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Aspectos e conceitos para produção de energia elétrica

2. ASPECTOS TÉCNICOS, JURÍDICOS E AMBIENTAIS PARA A GERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA NO BRASIL

2.2. Aspectos e conceitos para produção de energia elétrica

Para entender os estudos técnicos que são efetivados, torna-se primordial conhecer os conceitos envolvidos para validar a base da opção técnica (operacional) escolhida para a geração hidroelétrica. Conforme explicado no Capítulo 1, tanto o gestor de recursos hídricos, quanto o gestor ambiental tem a missão legal em considerar a Bacia Hidrográfica como unidade de administração. O Professor Lineu ensina que, em visão mais simples, a bacia hidrográfica de um rio é formada por toda área de terra que conduz precipitações para qualquer rio, sendo a mesma tanto menor quanto menos água e afluentes tiver o rio considerado. (REIS, 2000, p. 64).

A Resolução ANA n 399, de 22 de julho de 2004, determina critérios técnicos para determinar a classificação dos cursos de água brasileiros quanto ao domínio e determinação da área de drenagem da bacia hidrográfica:

5.1. Cada curso d’água, desde a sua foz até a sua nascente, será considerado como unidade indivisível, para fins de classificação quanto ao domínio.

5.2. Os sistemas hidrográficos serão estudados, examinando-se as suas correntes de água sempre de jusante para montante e iniciando-se pela identificação do seu curso principal.

5.3. Em cada confluência será considerado curso d’água principal aquele cuja bacia hidrográfica tiver a maior área de drenagem.

5.4. A determinação das áreas de drenagem será feita com base na Cartografia Sistemática Terrestre Básica.

5.5. Os braços de rios, paranás, igarapés e alagados não serão classificados em separado, uma vez que são considerados parte integrante do curso d’água principal. (BRASIL. AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS, 2004, p. 64).

O ciclo hidrológico32 propicia a elevação da água das cotas mais baixas para as maiores atitudes e, em sua descida, ela apresenta potencial energético. Como

32 Sucessão de fases pelas quais a água passa da superfície terrestre para a atmosfera: a

evaporação, a partir do solo, mar e águas interiores; condensação nas nuvens; precipitação e acumulação no solo e nos corpos de água. Disponível em: < www.cig.ensmp.fr >. Acesso: 15 jan. 2007.

se trata de um ciclo, este adquire caráter renovável. (ANEEL, ANA, OMM..., 2001, p. 57).

O exemplo abaixo explica o ciclo hidrológico amazônico:

A máquina de chuva da Amazônia: O ciclo hidrológico garante uma parcela significativa da chuva que cai ao sul da Amazônia, em Mato Grosso, em São Paulo e até mesmo no norte da Argentina. (LOVEJOY; RODRIGUES, 2007).

O Professor Wilson Cabral (SOUZA JÚNIOR, 2004) mostra três abordagens da influência antrópica no ciclo hidrológico: a natureza e magnitude das alterações diretas das obras de engenharia hidráulica; o impacto dessas alterações e o cenário de incerteza, dado o atual conhecimento do setor. Explica que as alterações antrópicas se dão em dois sentidos, do ponto de vista do ciclo hidrológico (parte terrestre: ações que aumentam a capacidade de tensão de água no continente - por exemplo, reservatórios) e ações que contribuem para aumentar o “runoff” continental para os oceanos (por exemplo, abstração de aqüíferos subterrâneos). Ainda que a modelagem dessas alterações seja um objetivo complexo, a assunção de que as ações do primeiro tipo tenderiam a diminuir no tempo e as do segundo tipo a aumentar, aponta um cenário de elevação do nível do mar e redução do estoque disponível de água nos continentes.

A hidrologia tem como função o estudo da velocidade com que a água passa pelas diversas fases do ciclo e as variações dessa velocidade em função do tempo e do espaço, os quais propiciarão os dados que vão embasar o aproveitamento hidráulico. Neste aspecto, os especialistas irão formatar uma série de dados técnicos para embasar as decisões.

