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HISTÓRICO DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL DA AHE TIJUCO ALTO

CAPÍTULO 4 AHE TIJUCO ALTO E A SADIA QUALIDADE DE VIDA

4.4. HISTÓRICO DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL DA AHE TIJUCO ALTO

Os estudos ambientais apresentados pela Companhia Brasileira de Alumínio desde 1989, quando pela primeira vez a empresa iniciou o processo de licenciamento de Tijuco Alto, foram considerados incompletos e inconclusivos. Não conseguiu dimensionar adequadamente os impactos da obra sobre a qualidade da água, a mudança de seu regime hídrico, a influência sobre as centenas de cavernas existentes na região, a possibilidade de ocorrência de terremotos induzidos pelo enchimento do reservatório e, principalmente, qual seria seu reflexo sobre toda a organização socioeconômica regional.

O processo de licenciamento ambiental indeferido da UHE Tijuco Alto é repleto de peculiaridades, principalmente por ter sido endereçado junto a dois órgãos ambientais de São Paulo e Paraná e depois - por interferência do Ministério Público Federal, que conseguiu uma liminar judicial suspendendo o processo, ser reiniciado junto ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).

Além disso, há um longo histórico de falhas nos estudos apresentados, o que gerou diversos pedidos de complementação tanto por parte das secretarias estaduais de São Paulo e Paraná – onde foram apresentados pela primeira vez. Finalmente em outubro de 2003, o IBAMA recusou o EPIA/Rima por julgá-lo incompleto.

Em julho de 2004, a CBA recebeu do órgão federal um termo de referência para dar início ao novo estudo, que foi realizado pela Cnec Engenharia e entregue ao Ibama em outubro de 2005.

No começo de outubro de 2005, a empresa entregou novo Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) da UHE de Tijuco Alto ao IBAMA. Disponível no site do IBAMA é uma peça surpreendente. Em formato de estória em quadrinhos, na qual a usina de Tijuco Alto é representada por um super-herói chamado “Tio Juco”, o relatório tenta descrever as características sociais, econômicas e ambientais da região do Vale do Ribeira afetada diretamente pela barragem, explicando por meio lúdico as características do empreendimento. Também descreve os potenciais impactos do empreendimento, e indica quais ações deveriam ser tomadas para reduzir as conseqüências negativas da execução da obra.

Apesar de considerar antipática a proposta da histórica em quadrinhos, pois desencadeia uma falsa idéia de herói e bem-aventuranças que fogem da realidade da região, a proposta não deixa de ser interessante por conta da metodologia pedagógica bem estruturada para apresentar um RIMA, aos moldes que determina o art. 9 , parágrafo único da Resolução do CONAMA n 001, de 1986:

O RIMA deve ser apresentado de forma objetiva e adequada a sua compreensão. As informações devem ser traduzidas em linguagem acessível, ilustradas por mapas, cartas, quadros, gráficos e demais técnicas de comunicação visual, de modo que se possam entender as vantagens e desvantagens do projeto, bem como todas as conseqüências ambientais de sua implementação. (BRASIL. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. CONAMA, 1986, art.9).

4.5. RIMA

Em sua Introdução os consultores que atuaram no RIMA (2005) explicam que:

Para a realização do empreendimento são necessárias várias licenças concedidas por órgãos públicos. Um desses órgãos é o IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. O IBAMA exige que o empreendedor faça vários estudos ambientais para saber se o empreendimento é viável.

Ora, a nosso ver, esta afirmação é distorcida, não é o IBAMA que exige tais estudos, o instituto apenas cumpre suas atribuições e as normas jurídicas. O seu poder de discricionariedade é limitado, tangendo-se, minimamente, pelos princípios da administração pública enunciados pelo art. 37 da Carta Superior: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

A responsabilidade dos técnicos é muito grande, pois suas práticas podem levar a condenações nas áreas civil, penal e administrativa, além de todo um descrédito profissional. É preciso assim, que a sociedade em geral conheça a atribuição de cada um dos agentes envolvidos, neste caso, o Princípio da Informação impõe o dever de ser equânime, ou seja, verdadeira.

Vejamos as atribuições do IBAMA68:

Lei n 6.938, de 1981:

Art. 6 , IV – O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, tem como finalidade de executar e fazer executar, como órgão federal, a política e diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente. Art. 10, § 4 - Compete ao IBAMA o licenciamento previsto no caput deste artigo, no caso de atividade e obras com significativo impacto ambiental, de âmbito nacional ou regional. (BRASIL, 1981).

