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6. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

6.1. Análise dos aspectos institucionais e culturais

6.1.4. Aspectos Culturais

A formação de uma cultura favorável à inovação tecnológica e ao empreendedorismo acadêmico é um dos fatores mencionados por Clark (1998) de maior relevância para formação de uma universidade empreendedora.

Nesse sentido, de acordo com os relatos de pesquisadores/inventores, pesquisadores especialistas na área de empreendedorismo acadêmico, ex- dirigentes da universidade e membros das estruturas de apoio à inovação, essa cultura vem se constituindo aos poucos na UFMG. Entretanto, a formação de uma cultura empreendedora sólida é um processo lento de forma que as práticas de capitalização do conhecimento ainda encontram resistências no ambiente acadêmico.

A história de cooperação e participação da UFMG no desenvolvimento econômico e social do País, por meio de projetos realizados em parceria com empresas, formação de spin-offs acadêmicos e transferência de tecnologia, é de certa forma recente e marcada por muitos entraves culturais em seu desenvolvimento. Segundo relatado por grande parte dos atores entrevistados, essas práticas eram muito mal vistas na Universidade. Havia, por exemplo, um grande preconceito da comunidade acadêmica com relação aos projetos que envolviam um relacionamento com

pesquisado, podendo ferir a liberdade dos pesquisadores. Hoje esse preconceito vem sendo superado, principalmente em áreas de ciência aplicada como a engenharia, na medida em que as pessoas passam a enxergar o valor da aplicação do conhecimento gerado em pesquisas acadêmicas na solução de problemas do setor produtivo.

No que tange aos spin-offs acadêmicos, desde as primeiras iniciativas na década de 1970, essas práticas encontraram muitas barreiras na Universidade. Havia uma visão dentro dos departamentos de curso de que os professores que se envolviam em iniciativas empreendedoras estariam explorando a Universidade, ou seja, fazendo uso de sua infraestrutura e recursos humanos para benefício próprio e da empresa. É interessante observar que, ainda no início deste século, críticas dessa natureza eram bem comuns no meio acadêmico. Dessa forma, algumas iniciativas isoladas de ensino e apoio ao empreendedorismo foram descontinuadas, conforme relatado por um pesquisador na área de empreendedorismo.

Entre 2000 e 2001, foi criada na UFMG uma incubadora por iniciativa de um professor do Departamento na Física com ajuda de um aluno da Escola de Engenharia. Esta incubadora foi descontinuada, pois gerou muito ciúmes e uma confusão muito grande no departamento. O pessoal da Física dizia: aqui não é lugar pra criar incubadora, aqui é lugar para criar teoria. Então, a Universidade, em um primeiro momento, foi muito hostil à idéia de ensino e apoio ao empreendedorismo. Eu me lembro que nesta época um professor da Engenharia me falou: nós não estamos aqui pra ensinar aluno a ganhar dinheiro. (Pesquisador na área de empreendedorismo e inovação tecnológica)

A percepção de grande parte dos entrevistados, porém, é de que essa resistência ao empreendedorismo acadêmico e outras práticas de capitalização do conhecimento na Universidade veio diminuindo nos últimos anos. Alguns pesquisadores/inventores acreditam que a forma de pensar sobre essas práticas teve uma evolução considerável na comunidade acadêmica, em parte por consequência de maior difusão do conhecimento sobre essas atividades por meio de notícias no Boletim da Universidade, bem como ações de divulgação e conscientização promovidas pelos agentes de apoio à inovação presentes na UFMG. Outro fator que tem impactado essa mudança de mentalidade seria a entrada de novos dirigentes, professores e alunos com uma visão mais aberta à incorporação da missão de apoio ao desenvolvimento econômico e social pela universidade. Vale ressaltar que essa mudança de gerações é um processo lento, de forma que a consolidação de uma

expectativa positiva com relação a estas transformações a nível cultural, conforme relatado por um pesquisador/inventor e ex-dirigente de incubadora.

