parcial molar das frações leves do petróleo, mais compressíveis que os demais componentes do fluido. O aumento da razão de volume ocupado pelas frações leves pode ser suficientemente alto para reduzir o poder de solvência do petróleo (aromaticidade) frente aos asfaltenos, desestabilizando-os a ponto de flocularem. O maior valor de volume parcial molar das frações leves, em solução, é alcançado próximo ao ponto de bolha do sistema, condição na qual se espera a menor estabilidade dos asfaltenos em óleos vivos. Abaixo do ponto de bolha as frações leves

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saem de solução e a consequente diminuição da fração molar dos componentes leves em solução tende a reduzir a instabilidade da fração asfaltênica.[22]

Durante a vida produtiva de um campo petrolífero ocorre a redução gradual da pressão do fluido confinado no reservatório e esse decréscimo diminui o potencial de produção de óleo. Uma das maneiras de se aumentar o fator de recuperação de óleo do reservatório é aplicando as técnicas de recuperação. Essas técnicas podem envolver a injeção de fluidos na formação rochosa, com o intuito de manter a pressão do reservatório alta, ou até mesmo diminuir a viscosidade do fluido confinado.[23] Os fluidos comumente injetados são a água do mar, o dióxido de carbono ou o gás natural. A injeção de dióxido de carbono ou gás natural no reservatório pode desestabilizar os asfaltenos[24,25] devido ao aumento da fração molar dos componentes leves no óleo, minimizando o poder de solvência do fluido à fração asfaltênica. O material particulado pode ser formado no ambiente do próprio reservatório levando à obstrução dos poros e, consequentemente, a um declínio mais acentuado da produção de petróleo.

Tendo em vista que a simples despressurização e/ou a adição de gás podem levar à floculação de asfaltenos, é de extrema importância conhecer o comportamento de fases dessa fração nessas condições. Existem algumas correlações empíricas que tentam prever o comportamento de asfaltenos em óleos vivos à partir de experimentos realizados com os seus referidos óleos mortos.[26,27] Tais correlações apresentam muitos resultados falsos negativos e dessa forma é mais prudente estudar os asfaltenos utilizando as amostras de óleo vivo.

Os experimentos que visam determinar o comportamento de fases da fração asfaltênica à partir de óleos vivos são onerosos e geralmente demorados. Para acompanhar a literatura relacionada com a formação de partículas macroscópicas de asfaltenos, o termo precipitação será utilizado a partir daqui, muito embora a natureza coloidal dos asfaltenos indique que a terminologia mais adequada seja floculação. Resumidamente, os experimentos para a detecção da precipitação de asfaltenos pertencem a cinco categorias:[28] (i) gravimétrico, em que se determina o teor de asfaltenos remanescentes no petróleo após uma desestabilização desta fração, (ii) ressonância acústica, em que um cristal piezoelétrico gera ondas acústicas dentro do

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fluido e um receptor detecta as atenuações que podem ser relacionadas às mudanças de fases do fluido, (iii) espalhamento de luz, em que partículas de asfaltenos que precipitam em solução espalham a radiação na região do infravermelho próximo incidida através da amostra, (iv) filtração, em que se determina a condição de aparecimento de partículas asfaltênicas em uma filtração e (v) microscopia em alta pressão, em que se determina visualmente a precipitação dos asfaltenos.

A cinética de precipitação da fração asfaltênica em condições de altas pressões é geralmente negligenciada nos experimentos atualmente utilizados para o estudo dos asfaltenos. Maqbool et al.[29] obtiveram resultados de precipitação de asfaltenos em óleo morto, induzida por adição de n-heptano, e verificaram que o tempo de formação das partículas asfaltênicas em escala micrométrica pode variar de horas até a meses. É importante levar em conta o fator cinético nos experimentos, para que os dados obtidos em laboratório e que porventura sejam simulados termodinamicamente, apresentem maior confiabilidade. A simulação termodinâmica é uma poderosa ferramenta para a previsão da deposição desta fração ao longo do sistema de produção de petróleo.[30,31] A modelagem termodinâmica permite construir, com o auxílio de equações de estado, o envelope de fases dos asfaltenos nas condições termodinâmicas de interesse, a partir do ajuste das curvas simuladas com um número reduzido de dados experimentais de precipitação da fração asfaltênica, obtidos pelas diferentes técnicas citadas anteriormente.

O profundo conhecimento do envelope de fases dos asfaltenos é crucial para as companhias petrolíferas, a fim de evitar os problemas de garantia de escoamento provenientes da deposição desta fração nos sistemas de produção. Óleos leves contendo baixos teores de asfaltenos, apresentando percentagens mássicas entre 0,1 e 1,0 %, são os mais susceptíveis de apresentarem problemas de deposição de

asfaltenos por simples despressurização do fluido.A pequena quantidade de partículas

a ser detectada no início da precipitação, a complexidade do fenômeno e as condições de alta pressão necessárias, tornam a determinação do comportamento de fases da fração asfaltênica muito desafiadora. O desenvolvimento e o aprimoramento de aparatos experimentais que permitam atingir esse objetivo são de extrema importância. Serão apresentados a seguir, nessa revisão bibliográfica, as técnicas e os aparatos

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experimentais que foram empregados nessa tese e o atual estado da arte que as envolvem no estudo do comportamento de fases dos asfaltenos.

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