É o caso do estudo da vazão, onde será computado o volume de água que passa em uma seção transversal na unidade de tempo. Este estudo determinará o histórico do volume de água naquela seção durante determinado período de tempo, possibilitando uma projeção quantitativa do curso de água.

É certo que existe um grau de incerteza neste cômputo, como afirma Machado (2003 apud KELMAN, 1997):

(...) grande complicador no processo de emissão de outorgas tem origem no fato de que o conceito de ‘disponibilidade hídrica’ admite diferentes formulações, porque a vazão fluvial é uma variável aleatória e não uma constante.

O estudo da quantidade de água determinará a energia firme que poderá ser garantida o tempo todo na operação do reservatório, a evaporação bruta por perda de água para atmosfera, a cota máxima até a qual as águas se elevarão e a conta mínima até a qual as águas baixam nas condições normais de operação.

Para concluir sobre a energia que será produzida (potencia produzida), além dos índices da vazão do corpo de água passando pelas turbinas, deve-se verificar também a altura da queda d’água. Quanto mais precisos os dados sobre estes parâmetros (altura da queda e a vazão), mais eficaz se tornará o estudo do aproveitamento hidráulico.

A produção de energia elétrica da central hidrelétrica depende, entre outros fatores, da vazão de água efetivamente usada para produzir energia mecânica que acionará o gerador elétrico. A vazão turbinável está relacionada com o regime fluvial do curso de água, com o tipo de aproveitamento a fio d´água ou com reservatório de acumulação, com a regularização da vazão e com um cenário de usos múltiplos da água em determinada bacia onde se encontra a usina, ou mesmo, em relação ao lago do reservatório.

Os aproveitamentos a fio d´água dispõem praticamente da vazão natural do rio com capacidade de armazenamento pequena. É o caso dos AHE’s do rio Madeira (Jirau e Santo Antônio); já os aproveitamentos com reservatórios (centrais de acumulação) acumulam água na época de cheias para uso na época de estiagem. Dispõe de vazão firme maior do que a vazão mínima natural. É o caso do AHE de Serra da Mesa.

O regime fluvial está ligado, principalmente, ao regime pluvial que abastece e viabiliza o empreendimento. Usinas a fio d´água, por exemplo, apresentam uma vazão bastante variável, pois não tem reservatório de acumulação ou este é insuficiente para que a vazão disponível para as turbinas seja diferente da vazão estabelecida pelo regime fluvial. Neste caso, será usada a vazão primária do rio (vazão disponível, sem regularização, entre 90% e 100% do tempo). A energia associada a essa vazão recebe o nome de energia primária. É o caso, por exemplo, dos AHE do rio Madeira: Santo Antônio e Jirau. Estas águas têm seu nascimento nas Cordilheiras dos Andes, perfilhando um longo caminho até o seu uso hidrelétrico no Brasil.

Uma alteração neste sistema, conforme anunciado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC)33, por exemplo,

certamente derreterá parte da Cordilheira dos Andes, tornando o rio mais caudaloso inicialmente, porém, não será para sempre. A tendência é a savanização da área.

Já os reservatórios de acumulação permitem o armazenamento da água e o controle da vazão. Trata-se de aproveitamento com regularização de vazão, nos quais se associa o nome de energia firme àquela energia que pode ser garantida durante todo o tempo.

O Professor Reis (2000, p. 50) alerta que: “Certas usinas hidrelétricas são muito importantes, pois servem de subsídio para o planejamento de expansão de geração para a operação adequada de sistemas de potência”. Explica que a produção de energia pode ser limitada por outros usos da água, como navegação, por exemplo. Assim, é essencial que o planejamento vislumbre os usos múltiplos da água.

As incertezas, no cômputo das vazões naturais do rio, conforme explicitados acima, devem ser estudadas com cuidado. Um estudo mais aperfeiçoado deve integrar todos os aspectos físicos, químicos, biológicos, culturais e sociais e suas interfaces no âmbito da Bacia Hidrográfica.

