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CAPÍTULO III RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.2 Aspectos gerais da pesca artesanal local

O pescador e a marisqueira residentes no estuário do rio Vaza-Barris exercem sua atividade predominantemente artesanal e boa parte tem nessa atividade a sua única fonte de renda. Para esses pescadores a época de verão (setembro a março) são os meses de melhor aproveitamento produtivo das espécies, melhores condições climáticas e maior procura do pescado principalmente devido ao aumento de atividades turísticas não só no estuário como todo o estado de Sergipe (ver Apêndice B). Esse melhor aproveitamento da pesca durante o verão também foi descrito por Ferreira et al, (2003) com pescadores de município de Tamandaré/PE.

Nesse contexto seguiu-se a Lei n° 11.959 (BRASIL, 2009) que conceitua pesca artesanal como praticada diretamente por pescador profissional, de forma autônoma ou em regime de economia familiar, com meios de produção próprios ou mediante contrato de parceria, desembarcado, podendo utilizar embarcações de pequeno porte.

Quanto à produtividade, os maiores volumes de captura são do aratu, na estação do verão. No inverno (abril a agosto) a captura diminui, segundo alguns entrevistados, de maneira geral, a quantidade de pescado diminui por causa da água fria e doce. Uma marisqueira comentou:

O aratu não gosta de chuva não, mesmo cantando eles não saem. É a frieza e a água doce, eles ficam dentro das tocas e são bem pequenininhos nessa época de chuva e a marisqueira sabe que tem que pegar o dobro desses pequenininhos para fazer 1kg (Marisqueira 04, Mem de Sá, 49 anos. sic!)

As marisqueiras declararam que normalmente no verão, como os indivíduos são maiores, para fazer um quilo (1 kg) de carne de aratu necessitam em média de 100 unidades. No inverno é necessário 200 unidades para fazer um quilo. Araújo et al, (2016) encontram que é necessário em média 40 unidades para fazer um quilo de carne de aratu.

A pesca do aratu é praticada por mulheres, os homens declaram que é pescaria de mulher. Porém, quando a captura de caranguejo-uçá diminui alguns homens também fazem captura de aratu. Reconhecer o trabalho da mulher na pesca é reconhecer a importância do trabalho produtivo dessas profissionais da pesca, o lugar e o papel das mulheres na pesca e na preservação ambiental, que são relativamente invisíveis. Normalmente a mulher pescadora é caracterizada pelas tarefas domésticas que incluem o cuidado com o lar e com a família. De acordo com a U.N.W (2015), o trabalho doméstico e o de cuidado (não remunerados)

contribuem, diretamente, tanto para o desenvolvimento econômico como para o bem-estar humano, pois favorecem o desenvolvimento das pessoas no espaço produtivo.

A sazonalidade de outras espécies é evidenciada pelos entrevistados as quais diminuem ou aumentam as capturas em diferentes épocas do ano (Quadro 3.1). Para a maioria dos entrevistados, no verão, muitas espécies marinhas adentram no estuário, ou seja, como o volume de chuvas é menor a tendência é que a água salgado do mar adentre mais no estuário junto com essas espécies (ver Apêndice B).

Quadro 3.1 Espécies de peixes capturadas de acordo com a época do ano.