A formação dessa cultura vai acontecendo de maneira gradual, e a incubadora teve um papel importante nisso. Saímos dando seminários em todos os departamentos, falando da transformação do conhecimento em riqueza e da importância do conhecimento ser usado pra que impacte na sociedade. Mostramos que num país como o Brasil isto não pode ficar parado e virar artigo e falamos da importância de se proteger o conhecimento. Então eu acho que a mensagem foi sendo passada aos pouquinhos. E os pesquisadores estão mudando, a gente acha que tem uma geração nova de pesquisadores, aí talvez nestes últimos 10 anos, que entrou com um perfil mais aberto, a UFMG trocou muito seu quadro de professores nos últimos 10 anos e esta nova geração chegou com mais abertura. (Pesquisador/inventor e ex-dirigente de estrutura de apoio à inovação)

Além dos fatores mencionados, a incorporação de lideranças e gestões sucessivas na Universidade com um posicionamento favorável às práticas de capitalização do conhecimento, tem contribuído para a construção gradual de uma cultura mais aberta à inovação e ao empreendedorismo acadêmico na UFMG. Entretanto, a atuação desses dirigentes tem sido mais reativa, no sentido de apoiar iniciativas que partem de alguns pesquisadores com uma visão mais aberta a esta cultura empreendedora.

Apesar dessa evolução, observou-se, com base nos relatos de pesquisadores e dirigentes entrevistados, que ainda se encontram pessoas resistentes na Universidade com relação ao processo de capitalização do conhecimento, principalmente no que tange ao empreendedorismo acadêmico. Alguns pesquisadores/inventores destacaram que há muito preconceito do próprio corpo docente com relação àqueles que se envolvem em iniciativas empreendedoras, ainda que estejam atuando de acordo com a Lei de Inovação. Os principais argumentos daqueles que se opõem a essas atividades permanecem em torno do fato de se estar degenerando o papel da universidade e usando recursos da universidade para benefício da empresa. Eles alegam ainda que grande parte da pesquisa na universidade é desenvolvida com recursos do governo, e, portanto, o conhecimento gerado deveria ser de domínio público e, não, objeto de uma patente que pode ser licenciada a uma empresa, o que corresponderia a privatização de um bem público, privilegiando algumas empresas em detrimento de outras (GUARANYS, 2006). Na percepção de alguns pesquisadores/inventores, essa

empreendedoras e suas contribuições em termos de desenvolvimento econômico e social, bem como por um perfil mais conservador de alguns professores da Universidade, conforme mencionado no relato a seguir.

Com relação à criação de empresa pelos pesquisadores há mais preconceito do que apoio. Quem apoia não entende direito, mas dá apoio porque é amigo, não comprou a causa ainda e não entendeu porque isso é importante. Quem é contra alega que: você vai degenerar o papel da Universidade, você ganha dinheiro público para fazer pesquisa, então, todos os seus resultados têm que ser de domínio público. Então, eles acham que uma empresa não pode ganhar dinheiro com conhecimento gerado com dinheiro público. Porém, eles não enxergam que, quando uma empresa introduz uma inovação no mercado, todo mundo ganha. Claro que ela ganha, mas ela vai gerar mais empregos, vai aumentar a arrecadação, vai reposicionar aos poucos o Brasil no cenário de tecnologia. Mas também é um pessoal mais antigo, que vem de uma esquerda muito radical, que foi para a Universidade durante a ditadura militar. Então, eu acho que isto são resquícios desta esquerda muito dura. Eles realmente são conservadores e acham que a gente tem que publicar tudo. (Pesquisador/Inventor)

Por outro lado, os pesquisadores/inventores que se posicionam a favor do empreendedorismo acadêmico de base tecnológica argumentam que aquele conhecimento que geram em seus laboratórios e transferem ao mercado continua pertencendo à Universidade conforme os direitos de propriedade intelectual, de forma que parte dos royalties gerados da exploração da tecnologia retorna à UFMG. Assim, observa-se novamente a figura de um ciclo virtuoso, apesar de ele não ser compreendido de forma ampla na Universidade.

