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Aspecto da sistemática dos direitos fundamentais nas Constituições do

CAPÍTULO 1 PREMISSAS TEÓRICAS: LIBERDADE, DIREITOS

3. Liberdade e os direitos fundamentais

3.2 Aspecto da sistemática dos direitos fundamentais nas Constituições do

No que tange a sistematização dos direitos fundamentais nas Constituições Portuguesa e Brasileira, é mais que crucial fazê-la, analisando suas particularidades, bem como suas similitudes, pois com isso mostra-se conveniente e oportuno firmar um propósito de direitos fundamentais enquanto organização de direitos numa Constituição considerada em concreto, dentro de um sistema que ocupa um lugar de destaque, concebidos como elementos estruturantes tanto em termos materiais (aquela ideias básicas, extraídas pelo sistema social, que foram objetos de recepção, concretização e incorporação pela Constituição), instrumentais e auxiliares, pelos quais corroboram a unidade e dinamicidade de todo o conjunto normativo Constitucional.96

Em ambos os sistemas é capaz de se perceber algumas características semelhantes, quanto a estes direitos: ilustram uma configuração possível do (tipo de) Estado constitucional ocidental, assentados nos elementos infirmadores da democracia representativa, da teoria da separação dos poderes, da “rule of law” e garantia efetiva de pelo menos um núcleo básico de direitos e de colaboração política97 sendo por exemplo, o princípio da dignidade da pessoa humana como prima pricipium básico de parâmetro para a construção de direitos sociais, conferindo equilíbrio e ordem aos sistemas em consonância com a liberdade, igualdade e solidariedade (art. 1º, III, da CF/88 e da CRP/76)98 99; a acepção dos direitos sociais como direitos que não meramente se dirigem objetivamente ao Estado; certa preocupação no que tange a efetividade dos direitos jusfundamentais (Art. 5º, § 1º, da CF/88 e art. 18, 1, da CRP/76)100; bem como a abertura a direitos que extrapolam a

96 ALEXANDRINO, José Melo. A Estruturação do Sistema de Direitos, Liberdades e Garantias na Constituição Portuguesa. Coimbra: Almedina, 2006, v. II, pp. 81 e

ss. e ALEXANDRINO, José Melo. Direitos Fundamentais..., pp. 63 e ss.

97 Alexandrino apenas cita o caso da Constituição Portuguesa, mas de forma análoga,

tal ideia pode ser aplicada ao caso brasileiro in ALEXANDRINO, José Melo. Direitos

Fundamentais..., p. 32.

98 Cf. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito..., pp. 239 e ss.

99 Constituição Brasileira: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união

indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana” e Constituição da República de Portugal: “Artigo 1.º República Portuguesa - Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.”

100 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

autoridade da Constituição (ou a conhecida cláusula aberta, Art. 5º, § 2º, da CF/88 e art. 16, 1, da CRP/76).101102

Destarte os direitos sociais, a Constituição do Brasil os positivou nos artigos sexto ao décimo primeiro, de forma espaçada, o que se infere a impossibilidade de tê-los sob uma ótica estanque a suas previsões constitucionais. Confirme-se isto pelo fato que há direitos que mesmo estando inseridos nesse rol não são considerados direitos sociais (como direitos a prestações fáticas do art. 7º da CF/88) 103, bem como dos que são sociais e

do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.” e “Artigo 18.º Força jurídica - 1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.”

101 Cf. NETTO, Luísa Cristina Pinto e. Op. cit., pp. 47-48.

102 “Art. 5º, § 2º, Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem

outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.” e ”Artigo 16.º Âmbito e sentido dos direitos fundamentais 1. Os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional.”

103 “Art. 7º: São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem

à melhoria de sua condição social: I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos; II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário; III - fundo de garantia do tempo de serviço; IV - salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; V - piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho; VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; VII - garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável; VIII - décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria; IX – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa; XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei; XII - salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; (vide Decreto-Lei nº 5.452, de 1943) XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva; XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos; XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal; (Vide Del 5.452, art. 59 § 1º) XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias; XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei;

não estão sob o manto desse título; diferente da Constituição Portuguesa, que elencou de forma bem mais organizada o título dos direitos sociais em “Direitos e deveres econômicos, sociais e culturais” (arts. 58 e ss. da CRP/76).104