Espécie citada Identificação taxonômica Verão Inverno

Aratu Goniopsis cruentata ↑ ↓

Arraia Dasyatis ↑ ↓

Azeiteira Mugil gaimardianus ↑ ↓

Bagre Bagre marinus ↑ ↓

Cação Rhizoprionodon porosus ↑ ●

Camarão Litopenaeus schmitti ↓ ↑

Camurupim Megalops atlanticus ● ↑

Caranguejo Ucides cordatus ↑ ↓

Caranha Lutjanus cyanopterus ↓ ↑

Carapeba Eugerres brasilianus ↑ ↓

Catana Trichiurus lepturus ↑ ↓

Cioba Lutjanus analis ● ↑

Corongo Cynoponticus savanna ↑ ↓

Curimã Mugil liza ↓ ↑

Curvina Micropogonias fumieri ↓ ↑

Guriaçu Genidens genidens ↑ ↓

Massunim Anomalocardia brasiliana ● ↑

Ostra Ostreidae brasiliana ↑ ↓

Pampo Trachinotus carolinus ↑ ↓

Pescada Cynoscion sp ↑ ↓

Robalo Centropomus sp ↓ ↑

Sardinha Harangula clupedia ↑ ↓

Sauara Genyatremus luteus ↑ ↓

Siri Callinectes sapidus ↑ ●

Sururu Mytella charruana ↑ ↓

Tainha Mugil sp ↓ ↑

Vermelha Lutjanus alexandrei ↑ ↓

Xaréu Caranx sp ↑ ↓

No inverno, com as chuvas, o volume de água doce que é carreada para o estuário é maior, as espécies continentais (de cabeceira) descem o rio e são vistas mais frequentemente e capturas nos estuários. Segundo os entrevistados a melhora é maior logo na virada do verão/inverno e inverno/verão, mas aumenta também o número de pescadores de outras regiões, principalmente de Pirambu/SE e Piaçabuçu/AL. Segundo dois pescadores entrevistados:

Melhora sim, mas aumenta também os pescadores que vem de outros lugares né que sabem que aumenta na virada aí com mais pescador a quantidade logo diminui e não fica quase nada para o pescador daqui (Pescador 28, Mosqueiro, 68 anos, sic!). Aumenta sim, você vê muita tainha e sardinha aí no início do verão, mas o pessoal de Pirambu e Piaçabuçu também aparece e tem material de pesca melhor, eles ficam aí uns dias e o peixe acaba rapidinho (Pescador 20, Mosqueiro, 67 anos, sic!).

A pesca, no estuário do rio Vaza-Barris é realizada com formação de grupos, onde 70% dos entrevistados pescam com familiares e amigos, 22% pescam com amigos ou colegas de pesca da própria comunidade e 8% preferem pescar sozinhos (Figura 3.9). O resultado retrata justamente a pesca artesanal onde os laços familiares na atividade são bem característico, outros trabalhos como (DIEGUES, 1983; HAIMOVICI et al, 2006) também observaram a maior formação de grupos de pesca artesanal de cunho familiar.

Figura 3.9 - Formação de grupos de pesca entre os entrevistados.

Fonte: Elaborado pelo autor, 2017

Dentre os entrevistados, não houve mão de obra contratada e para 70% dos entrevistados a pesca é destinada para a comercialização dos produtos nas feiras ou vendidos para cambista e também para consumo. 26% dos entrevistados relataram que pescam para o consumo familiar e uma parte para comercialização com objetivo de compra de outros itens alimentares. Apenas 4% relataram que pesca para si mesmo e o restante distribui entre os familiares e amigos sem retorno financeiro (Figura 3.10).

70% 22% 8% Familiares Amigos Sozinho

Figura 3.10 - Forma de comercialização do pescado captura pelo entrevistado.

Fonte: Elaborado pelo autor, 2017

A embarcação tripulada por um, dois ou até três pescadores é o transporte predominantemente utilizada pelos ribeirinhos (89%) e 11% vão a pé até o local de pesca. Do total de canoas (30,7%) utilizam vela/remo sem uso de motor (Figura 3.11) e 59,3% utilizam canoas como motor do tipo rabeta com potencia entre 6 a 8HP resultado semelhante foi encontrado por (RÊGO et al, 2014; CORRÊA et al, 2012).

Figura 3.11 – Utilização de em barcações simples de vela e remo pelos pescadores da localidade.

