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Liberdade de manifestação do pensamento

CAPÍTULO 1 PREMISSAS TEÓRICAS: LIBERDADE, DIREITOS

3. Liberdade e os direitos fundamentais

3.4 Direitos de liberdade em espécie

3.4.1 Liberdade de manifestação do pensamento

Este é um dos direitos fundamentais mais caros e importantes que se pode resguardar no seio de uma comunidade. A Constituição Brasileira foi clara em inferir que é “livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” bem como “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”.

Ingo Sarlet115 vem afirmar que o conteúdo desse dispositivo estabelece um espécime de clausula abrangente e geral que está contendo vários outros tipos de direitos, pelos quais asseguram a liberdade de expressão nas suas diversas formas e manifestações, tais como a liberdade de manifestação do pensamento (incluindo a liberdade de opinião)116, liberdade de expressão artística117, liberdade de ensino e pesquisa118, liberdade de comunicação e informação (liberdade de “imprensa”)119 e liberdade de expressão religiosa120.

A garantia de tal direito fundamental vem a tutelar, de forma geral, ao menos enquanto não houver uma colisão frontal com outros direitos

114 Cf. MENDES, Gilmar Ferreira e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit., p. 298. 115 SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora

Saraiva, 2013, pp. 452 e 454.

116 CF/88: Art. 220. “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a

informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.”

117 CF/88: Art. 215. “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais

e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.”

118 CF/88: Art. 5, IX – “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e

de comunicação, independentemente de censura ou licença e Art. 206. “O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber.”

119 CF/88: Art. 5, XIV – “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o

sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.”

120 CF/88: Art. 5. VI – “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo

assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.”

fundamentais garantidos, inclusive por estes não possuírem hierarquia uns sobre os outros, toda opinião, convicção, comentário, avaliação ou julgamento sobre quaisquer temas ou pessoa, que envolva interesse público, ou não, de importância e de valor, ou não, até porque “diferenciar entre opiniões valiosas ou sem valor é uma contradição num Estado baseado na concepção de uma democracia livre e pluralista”.121

Tal direito vem a ser sopesado em diversas Cortes Constitucionais pelo mundo, sendo a mais expressiva naquela que tange a problemática do hate speech (ou discurso de ódio), onde o leading case exsurge da Suprema Corte Americana ao fazer divagações sobre a primeira emenda, no qual ela assegura a liberdade de expressão: Congresse shall make no law... abridging the freedom of speech, or of the press (o Congresso não pode elaborar nenhuma lei limitando cerceando a liberdade de expressão ou de imprensa).

A Suprema Corte no Brasil não adotou um entendimento absoluto e profícuo no qual a garantia de liberdade abrangeria expressamente o hate speech, pois para os Julgadores do Egrégio Tribunal a liberdade de expressão não é absoluta, encontrando algumas restrições “voltadas ao combate do preconceito e da intolerância contra minorias estigmatizadas”.

Porém, mesmo com essa posição de preferencia da Corte, em julgamento de habeas corpus, discutiu-se a pratica ou não de crime de racismo cometido por um escritor e editor de livros por suposta discriminação contra judeus, tendo a ordem do remédio heroico denegada pela corte por um julgamento de 8 pela denegação a 3 pela concessão, o que caracterizou uma verdadeira flexibilização da liberdade de expressão e virada de jurisprudência.122

121 Cf. MENDES, Gilmar Ferreira e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit., p. 299. 122 Cf. LENZA, Pedro. Op. cit., p. 1.186. Ementa do julgado: “HABEAS-CORPUS.

PUBLICAÇÃO DE LIVROS: ANTI-SEMITISMO. RACISMO. CRIME

IMPRESCRITÍVEL. CONCEITUAÇÃO. ABRANGÊNCIA CONSTITUCIONAL.

LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIMITES. ORDEM DENEGADA. 1. Escrever, editar, divulgar e comerciar livros "fazendo apologia de idéias preconceituosas e discriminatórias" contra a comunidade judaica (Lei 7716/89, artigo 20, na redação dada pela Lei 8081/90) constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e imprescritibilidade (CF, artigo 5º, XLII). 2. Aplicação do princípio da prescritibilidade geral dos crimes: se os judeus não são uma raça, segue-se que contra eles não pode haver discriminação capaz de ensejar a exceção constitucional de imprescritibilidade. Inconsistência da premissa. 3. Raça humana. Subdivisão. Inexistência. Com a definição e o mapeamento do genoma humano, cientificamente