Além disso, conforme visto anteriormente, o apoio ao desenvolvimento econômico e social da região, por meio das práticas de capitalização do conhecimento, ainda não é reconhecida como missão da Universidade pela comunidade acadêmica. Assim, ainda que haja normas e legislações que se proponham a legitimar tais práticas, este conhecimento não fora difundido na Universidade a ponto de despertar uma mudança de mentalidade nos docentes mais conservadores. Dessa forma, pesquisadores/inventores que desempenham atividades empreendedoras, muitas vezes, são vistos em seus departamentos como se estivessem se desviando das funções de ensino e pesquisa.

Com base no exposto, concluí-se que a construção de uma cultura favorável à incorporação da missão de apoio ao desenvolvimento econômico e social pela universidade é um processo lento que se está iniciando na UFMG. Nesse sentido, foram mencionadas pelos atores entrevistados algumas possíveis formas de

seria a realização de ações de divulgação e conscientização, em todos os níveis, sobre a importância das práticas de capitalização do conhecimento para o desenvolvimento econômico e social do país, bem como a sinergia dessas com a missão de ensino e pesquisa. Vale ressaltar que a CT&IT e a INOVA apresentaram algumas iniciativas isoladas nesse sentido, porém, é sugerido que haja uma política institucional mais formalizada no sentido promover a difusão da cultura empreendedora na Universidade por meio de ações contínuas. Uma segunda forma de superação seria a contratação de docentes com vivência de mercado que pudessem desenvolver disciplinas na área de empreendedorismo em diferentes unidades acadêmicas, despertando nos alunos um espírito empreendedor. Nessa mesma linha, outra forma de superação bastante mencionada nas entrevistas seria a divulgação de casos de sucesso, demonstrando os resultados de experiências bem-sucedidas na área de empreendedorismo tecnológico, transferência de tecnologia e projetos em parceria com empresas. Por fim, há necessidade ainda de haver maior apoio institucional e recursos destinados à realização de programas e projetos relacionados à difusão de uma cultura empreendedora na Universidade. As ações sugeridas pelos entrevistados poderiam atuar como catalisadores na assimilação de uma cultura acadêmica favorável às práticas de capitalização do conhecimento. Entretanto, essa transformação cultural depende também de um processo natural que envolve uma mudança de gerações, incorporando docentes e discentes com uma mentalidade mais aberta a essas práticas, conforme afirmado anteriormente.

Finalmente, os fatores culturais que limitam e aqueles que impulsionam o processo de capitalização do conhecimento na UFMG são apresentados no quadro 11.

Quadro 11– Fatores que impactam no processo de capitalização do conhecimento na UFMG – Aspectos Culturais

Aspectos Culturais

Fatores que impulsionam Fatores que restringem Mudança da mentalidade da comunidade

acadêmica no sentido de maior aceitação às práticas de capitalização do conhecimento – mudança de gerações

Não reconhecimento do apoio ao

desenvolvimento econômico e social como missão da universidade pela comunidade acadêmica

Abertura progressiva da UFMG às práticas de capitalização do conhecimento com a entrada de líderes com postura favorável a estas práticas

Falta de compreensão da sinergia entre as práticas de capitalização do conhecimento e as missões de ensino e pesquisa – práticas vistas como um desvio das missões da universidade Difusão da cultura empreendedora por meio de

notícias no Boletim da UFMG e ações de divulgação e conscientização por parte dos agentes de inovação – INOVA e CT&IT

Pouco conhecimento de como as práticas de capitalização do conhecimento podem contribuir com a universidade – comunidade acadêmica não enxerga o ciclo virtuoso

Conscientização gradual da importância da contribuição do conhecimento gerado na universidade para solução de problemas presentes na sociedade

Alta resistência e preconceito de grande parte do corpo docente da UFMG com relação ao

empreendedorismo acadêmico – docentes que se envolvem nestas práticas são mal vistos Fonte: elaborado pela autora da dissertação