Fonte: Elaborado pelo autor, 2017

Quanto ao combustível, 90% dos usuários de embarcação motorizada relataram desse ser o principal gasto com a pesca e que praticamente não há vantagem para quem pesca sem motor, para eles o motivo é o menor esforço para realizar a atividade de pesca e os problemas de saúde de quem trabalha só com remo. Segundo um pescador do povoado Mosqueiro:

70% 26% 4% Comercialização Subsistencia familiar Não comercializa

Antes aqui era no braço e pescador magrinho, hoje é o pescador gordinho com a barriguinha de fora porque o esforço é menor e por causa das remadas o pescador tinha muita dor; apesar de ir mais longe o ganho é parecido com quem pesca sem o motorzinho, a gente gasta mais com gasolina, é o pior gasto da pesca (Pescador 27, Mosqueiro, 53 anos, sic!)

Dos entrevistados, 7% citaram que o conserto ou compram e petrechos de pesca acabam ficando mais caro que o combustível e 3% dos entrevistados relataram que o custo maior é com o motor dos barcos (Figura 3.12).

Figura 3.12 - Maiores custos com a atividade de pesca.

Fonte: Elaborado pelo autor, 2017

A atividade do pescador e marisqueiras no estuário do rio Vaza-Barris é predominante matutino (Figura 3.13). Todas as marisqueiras entrevistadas (38% do total) trabalham em regime diurno, normalmente de acordo com a oscilação de maré. Já entre os homens oito entrevistados disseram que pescam depende muito da maré, então a pesca pode ocorrer durante o dia ou à noite. Entre todos os entrevistados, nos últimos anos o esforço de pesca teve que aumentar (34%) isso se deve principalmente a escassez de pescado, para 62% o tempo é o mesmo, pois mesmo com a redução do pescado foi compensando com a utilização do motor e para 4% o tempo diminuiu por causa do motor as idas e voltas da maré. Um pescador e uma marisqueira opinaram o seguinte:

Sim, tem que ficar mais tempo pra pegar mais peixe; antes a gente ia de manha e 2hs ou 3hs a tarde já estava em casa cheio de peixe (Pescador 26, Mosqueiro, 39 anos, sic!).

Melhorou com o motor sabe, mas dá no mesmo porque diminuiu o pescado aí tem que ficar quase o mesmo tempo na maré (Marisqueira 16, Pedreiras, 43 anos, sic!).

90% 3% 7% Combustível Conserto do motor Conserto/compra de apetrechos

Figura 3.13 - Pesca predominantemente matutina.

Fonte: própria autoria, 2017.

Atualmente pela economia no combustível e poder voltar com um pouco mais de pescado, o entrevistado relata que muitos já estão ficando na maré de um dia para o outro, onde antes saia logo cedo e voltava no final da tarde. De acordo com um pescador do Mosqueiro:

Estamos ficando de um dia pro outro porque compensa o gasto com gasolina, é oito litros para ir e se ficar indo e voltando o gasto não compensa pela quantidade que nós vai pegar, tem dias que a gente volta nem com 10 kg de peixe ai fica mais tempo pra compensar; ninguém voltava de noite não, no meio tarde, ou antes, um pouquinho já voltava porque estava cheio o barco (Pescador 28, Mosqueiro, 68 anos, sic!).

A FAO (2004) descreve que o combustível é um dos insumos mais caros na atividade de pesca e que o lucro acaba ficando incerto a depender das distancias que se deve percorrer na busca pelo pescado, uma vez que é uma tendência atual a escassez desse produto no meio natural.

Para os entrevistados, os petrechos utilizados são de baixo impacto ambiental, principalmente devido ao tamanho da malha que é maior que 25 mm. Segundo um pescador do povoado Pedreiras:

Tem gente que usa aí de 20 mm e é uma tristeza, mata muito miudinho, um pescador consciente não deve usar essas malhas miúdas não, acabam os criadouros dos peixes do rio (Pescador 25, Pedreiras, 61 anos, sic!).

Entre os petrechos mais utilizados à rede de malha (REM) foram a mais citada 22%, seguida da Coleta de Sururu (CSU) com 14%, Coleta de Aratu (COA) citada em 13% dos casos e Coleta de Ostra (COS), os demais podem ser vistos na tabela abaixo (Tabela 3.3).

Tabela 3.3 - Petrechos mais utilizados pelos ribeirinhos no estuário do rio Vaza-Barris.