não existem distinções entre os homens, seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pelos ou por quaisquer outras características físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos iguais. 4. Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista. 5. Fundamento do núcleo do pensamento do nacional- socialismo de que os judeus e os arianos formam raças distintas. Os primeiros seriam raça inferior, nefasta e infecta, características suficientes para justificar a segregação e o extermínio: inconciabilidade com os padrões éticos e morais definidos na Carta Política do Brasil e do mundo contemporâneo, sob os quais se ergue e se harmoniza o estado democrático. Estigmas que por si só evidenciam crime de racismo. Concepção atentatória dos princípios nos quais se erige e se organiza a sociedade humana, baseada na respeitabilidade e dignidade do ser humano e de sua pacífica convivência no meio social. Condutas e evocações aéticas e imorais que implicam repulsiva ação estatal por se revestirem de densa intolerabilidade, de sorte a afrontar o ordenamento infraconstitucional e constitucional do País. 6. Adesão do Brasil a tratados e acordos multilaterais, que energicamente repudiam quaisquer discriminações raciais, aí compreendidas as distinções entre os homens por restrições ou preferências oriundas de raça, cor, credo, descendência ou origem nacional ou étnica, inspiradas na pretensa superioridade de um povo sobre outro, de que são exemplos a xenofobia, "negrofobia", "islamafobia" e o anti-semitismo. 7. A Constituição Federal de 1988 impôs aos agentes de delitos dessa natureza, pela gravidade e repulsividade da ofensa, a cláusula de imprescritibilidade, para que fique, ad perpetuam rei memoriam, verberado o repúdio e a abjeção da sociedade nacional à sua prática. 8. Racismo. Abrangência. Compatibilização dos conceitos etimológicos, etnológicos, sociológicos, antropológicos ou biológicos, de modo a construir a definição jurídico-constitucional do termo. Interpretação teleológica e sistêmica da Constituição Federal, conjugando fatores e circunstâncias históricas, políticas e sociais que regeram sua formação e aplicação, a fim de obter-se o real sentido e alcance da norma. 9. Direito comparado. A exemplo do Brasil as legislações de países organizados sob a égide do estado moderno de direito democrático igualmente adotam em seu ordenamento legal punições para delitos que estimulem e propaguem segregação racial. Manifestações da Suprema Corte Norte-Americana, da Câmara dos Lordes da Inglaterra e da Corte de Apelação da Califórnia nos Estados Unidos que consagraram entendimento que aplicam sanções àqueles que transgridem as regras de boa convivência social com grupos humanos que simbolizem a prática de racismo. 10. A edição e publicação de obras escritas veiculando idéias anti-semitas, que buscam resgatar e dar credibilidade à concepção racial definida pelo regime nazista, negadoras e subversoras de fatos históricos incontroversos como o holocausto, consubstanciadas na pretensa inferioridade e desqualificação do povo judeu, equivalem à incitação ao discrímen com acentuado conteúdo racista, reforçadas pelas conseqüências históricas dos atos em que se baseiam. 11. Explícita conduta do agente responsável pelo agravo revelador de manifesto dolo, baseada na equivocada premissa de que os judeus não só são uma raça, mas, mais do que isso, um segmento racial atávica e geneticamente menor e pernicioso. 12. Discriminação que, no caso, se evidencia como deliberada e dirigida especificamente aos judeus, que configura ato ilícito de prática de racismo, com as conseqüências gravosas que o acompanham. 13. Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal. 14. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o "direito à incitação ao

Em alguns outros casos, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal, a respeito do direito fundamental de liberdade em questão já aduziu não ser possível à utilização de denuncia anônima, pura e simples, para instauração de procedimento investigatório, por violar a vedação ao anonimato.

E ainda declarou constitucional a “marcha da maconha”, que se tratava de um evento pelo qual havia manifestação no sentido da descriminalização da droga no país. Por unanimidade (8X0), o Tribunal entendeu legítimo o movimento com base na liberdade de manifestação do pensamento, de reunião, assegurando ainda o direito das minorias, pelo qual Pedro Lenza infere se tratar de uma função contramajoritária da Corte.

Concluindo ainda em outro julgamento similar a Corte Constitucional Brasileira decidiu “excluir qualquer significado que ensejasse a proibição de manifestações e debates públicos acerca da descriminalização ou da legalização do uso de drogas ou de qualquer substancia que leve o ser humano ao entorpecimento episódico, ou então viciado das suas faculdades psicofísicas.”.123