Um dos problemas levantados por vários segmentos sociais causados pela proposta anterior de licenciamento ambiental, deixando margem à insegurança da comunidade para atestar a proposta atual, esta ligada a questão fundiária. Neste sentido o RIMA traduz a seguinte solução:

Também faz parte do projeto, mas não da parte de engenharia, a proposição de reassentamento rural, que será elaborado para proprietários e não- proprietários de terras (esse reassentamento será detalhado caso o empreendimento tenha a Licença Prévia) que ficarão sob o lago. O processo de aquisição de terras será mais divulgado, terá normas estabelecidas e poderá ser acompanhado pelas Prefeituras, Sindicatos e os interessados diretos no assunto. (RIMA..., 2005, p.26).

Neste sentido fala-se no RIMA (2005) do Passivo social:

O Rima afirma que 689 famílias terão suas vidas afetadas pela criação da barragem. É importante lembrar que nos últimos 15 anos outras centenas

de famílias de ribeirinhos e pequenos agricultores já foram prejudicadas no processo de compra de terras pela CBA na região em que a empresa planeja fazer o reservatório de Tijuco Alto. Naquele período, a empresa adquiriu 379 imóveis rurais - que hoje representam 60% da área do reservatório projetado. A compra dos imóveis provocou a queda na renda e o aumento do desemprego de ex-proprietários e ex-moradores, alterou o perfil sócio-econômico de toda a região do Alto Vale do Ribeira e prejudicou a vida dos atuais habitantes. Aproximadamente 228 famílias de meeiros, arrendatários, parceiros ou posseiros foram largadas à própria sorte, ao serem expulsas das terras onde viviam sem nenhum tipo de recompensa. Como o próprio RIMA constata, a incerteza e a indignação tomam conta da população. Este dado ensina que os ditames traçados para a participação pública não podem reger-se somente por explicitações e escutas pontuais das audiências públicas. A sociedade deve estar apta a criticar e participar da gestão do bem comum de forma inclusiva, para poder contextualizar seus interesses e direitos de forma pontual com conhecimento técnico e jurídico.

As considerações de Viana (2000, p.24) a respeito do tema ressaltam a ausência de participação pública inclusiva nos processos de tomada de decisões.

Normalmente essa participação tem um caráter cosmético ou utilitarista. No primeiro caso, são feitas reuniões mal organizadas apenas para legitimar decisões tomadas à distância, para garantir uma roupagem mínima exigida por doadores internacionais, governos, etc. No segundo caso, a participação é eficiente na coleta de conhecimento “deles” para o nosso projeto (...) as comunidades não são envolvidas em todas as etapas do projeto: concepção, implementação e avaliação.

Procedimentos atrelados aos preceitos de educação ambiental são necessários para legitimar e validar os processos participativos. A Lei n 9.795, de 27 de abril de 1999, imprime vários caminhos neste sentido. O art. 4 , I determina dentre os princípios da educação ambiental o enfoque humanista, holístico, democrático e participativo. Dentre os seus objetivos o art. 5 , I indica o desenvolvimento de uma compreensão integrada do meio ambiente e suas múltiplas e complexas relações, envolvendo aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos, culturais e éticos.

A questão fundiária per si é um tema que deve ser reestudada sob a ótica ambiental. Muitas das comunidades tradicionais possuem perante a terra em que vivem outro relacionamento que não só o de propriedade. Dela dependem para consignar a sua sadia qualidade de vida. As indenizações propostas para as comunidades atingidas pelo empreendimento não integram as externalidades

sociais e ecológicas envolvidas. Os títulos de propriedade destas comunidades são inexistentes muitas vezes, mas comprova-se cientificamente que ali vivem há séculos.

Do trabalho desenvolvido junto aos quilombos da região (VIANA, 2000, p. 266), constatou-se que:

A apropriação da terra se dá de forma diferenciada: a terra não é vista como propriedade particular, mas como um bem de uso comum. A identidade cultural é construída com a apropriação comunal do espaço.

Não há dúvida que o Poder Público não pode conferir a viabilidade ambiental do empreendimento sem que sejam apaziguadas as questões sociais e culturais, por conta do dever de prover para as presentes e futuras gerações a sadia qualidade de vida. Este dever não é só da entidade ambiental competente, estende-se, também, para todas as pessoas físicas e jurídicas públicas e privadas, conforme impõe o art. 225 do texto constitucional.