Sigla Pedreiras Mosqueiro Mem de Sá Citações (%)

Rede de malha REM 23 20 10 22

Coleta de Sururu CSU 10 6 16 14

Coleta do Aratu COA 6 4 20 13

Coleta de Ostra COS 5 4 20 12

Redinha de calão RCA 9 5 16 12

Tarrafa TAR 7 5 7 8

Coleta Manual COM 3 9 6 7

Linha LIN 1 11 3 6

Coleta de Caranguejo CCA 0 2 4 3

Câmboa CAB 2 0 2 2

Arpão ARP 1 0 0 1

Fonte: Elaborada pelo autor, 2017.

Vale lembrar que a diversidade de artes de pesca é resultado da necessária adequação dos equipamentos às varias espécies-alvo (CAPELLESSO; CAZELLA, 2011), sendo possível um mesmo pescador utilizar mais de um petrecho de pesca para realizar sua atividade. Os peixes foram os mais citados, correspondendo a (82%) do total de pescados no estuário. Dentre as mais capturadas estão à tainha (11%) do total de capturas, seguida do robalo (10,5%); carapeba (7,5); arraia e vermelha (6,5%) cada.

No total, foram registradas 39 espécies (Quadro 3.2) citadas que são capturadas pelos pescadores artesanais entrevistados. Do total, 32 espécies são da classe de peixes; crustáceos com quatro espécies e moluscos com três citações. Da captura total (67,3%) são peixes, entre as mais citadas foram à tainha, (11%) das capturas totais, robalo (10,5%), carapeba (7,5), representando os peixes. Os crustáceos representaram 16,3% do total de capturas, sendo o camarão (7%) e o aratu (6,5%) os maiores explorados pelos entrevistados. No povoado Mem de Sá houve mais citações para a captura do camarão, assim como o siri. O caranguejo teve iguais citações do povoado Mosqueiro e Pedreiras.

Entre os moluscos, a captura representou 16,4% do total sendo a ostra (7,3%) e o Sururu os mais capturados. O povoado Mem de Sá apresentou mais citações de captura de ostra e sururu, o massunim foi citado somente no povoado Mosqueiro em relação aos outros.

A classe dos crustáceos representou (10,5%) da amostra, sendo o camarão o mais capturado, 43% dentre os demais seguido do aratu (39%), siri (16%) e caranguejo (13%).

Quadro 3.2 - Espécies mais capturadas pelos entrevistados.

Classe Espécie Pedreiras Mosqueiro Mem de Sá Citações (%)

Arraia 10 14 6 6,5 Arrabaiana 0 1 0 0,2 Azeiteira 1 0 0 0,2 Bagre 9 13 5 6,0 Barbudo 1 0 0 0,2 Cabeça-dura 1 0 0 0,2 Cação 0 14 0 3,0 Camurupim 1 0 0 0,2 Caranha 0 0 4 0,9 Carapeba 15 14 6 7,5 Catana 1 0 0 0,2 Cioba 0 1 1 0,4 Corongo 1 0 0 0,2 Curimã 3 6 0 2,0 Curvina 0 10 0 2,2 Dentão 0 1 0 0,2 Guaiaçu 1 0 0 0,2 Mero 0 0 1 0,2 Milongo 1 0 1 0,2 Pampõ 1 0 0 0,2 Papa-terra 2 0 0 0,4 Paru 1 0 0 0,2 Pescada 14 10 0 5,0 Robalo 22 13 14 10,5 Salvage 0 1 0 0,2 Sardinha 4 1 0 1,0 Sauara 1 0 0 0,2 Sirigado 0 1 0 0,2 Tainha 23 15 15 11 Tinga 0 1 0 0,2 Vermelha 8 13 9 6,5 Xaréu 1 2 2 1,0 Crustáceos Aratu 7 4 19 6,5 Camarão 11 6 16 7,0 Caranguejo 0 3 3 1,3 Siri 2 2 3 1,5 Moluscos Massunim 1 5 3 2,0 Ostra 9 4 21 7,3 Sururu 11 6 16 7,0