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Aspectos da crítica do racionalismo: historicismo, irracionalismo,

CAPÍTULO 1 DE PASSAGEM PELA MODERNIDADE, O SUJEITO E A LINGUAGEM

2.1 Postulados da Filosofia e do Existencialismo: em Torno ao Ser

2.1.2 Tópicos sobre o Racionalismo: uma Construção de Identidade

2.1.2.1 Aspectos da crítica do racionalismo: historicismo, irracionalismo,

origem do existencialismo de Kierkgaard e do historicismo de Marx, respectivamente. Na linha de desenvolvimento do pensamento a partir de Hegel, Nietzsche e Bergson desenvolvem filosofias que partem da historicidade do ser sem valorizá-la como essencial, considerando que a razão é incapaz de apreendê-la, por isso se caracterizam pelo irracionalismo. Dilthey e Heidegger se difereciam na medida em que aquele concebe uma "razão histórica" capaz de compreender a temporalidade da história, não a do ser, e este cria uma ontologia do ser temporal da existência humana, desatendendo do seu vínculo histórico. O existencialismo de Sartre, mais eficaz segundo Julio Cortázar por postular uma atitude frente à História, apresenta um caráter racional enquanto se propõe como um mecanismo vigilante, dentro de uma ordem humana que inclui razão e irrazão como necessidades do pensamento sobre o ser (CORTÁZAR, 1949, p.259).

No mesmo número de Realidad em que Cortázar publicou seu artigo intitulado "Irracionalismo y eficacia", na seção "La caravana inmóvil" foi oferecido um "Tributo a Ortega y Gasset" citando palavras de María Zambrano sobre a filosofia do seu mestre, segundo as quais ela se caracteriza como a colocação do pensamento entre uma fé e uma crítica sobre seus objetos, a vida e a razão. Para Zambrano, toda verdadeira filosofia se concentra no movimento de busca por encontrar "vida na razão" e "razão na vida", e a problemática do pensamento contemporâneo é haver ignorado essa relação (ZAMBRANO, 1949, p.328). A premissa para a reflexão de Ortega, como já tivemos ocasião de mencionar, é o indivíduo da experiência, ponto de partida para a apreensão das idéias e da realidade. Do seu ponto de vista, o sujeito deve extrair as normas para a reflexão da saturação de sentido que oferece o universo, conforme tinham entendido os gregos, pois o pensamento deve adaptar-se às coisas. Podemos dizer que a hiper-saturação de sentido é o que provoca o caos, em que o instrumental de fixação da dinâmica histórica na busca de sentido já não serve para a reflexão. Essa perturbação torna-se evidente na seguinte passagem de "El mensaje", publicado primeiramente em Sur.

Caí en un preocupado silencio. A mi cabeza acudían multitud de ideas, todavía un tanto confusas y mezcladas, pero... ¡multitud! Eso sí, todavía en nebulosa. No era como al comienzo, que andaban solas, sin darme trabajo, y solas se colocaban en su orden. Ahora asomaban como por un agujerito, y se retiraban en seguida antes de que hubiera podido apresarlas. Sentía que asomaba una; iba a echarle mano, y ya se había sumido otra vez... Severiano respetaba mi silencio, me observaba (AYALA, 1948b, p.41).

Severiano, sujeito da moral provinciana severa, propõe um enigma para Roque, sujeito da experiência, homem viajado, que teria capacidade para resolver a questão, mas que não supera a confusão resultante de uma noite insone e da proporção histórica do mistério. Ao contrário, buscando um sentido encontra o nonsense, e o racionalismo trava sua capacidade de organização e de análise, produzindo um silêncio, ainda mais acentuado pela expectativa e confiança depositada pelo primo na potencialidade da razão. O que se apresenta é a loucura irracional do caos de idéias, que não vislumbra uma saída para o labirinto mental nem é capaz de deter o fluxo de idéias. Em um artigo publicado alguns meses antes, na mesma revista, Ayala parece elaborar em forma ensaística o argumento que representou ficcionalmente no trecho anterior: "pues, innegablemente, rebasando por todas partes la construcción

mental del esquema tendencioso que cada cual prefiera, el aspecto de la realidad cotidiana resulta caótico. Y la razón humana refractaria al desorden, sufre vértigo"

(AYALA, 1948a, p.29). O elemento irracional não parece configurado em atitudes apaixonadas negativas, como bem observa Jorge Luzuriaga ao criticar La cabeza del

cordero em Realidad, mas aparece subentendido, conforme observamos nesse exemplo.

Na visão de Cortázar, o irracionalismo foi a justificativa para muitas ações que tiveram sua origem em concepções racionais do pensamento postas em prática, que tanto resultaram em conquistas nas ciências e no conhecimento do ser humano, como levaram a dogmas e conseqüências negativas para o processo histórico da humanidade, sendo o nazismo o maior exemplo disso enquanto consciência que renuncia a uma escala de valores e sistematiza o "irracionalismo negativo". Para Cortázar, a negatividade não é exclusiva do irracionalismo que ocupava, naquela ocasião, amplo espaço na ciência, na literatura e na arte (conforme os movimentos

de vanguarda, como o surrealismo, visto anteriormente), o que produziu uma inquietude nos meios intelectuais quanto à sua influência. Frente a isso, ele questiona:

"el signo de la razón guiaba hasta ahora al Occidente; ¿pero adónde lo ha llevado? De pronto, bajo el signo irracional, nace una tentativa – acaso inútil, pero digna del hombre – para alterar el rumbo de esa marcha" (CORTÁZAR, 1949, p.257). Cortázar responde a um sentimento de limite compartilhado por seus contemporâneos, à beira da dissolução, mas que abria a possibilidade de surgimento de um mundo renovado, como ficou configurado no argumento de A montanha mágica, de Thomas Mann, "testamento de la desintegración de los valores que defiende el humanista italiano y de la fascinación que sobre los intelectuales de nuestro siglo han ejercido las teorías irracionalistas", em palavras de Mermall (1983, p.115). Uma instabilidade muito mais radical, sem dúvida, que a experimentada por aqueles pensadores que reagiram contra o racionalismo ilustrado, evidenciando que a Razão não podia ser erigida como princípio de construção do universo.

De outro ponto de vista, também Mannheim considera que não há nada mais afastado da realidade que esse sistema racional fechado, fazendo eco das palavras de Cortázar, cujo intelectualismo e auto-suficiência pode levar a impulsos irracionais negativos. Segundo o sociólogo,

a opinião de que toda a vida cultural é uma orientação para valores objetivos constitui mais uma ilustração da desconsideração racionalista, tipicamente moderna, pelos mecanismos básicos irracionais que governam as relações do homem com o seu mundo (MANNHEIM, 1952, p.76).

Esses impulsos irracionais, podemos dizer, depois do caminho percorrido, são os que respaldam o subjetivismo, o perspectivismo e o relativismo condenados por Eduardo Nicol em vista do conhecimento científico. A razão tornou-se uma obsessão enquanto único meio de relação com a verdade, fechando-se para outras possibilidades de apreensão do mundo.