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CAPÍTULO 4 AHE TIJUCO ALTO E A SADIA QUALIDADE DE VIDA

4.6. OUTORGA DE USOS DE RECURSOS HÍDRICOS

O aproveitamento da energia hidráulica foi outorgado à Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), em 21 de setembro de 1988, por meio do Decreto n 96.746, de um trecho do rio Ribeira do Iguape, no local chamado Tijuco Alto, nos Municípios de Adrianópolis e Cerro Azul, Estado do Paraná e Ribeira, no Estado de São Paulo.

O art. 4 do documento de outorga determina que:

(...) o projeto (grifo nosso) relativo a esta concessão deverá ser

desenvolvido considerando o aproveitamento integrado e otimizado do potencial hidrelétrico do rio Ribeira do Iguape, tanto na definição das características permanentes da Usina quanto das suas futuras regras de operação. (BRASIL, 1988, art. 4 ).

O art. 5 diz que o projeto de que trata o artigo 4 deverá ser apresentado ao Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE), pela concessionária, até o dia 30 de junho de 1989, e deverá contemplar os usos múltiplos das águas, em especial o controle das cheias. O art. 8 ao final,

determina que a concessionária fica obrigada a cumprir o disposto no Código de Águas, leis subseqüentes e seus regulamentos.

Por meio do ofício o então Diretor de Licenciamento do IBAMA Luiz Felippe Kunz Júnior IBAMA69, solicitou informação a Agência Nacional de Águas (ANA) quanto à necessidade do empreendimento UHE Tijuco Alto seguir a Portaria n 125, de 1984, do antigo DNAEE, uma vez que o empreendimento possui a sua concessão para geração de energia elétrica de 1988, época que a Portaria estava vigente.

O Diretor explicou que a Portaria n 125, de 1984, foi absorvida pela atual Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, que em 1998, esta Portaria foi revogada pelo art. 4 da Resolução ANEEL n 394, de 1998, no entanto foi assegurado no art. 5 que se mantinham os direitos e obrigações aos concessionários que já haviam obtido concessão até aquela data, ou seja, a outorga de direito de uso de recursos hídricos não precisaria ser refeita.

Em 2003, esta Resolução foi simplesmente revogada pela Resolução ANEEL n 652, de 2003, não tratando sobre qualquer aspecto desta Portaria.

Ao final, mencionou que a solicitação para seguir a Portaria do DNAEE adveio das contribuições feitas pelos órgãos envolvidos no licenciamento ambiental, no caso o Comitê de Bacia Hidrográfica do rio Ribeira (estadual).70

Para o preparo da resposta o documento foi encaminhado a Superintendência de Outorga e Fiscalização da ANA. Esta Superintendência entendeu que, conforme o disposto na Resolução ANA n 131, de 2003, o empreendimento é dispensado de nova outorga de direito de uso de recursos hídricos, uma vez que a concessão para aproveitamento de energia foi outorgada pelo Decreto n 96.746, de 1988. A Nota ressalta que caso sejam alteradas as condições de enchimento e operação do reservatório ou as demais condicionantes da outorga, a nova concepção do empreendimento deverá ser submetida à ANA.

69 n 021/2007 datado de 9 de janeiro de 2007.

70 Inexiste Comitê de Bacia Federal. Do lado paulista está instalado o CBH Ribeira de Iguape (Sub 1

Litoral SP/PR) incluindo região costeira do Litoral Norte, das 18 bacias paranaense, 4 têm seus CBHs instalados, inclusive o Alto Ribeira. O pedido foi reiterado à ANA em abril de 2007.

Após esta consideração, o processo passou para a apreciação e análise jurídica da Procuradoria-Geral da entidade. O parecer foi subscrito pela Procuradora Federal Ariadne Mansú de Castro71. A Procuradora explica, em sua consideração, que o documento encaminhado a Procuradoria-Geral – PGE para análise trata dos termos da minuta de ofício proposta pela SOF, em resposta ao Ofício nº 021/2007 – DILIC/IBAMA.

