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3 FUNDAMENTOS COGNITIVOS DO SOCIOCONSTRUTIVISMO E

3.1 ASPECTOS DO DESIGN COGNITIVO NA FENOMENOLOGIA DO

A maneira sistematizada de trabalho para o planejamento de operações militares é uma prática enraizada no Exército Brasileiro, ainda que não fosse conhecida com a denominação atual de fenomenologia (método) do trabalho de EM. Santos (1998) cita que em 1852 duas repartições constituíam o que é o EM de hoje: a do Ajudante-Geral e a do Quartel-Mestre-General. Estas repartições tinham funções que são peculiares às 1a, 3a e 4a Seções de um EM de hoje.

O método de trabalho de EM envolve indivíduos e trabalho em equipe e tem como resultado produção e difusão de conhecimento. Os indivíduos que compõem a equipe de EM, que são biologicamente diferentes, também o são em relação ao arcabouço de conhecimento, que é construído através das suas experiências vivenciadas. O processo de construção do arcabouço de conhecimento interno através das experiências vivenciadas acontece, segundo Vygotsky (2007), pela

internalização das funções psicológicas superiores15. As atividades psicológicas mais complexas acontecem nas relações sociais do ser humano com o ambiente externo. Segundo o autor, à medida que o indivíduo se torna mais experiente, adquire um número cada vez maior de modelos que ele compreende. "Esses

modelos representam um esquema cumulativo refinado de todas as ações similares, ao mesmo tempo em que constituem um plano preliminar para vários tipos possíveis de ações a se realizarem no futuro." (VYGOTSKY, 2007 p. 8). Afirma ainda que a

fase mais importante no percurso do desenvolvimento intelectual, que dá origem às formas puramente humanas de inteligência prática e abstrata, ocorre quando a fala e a atividade prática, duas formas completamente independentes de desenvolvimento, convergem.

Para Frawley (2000) o pensamento superior ou metaconsiência se desenvolve. O indivíduo deve ter o controle sobre o ato de pensar, sua racionalidade consiste na organização da sua significação pessoal que está associada ao controle voluntário do pensamento e do comportamento. Baseado em estudos de Galperim (1979) apud Frawley (2000) descreve que a metaconsciência engloba três características: a) é aprendida, então depende do ambiente e do desempenho pessoal; b) sendo aprendida, está relacionada ao ambiente cultural, histórico e social externo ao aprendiz; e, c) é específica de uma área, ou seja, o pensamento superior não é um processo genérico que permeia a cognição, mas sim, como é aprendido, está ligado as circunstâncias de sua aquisição e preserva os aspectos das tarefas na quais se desenvolve. A metaconsciência do indivíduo está associada à prática social, o que nos remete à fenomenologia do trabalho de EM no CAO, que aglutina individualidades na equipe sob a influência de uma práxis comum que tem como objetivo principal o aprimoramento da capacidade de tomada de decisão dos capitães alunos.

O indivíduo sofre influência do meio externo para consolidar a sua metaconsciência quando então passa a influenciar o meio externo. Este cenário nos permite classificar a relação como sendo recíproca entre o indivíduo e o grupo. A sociedade antecede o indivíduo, o que proporciona condições para o surgimento do

15

- Rego (2014, p.39) descreve as funções psicológicas superiores "como sendo um traço tipicamente humano, como por exemplo a capacidade de planejamento, a memória voluntária, a imaginação, entre outros. Esses processos mentais são considerados sofisticados e superiores, pois relacionam-se a mecanismos intencionais, ações conscientemente controladas, processos voluntários que dão aos ser humano a possibilidade de independência em relação às características do momento e espaço presente."

pensamento individual. A metaconsciência é um domínio do grupo social que é assimilado pelo indivíduo que pode, a partir de então, reposicioná-la para o grupo, a depender da tarefa em questão. Deduzimos que o pensamento superior é bidirecional, pois é transmitido do grupo para o indivíduo e novamente para o grupo. Indivíduos são únicos, quer em termos biológico ou psicológicos, e mesmo em um indivíduo o desenvolvimento das funções psicológicas superiores não acontece de maneira homogênea. No estudo da teoria vygotskyana, Frawley (2000) cita duas características para as desigualdades no desenvolvimento: a recuperação e a convergência. O metapensamento, que é o momento presente, pode sempre ter outros acessos a uma prática passada, pois o desenvolvimento acontece em tempo real, onde o passado e o futuro são, ao mesmo tempo, determinados e incutidos em qualquer momento presente. O passado fica oculto para ser reacessado, ou seja, o domínio externo é internalizado no pensamento superior individualizado para ser recuperado quando o sujeito se depara com um impasse. A convergência acontece quando a fala e o pensamento, que são paralelos, se encontram, momento em que o pensamento torna-se verbal e a fala racional, assim ocorrem a metaconsciência e o controle voluntário do pensamento e da linguagem. A recuperação e a convergência acontecem de modo diferente para cada indivíduo e também podem ocorrer de diferentes formas no indivíduo. Diante a tamanha complexidade Werstch apud Frawley (2000) afirma que a observação e a experimentação devem representar o microcosmos do desenvolvimento para que se abra a possibilidade da análise do pensamento superior através das relações entre indivíduo e grupo. Este processo foi denominado "motivo" pelo autor, que ainda acrescenta: "[...] o objetivo da experimentação, em si, é promover o desenvolvimento