A Constituição Brasileira também não trouxe uma distinção explicita quanto aos direitos de liberdade e os direitos sociais, apesar dessa “bifurcação aberta” dos direitos fundamentais estarem de uma maneira ou de outra em quase todas as Constituições feitas após a primeira grande guerra ou, de igual sorte, na legislação infraconstitucional de quase todos os países.105

Tome por exemplo o artigo sétimo e seguintes inseridos no capítulo II dos Direitos Sociais, que salvaguarda a respeito de direitos dos trabalhadores, mas que tanto podem elencar direitos de liberdade, como o de greve (Art. 9º da

XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei; XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei; XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei; XXIV - aposentadoria; XXV - assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho; XXVII - proteção em face da automação, na forma da lei; XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa; XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 28, de 25/05/2000) XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência; XXXII - proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos; XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) XXXIV - igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso.”

104 Alexandrino também relembra que relativamente aos direitos econômicos, sociais e

culturais na CRP/76, “o legislador afastou-se da tradição constitucional, que colocara sempre no universo dos direitos individuais um direito social mínimo, para preferir um catalogo desenvolvido de direitos e deveres economicos, sociais e culturais, embora o reconhecimento desse direito a um mínimo para uma existencia condigna tenha reaparecido no final do século XX, pela via da jurisprudencia do Tribunal Constitucional” in ALEXANDRINO, José de Melo. A Estruturação do Sistema de

Direitos..., pp 108, 567 ss. e 626 ss. 105 Cf. MIRANDA, Jorge. Op. cit., p. 192.

CF/88) 106, ou direitos claramente sociais, como a garantia do salário (Art. 7º, VII, da CF/88); diferente da nação lusa que deixa essa separação às claras (com o título outro dos “Direitos, liberdades e garantias” nos artigos 17 e seguintes).

Sob essa perspectiva de secessão organizada e sistematizada entre direitos sociais e de liberdade é interessante tecer alguns comentários sob a ótica da doutrina portuguesa. Essa divisão certeira e pontual na Constituição Portuguesa se torna relevante no que tange aos “Direitos, liberdades e garantias” visto que não se transpõe em um simples esquema classificatório, mas sim um verdadeiro regime jurídico-constitucional especial que se caracteriza materialmente destas espécies de direitos fundamentais.

E não é só isso, essa diferença exata também serve de paradigma material a outros direitos semelhantes dispersos na Carta Magna lusitana, o que se atribui a estes uma força vinculativa e uma densidade aplicativa (ou aplicabilidade direta), no qual aponta a um reforço generalizado normativo destes preceitos se relacionando a outras normas constitucionais, o que inclui normas referentes a outros direitos jusfundamentais.107

Quanto aos “Direitos e deveres economicos, sociais e culturais”, essa partição constitucional vem a calhar, pois não se trata de uma divisão contraposta aos “Direitos, liberdades e garantias”, mas apenas aos que possuem diferenças a estes, sujeitos a um regime geral de direitos fundamentais, que não se beneficiam do outrora indigitado regime especial dos direitos de liberdade, exceto se não constituírem direitos de natureza semelhantes a estes.

Cabendo relembrar que muitos desses direitos sociais são a “prestações”, com a inclusão de alguns com natureza negativo-defensiva, trazendo esse esforço de sistematiza-los uma maior gama de direitos que os de liberdade, sem excluir a ótica que alguns direitos de caráter sociais sejam configurados como de natureza análoga aos de liberdade, mesmo apesar da divisão.108

106 “Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir

sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.”

107 Cf. CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. cit., p. 398. 108 Ibidem, p. 403.

Dessa maneira, se conclui que a cisão, como feita na Constituição Portuguesa, pode trazer certos benefícios a esses espécimes: tornando mais fácil analisar sua natureza e características idiossincráticas, simplesmente pelo fato de sua sistematicidade, sem excluir que sua aplicação também se transmuta em ser deveras mais certeira no que tange as questões constitucionais pelo qual se precisem utilizar tais direitos, sob o manto a que cada necessidade particular no caso concreto venha a requerer.

Desta forma, trazida a tona a organização dos direitos fundamentais em ambas as Cartas políticas, pode-se demonstrar na próxima análise outro aspecto estruturante dos mesmos, como o da defesa, prestação e participação. Analisemos.

3.3 Aspecto da defesa, da prestação e da participação dos direitos