Inicialmente a Procuradora concorda com a alegação da SOF, alegando que:

Efetivamente, o art. 7 da Resolução ANA n 131, de 2003, possui dispositivo no sentido de que os detentores de concessão e de autorização de uso de potencial de energia hidráulica, expedidas até a data daquela Resolução, ficam dispensados da solicitação de outorga de direito de uso dos recursos hídricos.

Por outro lado argumenta:

Não obstante, incube-nos salientar que, em atenção ao princípio da hierarquia das leis, tal dispositivo não pode ser isoladamente interpretado, sendo necessário, portanto, que sua análise seja realizada em conjunto com a legislação afeta ao tema, inclusive com as disposições constitucionais pertinentes.

Arrolamos a seguir alguns aspectos levantados e defendidos pela Procuradora da ANA:

1. Em 21 de setembro de 1988, ainda sob a égide da Constituição Federal de 1969, foi editado o Decreto n 96.746, que outorgou à Companhia Brasileira de Alumínio – CBA concessão para o aproveitamento da

energia hidráulica (grifo nosso) de um trecho do rio Ribeira do Iguape, no

local denominado Tijuco Alto, nos Municípios de Cerro Azul e Adrianópolis, Estado do Paraná, e Ribeira, Estado de São Paulo;

2. Que, já sob o escudo da Constituição Cidadã de 1988, a gestão dos recursos hídricos assumiu novos contornos, especialmente com a edição das Leis n 9.433, de 8 de janeiro de 1997, e n 9.984, de 17 de julho de 2000;

3. Neste novo regime, as águas são alçadas à categoria de bens de uso comum do povo, sujeitos ao domínio iminente do Poder Público. Sua gestão deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades, e deve sempre proporcionar os usos múltiplos (art. 1 da Lei n 9.433, de 1997);

4. Como objetivos maiores, destacam-se a missão de assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos, bem como a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, com vistas ao desenvolvimento sustentável, e, ainda, a prevenção e defesa contra eventos hidrológicos

críticos de origem natural ou decorrente do uso inadequado dos recursos naturais (art. 2 da Lei n 9.433, de 1997);

5. Também novos instrumentos foram trazidos pela Lei n 9.433, de 1997, para a gestão de recursos hídricos, dos quais destacamos os Planos de Recursos Hídricos, o enquadramento dos corpos d’água em classes, segundo os usos preponderantes da água, a outorga de direito de uso de recursos hídricos e a respectiva cobrança;

6. É cediço que a outorga de direito de uso de recursos hídricos representa não apenas um importante instrumento de regulação de uso outorgado, mas também é fundamental para todo o sistema de gestão da bacia hidrográfica, servindo ao propósito de garantia de padrões de qualidade e quantidade de água adequados aos respectivos usos;

8. A outorga de direito de uso de recursos hídricos, concedida de acordo com os ditames da Lei n 9.433, de 1997, é essencial para assegurar-se a efetividade de outros instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos;

9. Com efeito, é por intermédio da outorga que se garante a observância às prioridades de usos fixadas nos Planos de Recursos Hídricos, bem como a manutenção do enquadramento dos corpos d’água nas suas respectivas classes. A esse respeito, veja-se o art. 13 da Lei n 9.433, de 1997;

10. Com a Lei n 9.984, de 2000, atribuiu-se à ANA a responsabilidade pela emissão de outorgas de uso de recursos hídricos em corpos d’água de domínio da União;

11. Ainda a Lei n 9.984, de 2000, atribui à ANA a responsabilidade de fiscalizar os usos de recursos hídricos nos corpos de água de domínio da União, bem como de supervisionar, controlar e avaliar as ações e atividades decorrentes do cumprimento da legislação federal pertinente aos recursos hídricos;

12. Indubitavelmente, estamos diante de um novo paradigma, inexistente à época em que o Decreto n 96.746 (grifo nosso), de 1988,

outorgou à CBA concessão para o aproveitamento da energia hidráulica de um trecho do rio Ribeira do Iguape, no local denominado Tijuco Alto. O empreendimento em questão ficou alheio, portanto, a todos os requisitos impostos pela legislação superveniente;