- não apenas registrá-lo - fazendo com que o pensamento superior surja para o exame controlado. O método de experimentação é a microgênese, ou seja, crescimento e mudança on-line a curto prazo." (FRAWLEY, 2000 p.94).

A fenomenologia do trabalho de EM está plenamente consolidada na Força Terrestre. É o procedimento adotado para produção de conhecimento, planejamento, coordenação, controle e difusão de conhecimento em operações militares no EB. Por apresentar excelentes resultados antes, durante e após as manobras, passou a ser uma práxis comum para todas as atividades na Força. Para cada evento é criada uma equipe que desenvolve os trabalhos de modo colaborativo, produzindo conhecimento e planejando, sob a mediação e

coordenação de um dos integrantes. Finalizada esta fase, todo material que foi elaborado é colocado em discussão para a tomada de decisão do Cmt. Após a decisão o conhecimento produzido é difundido. Este método adotado como práxis pelo EB é o objeto de estudo principal na CAO, onde o capitão aluno desenvolve a sua metaconsciênca através de uma microgênese especificamente elaborada para esta finalidade e que está em constante aperfeiçoamento. A nossa pesquisa, sempre interagindo com a comunidade e com o foco em atender as suas demandas, seguindo as etapas da metodologia DBR, com a criação do OT-RPG, é uma proposta para otimizar a microgênese da fenomenologia do trabalho de EM do CAO.

Vygotsky (2007) relata que para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, a metaconsciência, o ser humano faz uso de duas ferramentas: os instrumentos e os signos. Os instrumentos têm a função de regular as ações sobre os objetos como, por exemplo, no caso do trabalho de EM no CAO, as cartas, os calcos, os normógrafos de símbolos militares, entre outros. Os signos, como a linguagem, a escrita e o sistema numérico, regulam as ações sobre o psiquismo do ser humano. Os sistemas de signos e os instrumentos foram criados pelas sociedades ao longo da história e vêm mudando a forma social e o nível de desenvolvimento cultural. Com a ajuda dos signos o indivíduo pode controlar voluntariamente sua atividade psicológica e ampliar sua capacidade de atenção, memória e acúmulo de informações, como, por exemplo, na fenomenologia do trabalho de EM no CAO, o aperfeiçoamento da capacidade de tomada de decisão pelos capitães alunos. Estes são mecanismos que demonstram que o ser humano não é somente um produto do seu contexto social, mas também um autor na criação deste contexto.

Os instrumentos e signos, que atuam no desenvolvimento das funções psicológicas superiores, também estão relacionados ao processo de internalização, assim definido por Vygotsky (2007 p. 56): "Chamamos de internalizaçao a

reconstrução interna de uma operação externa." Tal operação primeiramente

representa que uma atividade externa é reorganizada e começa a acontecer internamente, ou seja, é um processo interpessoal ou uma influência do meio sendo transformado em um processo intrapessoal. Esta transformação é o resultado de uma profunda cadeia de eventos que acontecem ao longo do desenvolvimento. Todo este processo pode ser assim explicado:

O processo, sendo transformado, continua a existir e a mudar como uma forma externa de atividade por um longo período de tempo, antes de internalizar-se definitivamente. Para muitas funções, o estágio de signos externos dura para sempre, ou seja, é o estágio final do desenvolvimento. Outras funções vão além no seu desenvolvimento, tornando-se gradualmente funções interiores. Entretanto, elas somente adquirem caráter de processos internos como resultado de um desenvolvimento prolongado. Sua transferência para dentro está ligada a mudanças nas leis que governam sua atividade; elas são incorporadas em um novo sistema com suas próprias leis. (VYGOSTKY, 2007 p. 58).