A vazão de um rio depende, igualmente, de suas condições geológicas, isto é, da largura, inclinação, obstáculos e quedas do rio. (ENERGIA..., 1993).

A Lei da Política de Recursos Hídricos brasileira tem, dentre suas diretrizes, a adequação da gestão de recursos hídricos às diversidades físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do país (art. 3 , II).

No caso de vários AHE’s na mesma bacia hidrográfica, o âmbito do estudo se alarga em horizontes que vislumbrem antecipadamente possíveis impactos ambientais e comprometimentos dos usos múltiplos da água.

Deve-se também avaliar a melhor divisão de quedas do aproveitamento e, no caso da operação, as vazões turbinadas para obter uma operação em cascata, levando em conta sua eficiência e o fato de que as centrais a montante

33 Foi estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) para fornecer informações

aumentam a energia firme das centrais à jusante, pois podem aumentar o nível mínimo de água dos seus reservatórios.

Três grupos de Usinas Hidrelétricas (UHE) determinam diferenciados problemas e questões. As grandes UHE’s, que dispõem de altos valores de energia firme, estão, em geral, associadas a maiores problemas ambientais e apresentam grandes reservas para situações de emergências. As pequenas centrais hidrelétricas (PCH), com pequena capacidade instalada (de 1 MW até 30 MW), pouco ou quase nenhum problema ambiental e pouca (ou nenhuma, dependendo da forma de operação) capacidade de reserva para situações emergenciais, apresentam alta flexibilidade para mudar rapidamente a quantidade e energia fornecida ao sistema devido às mudanças na demanda, são úteis para aumentar o rendimento global (atendendo a cargas locais, eliminam em porcentagem necessidade de mais transmissão e reduzem perdas) e apresentam características interessantes na seara do sistema interligado e do sistema isolado. As usinas médias são intermediárias entre as duas.

A inserção dos aspectos ambientais trouxe à tona a verificação mais acirrada da altura da barragem, os limites relacionados com a área inundada e o volume do reservatório, impulsionando projetos com regularização parcial e menores áreas inundadas e, conseqüentemente, menor volume de armazenamento.

Para atender os usos múltiplos da água devem se contabilizar ao projeto os limites de área inundada, volume e toda dinâmica ambiental envolvida. São ecossistemas representativos? A área é protegida por normas legais? Há estudo suficiente levantado e comprovado sobre o regime hidrológico da área que garanta a vazão esperada?

No que diz respeito às vazões regularizadas existe, de um lado, maior flexibilidade operativa para o sistema elétrico interligado, mas de outro a inundação de grandes áreas envolvendo aspectos ecológicos e sociais complexos e irreversíveis (vide o caso de Serra da Mesa).

Deve-se considerar ainda os vertedouros que servem para extravasar água acima de certo limite, as comportas que permitem o desvio da água para que não passem pelas turbinas; as eclusas, que facilitam a navegação fluvial e as escadas de peixe que permitem a piracema.

Assim, os estudos para determinar o melhor rendimento de um reservatório estão ligados a hidrologia, ao desempenho do sistema interligado, aos requisitos

ambientais, incluindo limites e orientações legais, aos usos múltiplos da água e à configuração da central elétrica.

Cumpre ainda, discorrer sobre os componentes da central hidráulica. Para produzir eletricidade, a água do rio deve ser levada até as turbinas. As turbinas34 são máquinas que ficam instaladas na parte inferior da barragem. A água do rio é levada até as turbinas através de tubos que atravessam a barragem. A água desce por estes tubos, do nível mais alto (denominado Nível de Montante e representado pelo nível da água no reservatório, quando existente) para o nível mais baixo (denominado Nível de Juzante, caracterizado pelo nível de água após a passagem pelas turbinas e devolução ao rio). Nessa passagem, a água faz girar um grande sistema de turbinas, transformando energia hidráulica em mecânica. Ao girar, as turbinas permitem o funcionamento de outra máquina chamada gerador. O gerador é que efetua a transformação de energia mecânica em energia elétrica. Esta eletricidade é então levada aos locais de consumo através de linhas de transmissão. (ENERGIA..., p. 18-19).