13. Nestes termos, questiona-se como compatibilizar o ato de concessão para aproveitamento de energia hidráulica, emitido à margem dos paradigmas estabelecidos pela PNRH, com a responsabilidade legal e objetiva imposta à ANA pela Lei n 9.984, de 2000, e pelo art. 225 da Constituição Federal;

14. Para tanto, é imperioso esclarecer que a garantia de irretroatividade da lei prevista no art. 5 , XXXVI, da Constituição Federal, pode ser relativisada, em especial quando confrontada com outras normas constitucionais, a exemplo do art. 225 da Carta Magna, de tal forma que os postulados do direito adquirido e do ato jurídico perfeito podem sofrer restrições diante de relevantes motivos de ordem pública, tal como a proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado;

15. Ademais, não custa lembrar que não há que se falar em direito adquirido ou ato jurídico perfeito em face de uma nova ordem constitucional vigente, considerando-se o caráter soberano e ilimitado do poder constituinte originário, assim definido nas palavras do mestre constitucionalista Paulo Bonavides (2007, p. 127): “É o poder que tudo pode. Ao fazer a Constituição, ele não se autolimita, porque sendo a expressão mesma da vontade nacional, não pode ser acorrentado no exercício dessa vontade, por nenhuma prescrição constitucional, por nenhuma forma constituída”; 18. Trazemos tais considerações, pois, como já destacado linhas acima, a Constituição Federal de 1988 trouxe grandes inovações quanto à natureza e regime jurídico da água, com evidentes repercussões nos atos infraconstitucionais que com eles não se coadunem;

19. Não fosse bastante, é de ser salientado que a moderna doutrina constitucionalista já questiona a prevalência do direito adquirido em face de questões de ordem pública, uma vez que, em um Estado Democrático de Direito, os interesses individuais devem ceder espaço aos interesses da coletividade, cabendo ao Poder Público a defesa do bem comum;

20. Trazendo-se estas reflexões para o caso dos autos, temos que, a abstenção deste órgão gestor de recursos hídricos no processo de implantação da UHE Tijuco Alto, não atende ao princípio da harmonização. Ao revés, prioriza única e exclusivamente o postulado da irretroatividade da lei e põe em risco o cumprimento das diretrizes estabelecidas pela Lei n 9.433, de 1997, especialmente se for considerado que o ato de concessão data de 1988, significando que os estudos que subsidiaram a concessão possuem aproximadamente 20 anos;

21. Sobre este aspecto, trazemos à colação os seguintes trechos do Ofício n 1565/2003 – DILIQ/IBAMA, por intermédio do qual foram comunicados os motivos pelos qual o gestor ambiental decidiu-se pelo indeferimento da solicitação de licença prévia: “Ao me reportar ao processo de licenciamento ambiental do empreendimento denominado UHE Tijuco Alto, localizado no rio Ribeira do Iguape, informo que o Ibama procedeu análise técnica em toda a documentação encaminhada para subsidiar a avaliação da viabilidade ambiental do projeto, tendo considerado que: - à época da elaboração do estudo não retrata a situação atual dos recursos naturais, em função das modificações que as características ambientais e sociais vêm sofrendo na região; - a inexistência de diagnósticos fundamentais para avaliação dos impactos potenciais do empreendimento, como o levantamento da vegetação a ser suprimida, das macrófitas aquáticas, da ictiofauna, o grau de risco de contaminação de chumbo, entre outros; - os levantamentos e relatórios apresentados, posteriormente ao EIA/RIMA, constituem documentos independentes, não tendo sido realizada uma avaliação integrada dos impactos ambientais, o que impossibilita a análise da viabilidade do empreendimento. Desta forma, este Instituto concluiu pelo indeferimento da solicitação de Licença Prévia de que trata o processo n 02001.001.822/94-03.