No processo de internalização, primordial para o desenvolvimento, a mediação exerce função crucial. Ao estudar os autores Bolzan (2003), Matta (2006), Cabalero (2007) e Rego (2014), definimos dois tipos de mediação: a intrapessoal e a interpessoal. A mediação intrapessoal se dá na relação do indivíduo com ele mesmo. É uma conversa interna que faz a mediação com o meio externo que age sobre suas funções psicológicas superiores. Um exemplo de mediação intrapessoal acontece quando a ação de um instrumento ou de um signo faz com que o indivíduo reavalie algum significado consolidado já internalizado. A mediação interpessoal acontece nas relações sociais fazendo uso dos instrumentos e dos signos. Podem ser citados como exemplos de mediação interpessoal: um docente em relação aos discentes; no RPG, o mestre em relação aos personagens jogadores, que para este trabalho equivale ao instrutor em relação às equipes de EM; e o capitão aluno que exerce a função de Scmt em relação a equipe de EM. Para Rego (2014) o desenvolvimento absoluto do ser humano depende do aprendizado que constrói em determinado grupo social, a partir da interação com outros indivíduos da sua espécie.

A relação quanto à forma como o indivíduo utiliza o ambiente e as condições sob as quais o pensamento do indivíduo muda levou Leontiev (1978) apud Frawley (2000) a criar o que chamou de teoria da atividade. A teoria da atividade procura explicar as relações práticas do indivíduo com o ambiente e com o grupo e a sua influência no surgimento e no controle do pensamento superior. É a forma como os indivíduos utilizam as circunstâncias de interações com objetos, com outros e consigo como atividade orientadora para estruturar a solução de problemas. Por exemplo: em uma aula dois integrantes de duas equipes distintas de EM, produzindo conhecimento no campo da logística sobre um tema que leva em consideração a região amazônica possuem questionamentos sobre o tema em debate. Apesar desses pontos em comum - os dois solicitando ajuda - eles podem

divergir quanto ao motivo: um pode, verdadeiramente, pedir auxílio perguntando a outro capitão aluno que tem mais conhecimento, ao passo que o outro aluno pode pedir auxílio ao instrutor apenas para demonstrar publicamente frente à turma exemplos por ele vivenciados em casos similares.

A mediação se dá no momento em que um agente passa a ser intermediário na relação, fazendo com que a relação deixe de ser direta e passe a ser mediada. Alguns tipos de conhecimento podem ser desenvolvidos de maneira individualizada, são aqueles que dependem de aptidão própria. Outros deles necessitam da presença de alguém ou de um grupo que, de alguma forma, facilite a assimilação do novo. Vygotsky (2007) chama de nível de desenvolvimento real o nível de desenvolvimento das funções mentais do indivíduo que se constituíram como resultado de ciclos de desenvolvimento já completados. São as conquistas já consolidadas, funções ou capacidades que o indivíduo domina, que consegue realizar de forma independente. Quando é necessária a interação com outro, com o grupo ou com a comunidade para a realização de uma tarefa ou atividade, o autor estabelece que o indivíduo encontra-se na zona de desenvolvimento proximal, que representa os conhecimentos que são possíveis de se assimilar mas que, para isto, necessitam de mediação. É possível que determinado tipo de conhecimento não possa ser desenvolvido em determinado momento, porém, com o tempo, sejam criadas condições de assimilar tais conhecimentos, o que levou Vygotsky (2007) a concluir que a zona de desenvolvimento proximal se movimenta em função do arcabouço de conhecimento e das experiências vivenciadas pelo indivíduo. Na fenomenologia do trabalho de EM no CAO estes fundamentos cognitivos são aplicados. A equipe de EM é integrada por capitães alunos que recebem o mesmo conhecimento na graduação, entretanto cada um deles vivenciou diferentes situações em Organizações Militares distribuídas por diferentes regiões brasileiras com características muito próprias. O temas que são criados pelos instrutores dos cursos são baseados nestas regiões brasileiras, desconhecidas para alguns deles. É assim que acontece a mediação, interações daqueles que possuem o conhecimento auxiliando aos demais. Rego (2014 p.61) assim complementa estes conceitos: "Desse modo, a atividade que antes precisou ser mediada (regulação

interpsicológia ou atividade interpessoal) passa a constituir-se um processo voluntário e independente (regulação intrapsicológica ou atividade intrapessoal)". Ao

são os objetivos do pensamento superior, e para isto contou com os processos de mediação e de internalização.

A fenomenologia do trabalho de EM encontra respaldo na teoria vygotskiana e ambos convergem no sentido de que o fazer em colaboração motiva a participação criativa dos indivíduos além de permitir verificar o seu desenvolvimento cognitivo e aperfeiçoar a sua capacidade de tomada de decisão. Torna perceptível o aprimoramento do desempenho imediato frente a novos estímulos cognitivos e a novas habilidades adquiridas no processo educacional, revela que hoje é possível fazer aquilo que não era possível fazer ontem.