Das obras civis35 que serão efetivadas, devem-se computar as vias de acesso (por exemplo, verificar os danos quanto a áreas protegidas); canteiro de obras e acampamentos (avaliar o grau de alteração social local: segurança, saúde, emprego, etc.); ensecadeiras e desvio do rio; barragem e extravasores (vertedouros); tomada de água; sistema de baixa pressão composto de canal e câmara de carga ou dos suportes para conduto de baixa pressão e a chaminé de equilíbrio; suporte para o conduto forçado; casa de máquinas e canal de fuga e fundações para a subestação e linha de transmissão.

Os extravasores-vertedores são dispositivos que permitem a passagem direta de água para jusante e são necessários para descarregar as cheias e evitar que a barragem seja danificada, estando fortemente associados à segurança da barragem. A precisão da vazão utilizada para seu projeto é elemento fundamental. Com relação à sua possível danificação, logicamente há que se contar com um plano de emergência, notadamente na área da defesa civil.

34 As turbinas hidráulicas apresentam uma grande variedade de formas e tamanhos. O modelo mais

utilizado é o Francis, uma vez que se adapta tanto aos locais com baixa queda quanto aos locais de alta queda. Como trabalha totalmente submerso, seu eixo pode ser horizontal ou vertical. Entre outros modelos de turbinas hidráulicas, destacam-se o Kaplan, adequado aos locais de baixa queda (10 m a 70 m), e o Pelton, mais apropriado a locais de elevada queda (200 m a 1.500 m).

35 Cenários 2002 – Curso de Especialização sobre o Novo Ambiente regulatório, institucional e

organizacional dos setores elétrico e gás. Módulo IV: Produção de Energia Elétrica. UNICAMO; EFEI; USO, 2002; p. 19-20.

As Comportas são componentes que permitem isolar a água do sistema final de produção de energia elétrica, permitindo, por exemplo, trabalhos de manutenção.

A tomada de água tem como principal função permitir a retirada de água do reservatório e proteger a entrada do conduto de danos e obstruções.

Os condutos são de dois tipos: (1) condutos livres: canais a céu aberto ou aquedutos; e (2) condutos forçados: aqueles onde o escoamento se faz com a água à plena seção.

As chaminés de equilíbrio servem para aliviar excesso de pressões causadas pelo denominado golpe de aríete (ocorre, por exemplo, quando o escoamento de um líquido por uma tubulação é abruptamente interrompido pelo fechamento de uma válvula: a energia dinâmica converte-se em energia elástica e uma série de ondas de pressão positiva e negativa percorre a tubulação nos dois sentidos até serem amortecidas pelo atrito) e para proporcionar movimentação de água capaz de reduzir depressões se houver qualquer operação abrupta.

As casas de força são locais de instalação das turbinas hidráulicas, geradores elétricos, reguladores, painéis e outros equipamentos do sistema elétrico de geração. Um aspecto importante nos projetos das centrais hidrelétricos, que influencia o arranjo da casa de força, é a determinação da turbina mais apropriada a cada tipo de AHE.

Em relação aos equipamentos mecânicos, os principais são as grades e limpadores de grades, comportas permanentes e de manutenção stoplog, válvulas, condutos e juntas de dilatação, turbinas hidráulicas incluindo mancais e volantes, reguladores de velocidade e pórticos, talhas, pontes rolantes, bombas, ventiladores, exaustores e compressores.

Quanto aos equipamentos elétricos, anotamos os geradores, os sistemas de excitação e regulação de tensão, cubículos de disjuntores, cubículos dos transformadores de potência, cubículos dos serviços auxiliares, grupo motor- gerador de emergência, sistema auxiliar de corrente contínua (com retificador e bateria), os quadros de medição, comando e proteção, os sistemas de comunicação, a subestação e a linha de transmissão.