O debate exposto nesta seção permite que sistematizemos os fundamentos socioconstrutivistas da teoria vygotskyana que utilizamos na solução pedagógica OT-RPG / SAD-EsAO desenvolvido para ampliar a eficácia da fenomenologia do trabalho de EM. Focamos em apontar alguns elementos biológicos e sociais em razão da interdependência entre ambos. A Figura 11 mostra o mapa conceitual dos aspectos cognitivos do socioconstrutivismo da teoria vygotskyana no estudo da fenomenologia do trabalho de EM e o Quadro 07 apresenta o resumo deste mapa.

Figura 11 - Mapa conceitual dos aspectos cognitivos do socioconstrutivismo no estudo da fenomenologia do trabalho de EM.

Quadro 07 - Aspectos cognitivos do socioconstrutivismo no estudo da fenomenologia do trabalho de EM.

IDEIAS ASPECTOS DOMÍNIO COGNITIVO

TEO ORIA V Y GO TS K Y A NA Dese n vo lvi m e n to Pensamento Superior

Atividades do indivíduo orientadas a objetivos e mediadas através da fala por ferramentas socioculturiais, internalizadas e simbólicas no ambiente do indivíduo. Também denominada metaconsciência.

Indivíduo e Grupo

A metaconsciência é uma propriedade do grupo que é apropriada pelo indivíduo que pode reposicioná-la no grupo. O pensamento superior e ao mesmo tempo duplo e fluído, sendo transmitido do grupo para o indivíduo e novamente para o grupo.

Desigualdade

O progresso metaconsciente não é homogêneo, é desigual, ocorre com mudanças substanciais, instantâneas e qualitativas.

Método

O desenvolvimento pode ocorrer com práticas de observação, experimentação e análise. A

observação e a experimentação devem

representar um microcosmo do desenvolvimento.

A análise deve se concentrar no desenvolvimento do pensamento superior através das relações entre o indivíduo e o grupo.

P roce sso s de Dese n vo lvi m e n to Internalização

Recodificação de estruturas essenciais de significado da atividade social para uma forma sincrética selecionada através da atividade semiótica, em particular da fala. Ocorre quando a atividade interpsicológica transforma-se em atividade intrapsicológica. É a reconstrução interna de uma operação externa.

Mediação Caracteriza a relação do indivíduo com ele mesmo, com o mundo e com outros indivíduos. Controle

O objetivo do pensamento superior é o controle do pensamento e da ação. A internalização e a mediação são os meios para atingir este objetivo.

Con te xt o do Dese n vo lvi m e n to Teoria da Atividade

A teoria da atividade procura explicar as relações práticas do indivíduo com o ambiente e com o grupo e a sua influência no surgimento e no controle do pensamento superior.

Zona de

Desenvolvimento Proximal

São os conhecimentos possíveis de assimilar com a interação com alguém, com um grupo ou com uma comunidade.

A solução pedagógica deve considerar os estudos sobre cognição realizados, pois se propõe a ampliar e otimizar o desenvolvimento subjetivo dos capitães

alunos. A fenomenologia do trabalho de EM realizado no ambiente virtual refletirá o

design cognitivo construído no contexto da sala de aula presencial.

Os aspectos cognitivos do socioconstrutivismo pesquisados e associados à fenomenologia do trabalho de EM nos permite inferir que a construção do conhecimento advém da teoria aliada à prática. A aprendizagem se desenvolve quando se pensa, pensamento imerso em um contexto elaborado para um tema específico. A aprendizagem também se desenvolve quando a produção teórica é aplicada a uma atividade prática onde o resultado leva a reflexão que poderá conduzir o sujeito a reavaliar conceitos já internalizados. Jonassen, Peck e Wilson (1999) apud Matta (2006) corroboram nossas conclusões:

Aprende-se quando se pensa. Pensamento sobre o que se fez, sobre o que se acredita, sobre o que os outros fazem ou acreditam ou sobre o próprio pensamento. Pensamento colaborativo, ativo e engajado sócio- historicamente. O pensamento sempre está engajado em alguma atividade e/ou reflexão e, neste papel, serve como elemento mediador da aprendizagem e construção do conhecimento. Como analisam Jonassen, Peck e Wilson, quando se pensa, constroem-se modelos ou representações das experiências vivenciadas.

O conhecimento, portanto, não é composto somente por ideias, pelo simbólico, mas pela aplicação destas ideias aos problemas vivenciados pelo sujeito em seu ambiente. Apenas a convivência do sujeito em seu ambiente específico pode construir o significado daquilo que experimentou concretamente. Estes são os elementos básicos da relação de ensino e aprendizagem considerados por este estudo: construção e experimentação. (MATTA, 2006 p. 64).

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